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O bom negócio que é mudar o mundo
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O bom negócio que é mudar o mundo

As empresas de impacto social já movimentaram US$114 bilhões em todo o mundo, de acordo com o último relatório do Global Impact Investment Network
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"Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens já começaram a entender sua traição. Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E, se vocês escolherem fracassar, eu lhes digo: nós jamais perdoaremos vocês... É aqui e agora, que nós colocamos um limite. O mundo está despertando. E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não".

O discurso uníssono da ativista Greta Thunberg, de 16 anos, durante a Cúpula do Clima, na sede das Nações Unidas (ONU), endossa a máxima de gerações críticas (millennials e Z) que pressionam a evolução socioeconômica e ambiental em diversas esferas da sociedade. É também o prelúdio de um mercado que só sobreviverá se integrar na sua base lucro e os efeitos coletivos. Um redesenho da economia mundial e brasileira que desponta e não deve mais parar.

Os chamados negócios de impacto já movimentaram US$ 114 bilhões em todo o mundo, segundo relatório do Global Impact Investment Network, de 2018. A expectativa é que esse número dobre neste e no próximo ano. Na América Latina, esse valor é de US$ 1,2 bilhão,  sendo US$ 186 milhões no Brasil, conforme a Aspen Network of Development Entrepreneurs (Ande). Outro ponto é que essa cobrança virá não apenas dos consumidores, mas da força de trabalho qualificada.

O relatório da Aliança pelas Finanças e Negócios de Impacto mostra que, além dos hábitos de consumo, as escolhas de investimentos e decisões de carreira dessa população levarão em conta se os empreendimentos estão alinhadas a propósitos. A estimativa é que os millennials herdem US$ 30 bilhões em todo o mundo nas próximas décadas. Esse grupo, porém, está mais propenso a investir em fundos cujo objetivo é ligado a resultados socioambientais positivos.

Ingrid Paola Stoeckicht, professora dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), presidente do Instituto Nacional de Empreendedorismo e Inovação (Inei) e diretora de Inovação e Novos Negócios do Innovation to Health (I2H ), define que esse modelo se configura desde a concepção, sendo desenvolvido para gerar lucro, mas resolver também um ou mais problemas sociais.

Entre eles, os previstos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, como a produção e consumo sustentável, redução das desigualdades, trabalho decente e ação contra a mudança global do clima. No País, esse segmento leva o nome de 2.5.

Isso porque engloba conceitos do Segundo Setor (corporações privadas que visam lucro) e Terceiro Setor (instituições filantrópicas - que priorizam somente o bem estar da população). As que não nascem com essa modelação podem ganhar o status se tornando uma empresa B, fazendo uma série de transformações internas para se adequaram. A certificação internacional é concedida pelo B Lab, corporação que desenvolveu uma metodologia que inclui o índice Global Impact Investing Rating System (GIIRS) e um processo de avaliação composto por 160 indicadores de sustentabilidades.

Ingrid explica que esse movimento começou há décadas, em 1976, quando o professor Muhammad Yunus (vencedor do Nobel da Paz de 2006) criou o Grameen Bank, conhecido como "banco para os pobres". O objetivo era conceder empréstimos com juros mais baixos para trabalhadores rurais e mulheres, ajudando a reduzir os índices de pobreza em Bangladesh, na Ásia. E tem sido incorporado gradativamente no mercado brasileiro.

"Ele mostra para o mundo, por meio do microcrédito, que isso é possível, lançando um conceito de empreendedorismo social que começa a se espalhar... No Brasil, é um setor que cresce muito, porque sabemos que o Governo por si só não dá conta dessas questões", avalia.

Ela acrescenta ainda que são desafios para esse empreendedor captar recursos e a falta de uma legislação específica no Brasil. "Ocorre que a empresa que não inovar está com seus dias contados, o que está havendo é uma pressão ainda leve, mas vai crescer para que cada vez mais se incorpore as sustentabilidades dentro do negócio. E aí, como é de praxe, o marco regulatório vem depois", observa.

O professor Abraão Freires Saraiva Júnior, fundador e Coordenador do Centro de Empreendedorismo (Cemp), da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que, no Brasil, há um movimento de fortalecimento da construção e da incorporação de conceitos e práticas de negócios de impacto.

"Principalmente, após o surgimento de instituições que trouxeram o tema à pauta. Como o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), a Pipe.Social (instituição privada que realiza o mapeamento), Quintessa (aceleradora)", enumera. Ele acrescenta que instituições internacionais com operações no Brasil também têm reforçado o campo, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o British Council. "Além do Civi-Co, coworking de São Paulo dedicado a essas empresas", diz.

