O Banco Central decidiu reduzir, na semana passada, em meio ponto percentual a taxa básica de juros, a Selic, que foi para 4,5% ao ano. É a quarta redução só em 2018 e o menor patamar da história brasileira. Mas, qual impacto que isso terá para economia em 2020?
O primeiro deles é que a medida abre espaço para redução dos juros praticados pelos bancos. Depois do Banco Central, a Caixa Econômica anunciou, por exemplo, a queda de 6,75% para 6,5% dos juros dos financiamentos imobiliários já a partir de segunda-feira, dia 16. A partir do dia 2 de janeiro, a queda de 4,99% para 4,95% ao mês na taxa do cheque especial para quem recebe salário pelo banco. Para não correntistas, a redução chega a quase um ponto percentual nesta modalidade.
Já o Banco do Brasil aprovou taxas menores para empréstimos pessoa física não consignado, crédito imobiliário, aquisição de veículos e nas linhas de pessoas jurídicas. Os bancos privados também devem seguir este movimento.
Se o custo do crédito ficar mais barato, o que se espera é que tanto as pessoas, como as empresas, voltem a consumir e fazer investimentos. Com isso, deve haver melhora do nível de atividade econômica e do emprego.
Pelo menos em tese é isso o que deveria ocorrer. Porque, na prática, apesar da redução sistemática da Selic nos últimos dois anos, uma queda de 28,57% em relação a dezembro de 2017, a economia ainda não vinha respondendo a contento.
Na avaliação do professor de economia aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Almir Bittencourt, são grandes as chances do novo corte ter um efeito melhor que os anteriores. Ele explica que apesar de ser um instrumento importante, a Selic, sozinha, não garante a retomada da economia. Depende de muitos outros fatores, como a própria dificuldade de o Governo fazer investimentos em função do alto grau de comprometimento fiscal.
"Mas, agora, a gente já começa a observar em alguns setores um processo de retomada, o desemprego, ainda está alto, mas vem diminuindo, e há um horizonte fiscal melhor. Tudo isso leva a crer que o consumo tende a ser mais favorecido com essa nova redução dos juros".
O mestre em economia e professor do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero, pontua que o cenário de inflação controlada, em 3,27%, foi o que abriu margem para que a taxa básica de juros fosse reduzida nesta monta sem que isso represente um risco real de gerar novas pressões inflacionárias. Mas em 2020 isso não deve se repetir. "Não pode correr o risco de baixar demais".
Também é provável que no Brasil haja uma mudança no cenário de investimentos. Com a Selic em baixa, o professor da Fundação Getúlio Vargas, Ricardo Teixeira, explica que o brasileiro vai precisar aprender a conviver com um risco maior e uma visão de mais longo prazo.
"Até recentemente o brasileiro (de forma geral), quando pensava em se preparar para a aposentadoria, tinha especial predileção por aplicações em renda fixa. Praticávamos taxas básicas de juros que ofereciam rentabilidade bem acima das taxas de inflação, permitindo ganhos acumulados expressivos ao longo do tempo. Por isso, dizia-se, de maneira informal, que os aplicadores brasileiros médios eram rentistas e não investidores. Agora, o cenário é outro", afirma.
Hoje, algumas aplicações já estão fazendo com que o investidor perca dinheiro. É o caso da poupança, que rende 70% da Selic. Com o novo corte da taxa de juros, a poupança vai remunerar 3,15% ao ano, menos do que a inflação do período. Portanto, mesmo sendo isenta de Imposto de Renda e de taxas, a poupança não é recomendado.
Da mesma forma, outras aplicações em renda fixa, como títulos pré-fixados, que ainda sofrem incidência de outras taxas. Por isso, os especialistas acreditam que em 2020 deve crescer a procura pelos investimentos em renda variável, como a Bolsa de Valores. "Isso já vinha sendo observado em 2019, mas deve se intensificar em 2020", complementa o economista Gilberto Barbosa.
Ele ressalta que neste contexto o ideal é diversificar mais o mix de investimentos. "A bolsa é a classe de ativos que tem a melhor perspectiva para o ano que vem. Mas não quer dizer que as pessoas devem zerar a renda fixa, mas sim estar mais aberto a riscos e diversificar as aplicações".
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O que é a Selic?
