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"Nova CPMF": As faces de uma pauta impopular
Economia

"Nova CPMF": As faces de uma pauta impopular

O novo imposto traria benefícios para arrecadação do Governo e poderia ser um fôlego contra o desemprego. Ao mesmo tempo, geraria uma tributação contínua
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O retorno de um imposto que recaia em todas as operações bancárias aos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) tem gerado debates intensos entre sociedade civil, empresariado e esfera política. Nos bastidores do Governo Federal a situação não é diferente. Enquanto a equipe econômica defendia e insistia na intervenção, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) discordava publicamente. Ontem, a demissão do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra - defensor da proposta, expôs as divergências internas e aumentou as incertezas em torno do assunto.

No entanto, o presidente sinalizou que essa já é uma carta fora do baralho. A criação de uma nova CPMF é uma pauta impopular e já foi pleiteada pelos petistas Dilma Rousseff (PT) e Lula (PT), que tiveram o texto derrotado no Congresso. Mas por que o tema atravessou diversas governos e apresenta resistência de lados antagônicos? São vários os pontos conflitantes. Um deles é a tributação contínua. O que estava incorporada nas entrelinhas da reforma tributária é uma alíquota inicial de 0,4% para operações de saques e depósitos em dinheiro e 0,2% para cada pagamento nos cartões de crédito e débito. Ou seja, sempre que esse serviços forem executados, terá uma taxação em cima.

Na outra ponta, haveria a unificação da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Isso viabilizaria o setor privado aliviar a folha de pagamento dos empregados, que, hoje, desconta 20% do salário para arcar com a Previdência. Com isso, esperava-se que as empresas voltassem a contratar. Outro ponto positivo seria um caminho rápido para o ajuste fiscal. Ocorre que ministro da Economia, Paulo Guedes, estima arrecadação de R$ 120 bilhões com a chamada nova CPMF.

Segundo Luís Eduardo Barros, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef), a medida simplificaria a tributação e ajudaria o País a reverter o quadro de crise. "Tem muita gente contra, mas muito mais por razões políticas do que econômicas. Tirando a contribuição patronal, ficará mais barato para o empregador, o nível de formalização vai aumentar e as empresas estarão mais estimuladas a contratar", avalia.

Já o professor do Departamento de Teoria Econômica Universidade Federal do Ceará (UFC), Joseph Vasconcelos, concorda que a motivação fiscal é válida, mas pondera que isso iria desincentivar as atividades bancárias e gerar mais custos. "Pode acabar inibindo as operações. O que ocasionaria uma redução das atividades financeiras em razão do encarecimento", destaca. "Do ponto de vista da atividade econômica, acho negativo. O Governo poderia realizar um novo tipo de ajuste fiscal, e não pensar em majorar, aumentar e criar novas modalidades de impostos", observa.

Para visualizar os impactos na prática, o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Vander Mendes Lucas, exemplifica que os trabalhadores têm o seu salário líquido com diversos tributos descontados. Assim, pagar por novos provocaria mais uma diminuição da renda. Ele acrescenta que é controverso apostar que as empresas contratarão mais. "Diminuir as folhas dá espaços para ter lucro ou contratar mais gente. Mas o Governo está indo com muita pressa. A própria demissão do Cintra mostra atrito nesse sentido", diz.

Izabel Colares, presidente do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon), reitera que uma nova CPMF não garantiria a geração de empregos. Pelo contrário, prejudicaria os consumidores. Pondera que, se pessoas que recebem até três salários fossem isentas, a medida seria positiva. "Assim, ia pegar quem ganha grandes fortunas. Se tivesse esse critério, o grande capital iria ser tributado e o pequeno, não. Teríamos mais justiça e facilidade", assinala.

Na avaliação de Rodrigo Spada, presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afreps) e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite ), o novo imposto distorceria a economia de forma que as cadeias longas teriam prejuízo e perda de competitividade. "Favorece os importadores devido a dificuldade de competir com os chineses e coreanos já que, nos outros países, não têm a regra e isso agrega custo para o Brasil", explana, afirmando que a pauta não tem espaço político.

