A saída de Mansueto de Almeida, secretário do Tesouro Nacional, da equipe econômica do governo Bolsonaro, deixa a situação das contas públicas do País ainda mais incerta. O cearense, que estava no cargo desde 2016, é tido como uma espécie de "fiador do ajuste fiscal". E a baixa traz maior desconfiança de investidores sobre o atraso na construção de soluções para o rombo fiscal, além de mais fragilidade no diálogo do Executivo com os demais Poderes e Estados. No seu lugar, assumirá o economista Bruno Funchal, a partir de 31 de julho.
O professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Josilmar Cordenonssi, explica que esta é uma perda importante não apenas por Mansueto ser um nome que goza de credibilidade junto ao mercado, por ter estruturado a regra do teto dos gastos, que possibilitou a rápida redução da taxa de juros no País, mas porque era uma figura importante na intermediação do diálogo entre o Executivo, o Congresso e os demais Poderes e os Estados.
"Ele sempre apostou no debate com os governadores e com as demandas legítimas da sociedade, coisa que o próprio ministro da economia, Paulo Guedes, por vezes se distancia. E em um momento como esse se só tiver incendiário e não tiver bombeiro, a pauta do ajuste fiscal vai se deteriorar ainda mais rápido".
O cenário fiscal brasileiro é crítico. Um estudo divulgado ontem pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado mostrou que os gastos para minimizar a crise provocada pela pandemia da Covid-19 e a perda de receitas com a desaceleração da economia levarão União, estados e municípios a registrar um rombo de R$ 912,4 bilhões em 2020. Apenas nas contas do Governo Central, que reúne Tesouro, INSS e Banco Central, o déficit deve ser de R$ 877,8 bilhões.
E a dívida bruta como proporção do PIB, indicador observado por investidores para analisar a capacidade de um governo de honrar seus compromissos, dará um salto para 96,1% em 2020, mais de 20 pontos acima do verificado no ano passado (75,8%). A previsão é que em 2022 a dívida ultrapasse a marca de 100% do PIB, mas isso pode ser antecipado para este ano caso o desempenho da economia piore ainda mais.
Para o coordenador do Observatório do Federalismo Brasileiro e secretário executivo do Planejamento e Gestão do Ceará, Flávio Ataliba, é muito difícil que o Governo Federal consiga cumprir o teto dos gastos em 2021. Porém, somente os gatilhos previstos na regra, como a proibição de contratações e aumento salarial do funcionalismo, não são suficientes para frear este desequilíbrio.
"É preciso saber quanto desse aumento de despesas continuará para o próximo ano. O que vai acontecer com o auxílio emergencial? Qual será sua fonte de financiamento, ou se acabar, o que será feito para socorrer os mais pobres? A reforma da Previdência já foi feita, mas faltam as outras. A Tributária estava caminhando, mas com a pandemia ficou em suspenso, e não dá para pensar em aumento de impostos para cobrir este déficit", afirmou, ressaltando ainda a necessidade de avançar com as privatizações como alternativa para reduzir os gastos públicos.
Conforme adiantou a coluna do jornalista Jocélio Leal, o nome de Mansueto aparece como provável nova aquisição do BTG Pactual. O banco reúne um time de ex-homens de governo, como o ex-ministro da Fazenda da Era Temer (quando Mansueto chegou à STN), Eduardo Guardia, hoje CEO na BTG Pactual Asset Management. E, segundo o Ministério da Economia, haverá um processo de transição entre o atual e o futuro secretário do Tesouro Nacional.
O pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Manso, afirma que essas sinalizações são importantes para amenizar a desconfiança do mercado. Ainda assim, ele é pouco otimista em relação à capacidade do governo de fazer as mudanças necessárias.
"Já começa com a dificuldade do próprio governo de se relacionar com os demais Poderes e com os estados. Isso não é, nem de longe, a harmonia institucional necessária para um ambiente de reformas. Infelizmente, o governo criou a tempestade perfeita, que foi produzir no meio da crise sanitária, econômica e fiscal, uma nova crise política e institucional".
Para ele, sem as reformas, o que se observará no curto prazo são apenas paliativos para tentar reanimar a economia. "O cenário que se apresenta é de um governo zumbi, que vai tentar terminar o mandato. E na melhor das hipóteses tentar contornar um pouco a questão das contas públicas". (Com agências)
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Os desafios do sucessor de Mansueto
Bate-pronto com o coordenador do Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas, Gesner Oliveira
Gesner Oliveira - Acho que a saída do Mansueto vem em momento ruim porque já se tem justamente uma apreensão grande em relação às contas dos setor público. As últimas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado são de déficit primário muito elevado, da ordem de mais de R$ 800 bilhões para o Governo Central e de R$ 900 bilhões para o setor público consolidado, o que seria superior a 10% do PIB. É muito elevado para um País que não tem uma boa classificação de risco. E Mansueto Almeida era uma pessoa que, por ser muito comprometida com o equilíbrio das contas públicas, trazia uma boa sinalização para o mercado.
Gesner Oliveira - É importante que o substituto de Mansueto entre afinado não só com o discurso, mas com medidas que apontem para um melhor equilíbrio fiscal das contas públicas. É importante manter essa disciplina, sob pena dos juros voltar a subir, o que seria o pior dos mundos.
Gesner Oliveira - É necessário aprofundar as reformas. A reforma Administrativa é da maior relevância. Se diminuir em 25% a folha do funcionalismo, você já consegue gerar recursos que permitam, por exemplo, arcar com os programas de transferência. Não dá para simplesmente só continuar aumentando os gastos, sem fazer o corte de despesas, até porque a arrecadação também está menor. É preciso também acelerar os programas de privatização que permitam a União e aos Estados ajudar a sanear as contas.
Gesner Oliveira - Na pandemia, houve uma queda forte na arrecadação de ICMS, as transferências constitucionais também diminuíram e apesar da ajuda da União de R$ 60 bilhões, os estados estão gastando muito mais com hospitais de campanha, atendimentos extras ligados ao Covid-19, então, vai ser inevitável também fazer ajustes. È preciso reforma da previdência em muitos estados, reduzir a folha de salários, porque o congelamento dos salários até 2021 é pouco para fazer este equilíbrio. O Brasil não pode se furtar de fazer os ajustes estruturais para retomar a trajetória fiscal porque estávamos no caminho certo, antes da pandemia, mas ainda faltava muito quando veio a trombada na economia.
Gesner Oliveira - Não tem havido harmonia e coordenação entre as esferas do Governo e nem na relação do Executivo com os outros Poderes e os governadores. Algumas coisas estão acontecendo como a suspensão da dívida dos Estados, colaboração entre o Judiciário, Congresso e Executivo para algumas questões, mas há muito ruído institucional e conflitos desnecessários. Então é preciso dar uma velocidade maior às decisões porque a economia está em recessão, prorrogar o auxílio emergencial, apresentar uma resposta clara sobre as fontes de financiamento, mas que não seja aumento de imposto.