Selic é a abreviação de Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Sistema que o Governo usa para controle de emissão, compra e venda de títulos públicos, além de controle da inflação. Já a Taxa Selic é a taxa básica da economia brasileira, que impacta em diversos setores da economia e da vida da população.
Conheça alguns desses impactos:
Nos juros dos bancos
A Taxa Selic funciona como uma das principais referências para todas as taxas de juros que são cobradas pelos bancos. Se ela está em baixa como agora, a tendência é que também haja redução nos juros do crédito como empréstimos, cartão de crédito, cheque especial, etc. Mas, essa variação sem sempre vem na mesma proporção. Também varia de produto para produto e de banco para banco.
Na inflação
O Governo pode usar a Selic para tentar controlar a inflação. Se essa estiver alta, o Banco Central sobe os juros na expectativa que os bancos também façam o mesmo com o crédito. Se os juros estão mais caros, o consumidor vai pensar duas vezes na hora de fazer uso desses instrumentos e com isso acaba comprando menos. Com menos consumo, a tendência é cair a inflação. Agora, com cenário de inflação baixa, em 3,27%, há margem para reduzir os juros sem gerar pressão inflacionária.
Para as contas do Governo
Ao reduzir a taxa básica de juros, o Governo também reduz o custo da dívida pública. Isso porque muitos títulos públicos que foram vendidos lá atrás foram comercializados considerando a rentabilidade que a Selic teria na hora do resgate. Se está em baixa, isso significa que o Governo pagará menos por essas dívidas.
Poupança
Desde 2012 foi determinado que quando a taxa estiver acima de 8,5%, a poupança terá rendimento de 0,5% + TR (taxa referencial). Já nos casos em que a Selic for menor ou igual a 8,5%, como agora, o rendimento será equivalente a 70% de seu valor no período. Para se ter ideia, em dezembro de 2017, a remuneração da poupança era de 0,42 % ao mês. Agora é de 0,28% ao mês.
Renda fixa
Em maior ou menor grau, investimentos de renda fixa como Fundos DI, Certificados de Depósito Bancário (CDBs), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Tesouro Direto, também sentem esses efeitos. Seja porque alguns títulos são indexados à taxa Selic (ou seja, vão render o valor da sua variação), ou porque estão vinculados ao Certificado de Depósitos Interbancários (CDI), que é a média da taxa de juros praticada pelos empréstimos feito entre os próprios bancos. Então, se a Selic caiu para 4,5% ao ano, significa que a rentabilidade dessas aplicações também devem cair.
Renda Variável
Se as aplicações em renda fixa já não estão tão atrativas, há uma tendência de que os investidores estejam dispostos a correr mais riscos para garantir rentabilidade melhores. O número de investidores ativos da Bolsa de Valores brasileira, a B3, por exemplo, cresceu 95% em um ano, para 1,53 milhão. O valor de mercado das empresas listadas teve alta de 24% no período.
Construção civil
Comprar um imóvel ou iniciar uma obra pública requer um valor significativo de recursos, que nem sempre é possível pagar de uma vez. Por isso, se o crédito imobiliário ficar mais barato, a tendência é que mais gente passe a comprar imóveis e, com isso, mais empresas passem a construir, gerando mais emprego e renda.
Setor automobilístico
Assim como o setor da construção, o mercado de venda de veículos depende fortemente da oferta do crédito. Se o financiamento de veículo está mais barato, a expectativa é de que o mercado também fique aquecido.
Comércio e serviços
Setores do comércio e serviços se beneficiam duplamente da Selic a 4,5%. Tanto do lado do crédito ao consumidor, como pelo que é ofertado à pessoa jurídica. Como empresas, têm condições melhores para contratar empréstimo para fazer estoque, expandir suas operações ou comprar equipamentos.
Preços dos produtos
Se a inflação está baixa e há melhores condições de crédito às empresas, em tese, há margem para que haja também redução de preços ao consumidor.
Preço do dólar
A taxa básica de juros é um dos indicadores que ajudam a definir a taxa de câmbio, que é a relação de valor entre moedas. Isso porque a Selic também é usada para indexar títulos federais, o que influencia na quantidade de investimento estrangeiro no país. Se os juros estão baixos, menor o interesse do investidor porque significa que a remuneração deles será menor. Se tem menos dinheiro estrangeiro entrando, maior o valor de venda da moeda. Ou seja, também contribui para o dólar mais caro.