Mas ainda é um desafio diversificar as pessoas que estão por trás dessas empresas. De acordo com o 2º Mapa de Negócios de Impacto Social Ambiental, realizado pela Pipe.Social - plataforma que mapeia essas iniciativas e conecta empreendedores -, a maioria dos empresários de impacto é do sexo masculino (66%), autodeclarada branca (66%) e do Sudeste do País (62%).

Mariana Fonseca, CEO e cofundadora da Pipe.Social, acredita que esse retrato empresarial acompanha o movimento das startups. "A nossa hipótese é porque estamos falando de negócio e tecnologia, é preciso fomentar mais a diversidade nessas duas áreas. E isso vai refletir nos negócios de impacto", avalia. Por outro lado, pondera que, embora essas empresas não seja chefiadas por grupos mais vulneráveis, elas buscam atendê-los e diminuir as distorções.

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Como se desenham as ações no Ceará

A força do empreendedorismo cearense tem oxigenado os negócios de impacto no Estado. Um exemplo disso foi o edital Territórios de Futuro, que mapeou 132 empreendimentos do setor em 2019. O número foi o dobro do observado em 2018, quando houve 66 inscritos. Os 185 negócios mapeados pela iniciativa atuam nas áreas de resíduos sólidos (33%), educação (12%), energias inteligentes (10%), mobilidade urbana (10%), saúde (4%) e finanças e microcrédito (1%).

A chamada foi realizada pela investidora in3citi, Grupo Marquise e Banco do Nordeste (BNB), com apoio da Quintessa, Civi-co, Pipe.Social e Agência Be Cause. Para o sócio fundador da In3citi, Haroldo Rodrigues de Albuquerque Jr., o Ceará tem um capital humano que facilita a ambiência para a expansão desse modelo.

"Essa geração que está chegando cobra isso, que a empresa tenha em seu DNA impactos positivos", avalia.

Ricardo Podval, CEO do Ci-vico, reitera que o Estado tem avançado. "A região está fazendo um excelente trabalho no ecossistema, temos exemplos como a Agenda Edu (startup que conseguiu investimento do Omidyar Network, um dos maiores fundos de investimento filantrópico do mundo)", diz.

Ele acrescenta que se reuniu com a Prefeitura de Fortaleza para implantar um espaço aos moldes do Civi-Co em São Paulo, na Praia de Iracema. "Será um local de grande parceria e trocas para que empreendedores do Ceará possam mostrar projetos e buscar recursos em São Paulo e vice-versa", explica.

O professor Abraão Freires Saraiva Júnior, fundador e Coordenador do Centro de Empreendedorismo (Cemp), da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que as iniciativas regionais já vêm se desenhando há algum tempo. "No Ceará, já há exemplos de negócios de impacto (mesmo com esse conceito ainda não tão claramente definido) de destaque nacional já há algum tempo, como no caso do Banco Palmas", observa.

Abraão aponta iniciativas que auxiliam esse desenvolvimento, como o Cemp, que promove anualmente, desde 2017, o Prêmio Universitário Empreendedor e tem uma categoria de Empreendedorismo de Impacto. Além do Programa Corredores Digitais da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece), que dentro da pré-aceleração de startups tem uma linha dedicada para negócios de impacto.

O programa conta com o espaço público CriarCE, na rua rua Major Facundo, nº 500 (prédio do cine São Luiz). Lá, são desenvolvidos e expandidos novos negócios. Os editais são anuais. De acordo com Thiago Barros, coordenador do CriarCE, o próximo certame está previsto para março próximo. "Temos 15 startups trabalhando diariamente".

FORTALEZA, CE, BRASIL 24-01-2020: Negócios de Impacto com a Janete Cabral Alves, 50, Gestora da associação Sociedade Comunitária de Reciclagem de Lixo do Pirambú - SOCRELP e Sergio Clerio, 52, Gestor da Selletiva falam sobre a utilização do programa da empresa Selletiva (Sandro Valentim/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL 24-01-2020: Negócios de Impacto com a Janete Cabral Alves, 50, Gestora da associação Sociedade Comunitária de Reciclagem de Lixo do Pirambú - SOCRELP e Sergio Clerio, 52, Gestor da Selletiva falam sobre a utilização do programa da empresa Selletiva (Sandro Valentim/O POVO)

Caminhos para multiplicar histórias

A Sociedade Comunitária de Reciclagem e Lixo do Pirambu (Socrelp) arrecada cerca de 50

toneladas de resíduos por mês em Fortaleza. O material passa pelas mãos de 16 associados que moram na comunidade e têm na atividade a principal fonte de renda. Eles também realizam a chamada logística reversa, que faz a gestão do material para que ele retorne ao ciclo produtivo. O trabalho é fundamental para amenizar o impacto ambiental negativo causado pela produção excessiva e o descarte incorreto.

