Mesmo com a Selic atualmente em 3,75% ao ano, o menor nível histórico desde a implantação do regime de metas de inflação, em 1999, é possível que a taxa básica de juros caia ainda mais e atinja o patamar de até 2% em 2020, apontou ontem, em live no Facebook do O POVO, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco Central (BC) e do Itaú, Sérgio Werlang. Em entrevista ao editor-chefe de Economia e Negócios do O POVO, Jocélio Leal, ele destacou que não há malefícios em promover uma drástica queda de juros neste momento, uma vez que o País precisa estimular a economia durante a crise.
Para Werlang, que inclusive é um dos pais do regime de metas de inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) já deveria reduzir a Selic em mais 1,25 ponto na próxima reunião, ampliando o corte para mais 0,5 ponto posteriormente. "Para termos uma taxa entre 2% e 2,5% ao ano", afirmou. Ele destacou que "o pior que pode acontecer" é a economia ser muito estimulada e o BC ter que aumentar as taxas novamente. "Seria um problema bom", disse.
Sobre um possível aumento dos preços em decorrência da queda na Selic, o ex-diretor de política econômica do BC reforçou que "não há nenhuma contraindicação" e que a autoridade monetária não deve temer a inflação, já que o sistema de metas oferece segurança e permite que a situação seja reavaliada a cada 45 dias. "Também pode haver reunião extraordinária, se for o caso. O medo exagerado da inflação não pode deixar a gente parado", reforçou. Werlang opinou, ainda, que juros menores diminuem o custo da dívida pública, aliviando as contas inerentes aos gastos com o coronavírus, e que a economia brasileira segue "longe de estar estimulada". "A expectativa para este ano é ficarmos abaixo do piso da meta", pontuou.
O professor da FGV também ponderou que a retomada nacional no pós-crise passa, necessariamente, pela continuidade da agenda de ajustes estruturais das contas públicas, apesar de considerar que "não há clima" para essas pautas antes das eleições municipais de 2020. "Até lá, as conversas continuarão sendo sobre a Covid-19 e como será a nossa recuperação. Acho que a partir de uns seis meses após as eleições voltaremos a ter espaço para essas discussões, obviamente dependendo do clima entre Senado, Câmara e o Executivo", comentou.
Werlang cita, por exemplo, a reforma administrativa como fundamental para o Brasil voltar aos eixos. "A gente gasta uma barbaridade e não consegue nem medir adequadamente a produtividade do setor público. É preciso começar a olhar nessa direção. Nosso imposto vale muito e não pode ir só para salários".
Werlang também reforçou que as concessões feitas atualmente pelo Governo Federal "não podem ser permanentes", devendo os benefícios serem limitados a "três ou quatro meses, no máximo". Caso seja preciso, diz, é possível estender um pouco mais, mas tudo indica que não será necessário. "Na China, onde tudo começou, em dois meses e meio a situação praticamente voltou ao normal", ressaltou. Ele também reforçou que o Governo não deve oferecer aos estados "todo o dinheiro que não arrecadarem", e que, neste momento, todos terão que fazer contenções. "É preciso dar o suficiente para que atendam as pessoas, mas acho que deve haver um limite no tamanho desses recursos", complementou.
No que diz respeito aos impactos da crise na economia nacional, Werlang afirmou considerar "exagerada" a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de queda de 5,3% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2020. "O FMI tende a ser muito conservador para baixo, para depois dizer que errou", frisou. O professor cita, por exemplo, o índice Barômetro Econômico Global, da FGV, para demonstrar que a economia mundial "já está começando a se recuperar". "Na Ásia, Pacifico e África, em março, houve queda de 27%, mas em abril já foi de -6%. Economistas chineses, até conservadores, apontam alta de 3% no país", disse.