Chegar a um restaurante e encontrar um cardápio em Braille é uma tarefa difícil para quem tem deficiência visual e precisa do serviço. Em dezembro de 2018, o governador Camilo Santana (PT) sancionou lei de autoria do então deputado estadual Capitão Wagner (Pros), que obriga hotéis, bares, restaurantes e similares do Ceará a oferecerem um exemplar do menu para cegos. Mas, conforme O POVO apurou, ainda falta fiscalização.
Sílvia Regina, cega e presidente do Centro de Apoio à Pessoa com Deficiência e ao Idoso, afirma que até hoje nunca encontrou cardápios em Braille nos locais que vai com os amigos. "Toda vez que pergunto pelo cardápio a resposta é a mesma. Dizem que mandaram fazer, mas não receberam, ou que a franquia ainda não enviou. O engraçado é que frequento os mesmos locais e eles continuam com a mesma resposta. E isso acontece tanto em restaurantes pequenos como em grandes redes".
Sem opção, o cliente que tem deficiência visual precisa pedir ao garçom para ler o que tem no menu. "O preconceito é grande e, infelizmente, não há uma preocupação com o cego. Acreditam que a gente não sai de casa e que não precisamos de acessibilidade", diz Sílvia. Ela ainda se lembra da ausência de cardápios adaptados para surdos, pessoas com baixa visão e idosos.
Paulo Sérgio de Souza, que também tem deficiência visual, já encontrou local que disponibiliza cardápio em Braille. "Acho que deveria ter em todos os restaurantes, independentemente do bairro ou público a que se destina", afirma.
No entanto, o sistema de escrita para cegos não é a única opção para facilitar o acesso ao cardápio. "Hoje, com a tecnologia que temos, é interessante que o restaurante disponibilize o cardápio em outras plataformas, porque tem muito cego, principalmente os mais novos ou aqueles que perderam a visão recentemente, que não leem tanto o Braille", frisa Paulo, acrescentando que há ainda a necessidade de atualização do menu quando houver alterações em preços ou itens.
Moraes Neto, presidente do Sindicato de Restaurantes, Bares, Barracas de praia, Buffets e similares do estado do Ceará (Sindirest) contesta. De acordo com ele, a maioria dos restaurantes já oferecem cardápios adaptados. "Temos notado uma procura pelo serviço e muitos de nossos restaurantes, principalmente os localizados em shoppings já disponibilizam cardápio em Braille. E isso é bem interessante, porque ajuda bastante e vem se consolidando".
No entanto, caso o cliente com deficiência visual não encontre o cardápio em algum local, ele orienta entrar em contato com o sindicato que, por sua vez, fará a intermediação para que o serviço passe a ser fornecido. E mesmo afirmando que muitos locais já oferecem o serviço, o sindicato, com 56 associados, não sabe informar quantos destes já disponibilizam o menu adaptado.
Taiene Righetto, diretor-executivo da secional cearense da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-CE), com 500 associados, reforça a existência de cardápios adaptados em vários estabelecimentos, sem especificar a quantidade. "Infelizmente nem todos os nossos associados dispõem de cardápios em Braille, mas muitos correram atrás na época que a lei foi sancionada. Temos percebido que o serviço é pouco utilizado pelos clientes com deficiência visual, porque alguns vão acompanhados por quem enxerga ou pedem auxílio ao garçom," afirma.
O POVO procurou o Governo do Estado, que não se pronunciou sobre a fiscalização dos cardápios em Braille.
O que diz
A lei estadual 16712, sancionada em 28 de dezembro de 2018 pelo governador Camilo Santana (PT), determina que hotéis, bares, restaurantes e similares que possuam cardápios, menus, tabelas de preços e outros meios informativos disponibilizem exemplares transcritos para o código de leitura e escrita Braille.
O serviço de transcrição do cardápio para o Braille pode ser feito gratuitamente pela gráfica Braille do Centro de Profissionalização Inclusiva para a Pessoa com Deficiência (Cepid).
Nota do Decon
"A lei estadual nº 16.712 de 21 de dezembro de 2018, estabelece que os bares, restaurantes, hotéis e similares, que possuam cardápios, menus, tabelas de preços e outros meios informativos, são obrigados a disporem de exemplares em linguagem braille, com o intuito de atender às necessidades dos deficientes visuais.
Portanto, se um fornecedor não disponibilizar cardápio, menus e outros meios informativos em braile, está passível de sofrer fiscalização por parte do Decon e consequentemente de serem aplicadas penalidades administrativas estabelecidas no art. 18 do Decreto nº 2.181/97 que pode ser multa, apreensão do produto e/ou interdição, dentre outras, a depender do caso concreto.
"Nosso maior parceiro na fiscalização é o próprio consumidor, que pode nos acionar através do telefone (85) 3452-4505 ou do nosso site www.mpce.mp.br/decon e denunciar, inclusive de forma anônima, sempre que encontrar irregularidades, abusos ou desrespeito nas relações de consumo".