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O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, durante a sessão de análise dos destaques ao texto principal da reforma da Previdência.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, durante a sessão de análise dos destaques ao texto principal da reforma da Previdência.

Congresso reage e antecipa rejeição a eventual retorno da CPMF

Diante das intenções externadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a reação vinda das casas legislativas federais não tardou. Senadores e deputados externaram, massivamente, antipatia à proposta de retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), citada pelo ministro sob a roupagem de Imposto Sobre Transações Financeiras (ITF). A ideia aventada pelo ministro foi de inclusão do imposto no texto de reforma tributária.

 Marcos Cintra foi demitido por cogitar a volta da CPMF
Marcos Cintra foi demitido por cogitar a volta da CPMF

A presença da velha e da nova sigla na discussão causou, além da reação do Parlamento, a exoneração do ex-secretário da Receita Federal, o professor Marcos Cintra. Nas palavras dele, inclusive, ficou evidenciado um conflito de ideias a respeito do tema.

Embora tenha sido o titular da Economia o primeiro a tocar no assunto, na última segunda-feira, 9, recai sobre Cintra, que também pretendia reimplantar o imposto, a autoria do texto. Há, agora, a possibilidade de a articulação ficar a cargo do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho.

Como Guedes é considerado "superministro", a saída do então secretário foi o modo de o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ainda convalescendo depois de ser submetido à quarta cirurgia após facada —, conter o ânimo dos próprios apoiadores, já que, como deputado e candidato à Presidência, sempre se opôs ao tributo.

"A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do Presidente", demarcou do hospital, por meio de rede social.

Pelo que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pôde perceber, a ideia não tem chances de prosperar. "É direito dele (Bolsonaro) mandar uma proposta, e a Câmara e o Senado decidirem. Mas, de fato, as reações (negativas) foram muitos contundentes", afirmou o demista.

OUÇA À ENTREVISTA COM O PRESIDENTE RODRIGO MAIA COMENTANDO A REAÇÃO DO CONGRESSO A UMA EVENTUAL VOLTA DA CPMF

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), era deputado federal — de 2002 a 2010 — durante o período de vigência da CPMF (1996 a 2007). Em coletiva de imprensa concedida ontem, ele recorreu à biografia para atestar sempre ter sido avesso ao texto. "Sempre trabalhei contrário à elevação de impostos e tributos na vida das pessoas. (...) Não é possível, os brasileiros não aguentam mais pagar impostos."

A derrubada do imposto em 2007 foi das mais delicadas derrotas do ex-presidente Lula (PT) no Senado Federal. Mesmo sob alegação de que o dinheiro arrecadado iria integralmente para a saúde pública, a tentativa do petista, que era prorrogar a taxa até 2011, não foi bem-sucedida.

Hoje, a ideia segue não ganhando corpo nas argumentações de nenhum dos deputados federais cearenses ouvidos por O POVO. Para o vice-líder do PSL na Câmara, Heitor Freire, a cogitação vai de encontro às concepções desburocratizantes com as quais Bolsonaro se elegeu em 2018. A conduta de Bolsonaro em relação ao tema, ele diz, segue intacta, sempre contrária.

Freire economizou palavras a respeito da demissão de Cintra. resumiu-se ao comentário de que as decisões adotadas pela equipe econômica dizem respeito somente a ela e ao próprio presidente. Ambos, ele julga, "seguem adotando critérios técnicos."

O deputado José Guimarães (PT), vice-líder da minoria, sustenta que a ideia do Planalto é de "liberou geral." Isso porque à época de Lula (2003-2010), diz o petista, os valores eram direcionados à saúde. Agora, se se concretizasse a ideia, não. "Temos que retomar o crescimento da economia brasileira, mas não com mais impostos", diz o petista, numa afirmação que converge com a de Freire.

Pelo lado do centrão, o parlamentar Júnior Mano (PL) acredita que o objetivo deve ser o de reduzir a máquina estatal e avançar em reformas.

O que pensa a indústria

 "É um imposto que desagrada a todos: comércio, indústria e cidadão, e que virá numa forma diferente do que tem se colocado em relação ao liberalismo econômico. Uma nova CPM poderia desfazer tudo o que temos defendido"

Beto Studart, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec)

 

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