As empresas parceiras, que concedem os resíduos para a entidade, precisam ter o controle do que e como ele foi destinado, para prestar contas com órgãos de fiscalização. Um trabalho que até 2015 era feito quase que manualmente ao longo de um mês. Até a entidade ser uma das beneficiadas da startup de impacto social Selletiva.

O negócio têm um software para logística reversa que otimiza e valida os indicadores de sustentabilidade nas movimentações e processamentos dos recursos residuais. A Selletiva é uma Empresa B certificada e apoiada pelo Hub Inovação Nordeste (Hubine), centro de inovação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

A modernização desse processo permitiu que a sociedade ampliasse de 100 parceiras para cerca de 400 atualmente. "Ganhamos agilidade, só pelo fato de não precisarmos parar de trabalhar para fazer relatório", explica Janete Cabral, presidente da Socrelp.

A ferramenta que transformou a rotina dela e da comunidade dos catadores do Pirambu surgiu ainda em 2012, quando o cientista da Computação Sérgio Clério a apresentou na dissertação de mestrado do curso Administração, na Universidade Federal do Ceará (UFC). O negócio foi incubado e graduado no Porto Digital (Recife-PE) de 2012 a 2014. Somente em 2017 houve a formalização da empresa.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 23-01-2020: Heyde Leão de Souza, 39, desenvolvedor de software e tecnólogo em gestão de negócios. Empreendedorismo e impacto acessível e responsável. (Foto: Sandro Valentim/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 23-01-2020: Heyde Leão de Souza, 39, desenvolvedor de software e tecnólogo em gestão de negócios. Empreendedorismo e impacto acessível e responsável. (Foto: Sandro Valentim/O POVO)

Para ler e ampliar horizontes

O desafio da leitura na infância é ainda maior para crianças cegas e de baixa visão. Para elas, o desenvolvimento cognitivo ocorre igualmente ao dos outros alunos na escola, mas as ferramentas para absorver e colocar em prática o aprendizado não. Foi com o intuito de tornar a Educação mais inclusiva que o diretor da AED Tecnologia,
Heyde Leão, desenvolveu a Biblioteca Acessível.

Na prática, um tablet e o mouse em braile se comunicam via um software. A partir dessa comunicação, o texto digitado ou armazenado naquele formato pode ser lido em braille (sistema de escrita tátil) ou por áudio. Segundo Heyde, o recurso já foi utilizado por 283 crianças e jovens desde que foi implantado na rede pública municipal de ensino, em Fortaleza, em 2015.

"Quero ser alguém que vai colaborar na vida das pessoas, fazer conteúdos que tornem a vida melhor, como essa plataforma foi um ponto de mudança", afirma. Agora, os planos são negociar sistema para mais escolas ampliar o impacto e colocar o produto à venda no site. Além disso, alcançar também pessoas com autismo.

A Biblioteca Acessível foi elaborada em 2010, durante o processo de incubação

da empresa no campus do Instituto Federal do Ceará (IFCE), em Fortaleza. Participaram da concepção pesquisadores da instituição, encabeçado pelo professor Anaxágoras Girão.

Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (SME) não informou em quais escolas os recursos estão sendo aplicados e se pretende comprar mais equipamentos.

Reconstruindo espaços na sociedade

Aquele sonho de ter todos os móveis e eletrodomésticos encaixados em simetria com a minúscula cozinha para deixá-la espaçosa ou de preparar cuidadosamente o quarto do filho que vai chegar é quase improvável para as classes menos favorecidas (C e D) no Brasil. Foi com o objetivo que surgiu a startup de impacto social RemodeLar.

Idealizada em 2017 por estudantes de Arquitetura e Urbanismo, a empresas visa democratizar o acesso à arquitetura e evitar a autoconstrução para melhorar a qualidade de vida das pessoas, promovendo dignidade.

A casa tão sonhada do casal Veronessa Almeida Mota, 26, e Brenda Mayra Oliveira, 25, se tornou acessível graças à empresa de impacto social Remodelar. Elas contrataram o serviço no fim do ano passado, para projetar todos os cômodos da nova moradia.

A visita do arquiteto custa R$ 29. Na ocasião, ele avalia a situação do imóvel, escuta os desejos do cliente e mostra alternativas viáveis. Se o consumidor gostar da proposta apresentada pelo profissional, pode contratar o serviço por valores a partir de R$ 299 por cômodo. O cliente recebe o projeto em até dez dias úteis.

O co-fundador da RemodeLar, Vítor Mourão explica que a ideia é democratização do serviço. Desde que entrou em operação, em 2018, a empresa já realizou 40 projetos. "Temos clientes que nunca tinham contratado um arquiteto na vida", diz.

A empresa foi incubada dentro do Programa Corredores Digitais, realizado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece). E tem sede no CriarCE, equipamento da pasta para acelerar startups, localizado na Rua Major Facundo, nº 500 (prédio do cine São Luiz).

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