O Ceará é o segundo estado do Brasil com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes, com índice de 54, conforme dados de 2018. Apesar do lugar no ranking, o Estado apresentou redução de 10,4% com relação ao ano de 2017, quando a taxa registrada foi de 60,2. O balanço é do Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirma que os números estão reduzindo e cita que em 2019 "o Ceará apresentou redução de 50% nos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), alcançando os melhores resultados da década, e registrando queda consecutiva, já que 2018 também teve diminuição - 12,5% dos casos em relação ao ano anterior".
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Quando se fala na população de jovens, em 2018, o Ceará foi estado com a terceira maior taxa de homicídios (118,4). "O Ceará é um caso de guerras de facções cíclicas. Nos últimos oito anos, a gente vê um padrão de guerra de facções, em que há alta taxa de homicídios, essa taxa cai e volta. Nos últimos anos houve processos de guerra e armistício", afirma Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do Atlas. "A política pública foi incapaz de atuar nesse ponto para evitar a violência e fazer um trabalho de inteligência mais apurado".
Na avaliação de Geovani Jacó, sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da Violência (Covio) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), no cômpito geral, não houve pacificação. "Não significa diminuição de violência na cidade, sobretudo nos territórios disputados pelo crime e por causa da própria intervenção policial", analisa. A falta de uma diminuição consistente fragiliza o discurso oficial de que a redução se deve "a uma mudança estratégica do Estado, seja na política de justiça e encarceramento seja no reordenamento das instituições policiais".
"A gente viu que a política que se dizia exitosa (em relação à redução registrada em 2019) tinha fundamentações muito frágeis. Quando teve a paralisação dos policiais e a pandemia, muito rapidamente os resultados anunciados se diluíram e voltamos a ter uma situação de confronto e intensidade em uma escala extremamente preocupante", relaciona Luiz Fábio Paiva, sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Para Luiz Fábio, o investimento observado em "sistema de vigilância e controle" é insuficiente para atingir "estruturas enraizadas que conseguem se reproduzir independe mente das ações do governo". "Essa atuação de enfrentamento seja pela inteligência ou pela atuação operacional arranha mas não consegue alcançar as condições sociais que geram o problema", diz.
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Isabel Figueiredo classifica como "peculiar" a atuação das facções criminosas no Estado. "É uma característica muito específica do Ceará. Há políticas públicas sendo implementadas, mas por enquanto com limitações. É uma política que ainda precisa ser melhor aprimorada". Ela destaca ainda a falta de uma política de segurança federal mais presente: "Não temos a União assumindo a parte que lhe cabe e essa é a uma falta grave".
De acordo com o documento, a "trégua entre facções é sempre instável e cíclica, o que pode ocasionar novos conflitos a partir de 2020". "É preciso rever todo o sistema de segurança e a política. É impossível pensar em segurança sem pensar em justiça social.
A SSPDS frisa que, "independente de ranqueamentos, mantém ações contínuas para consolidar o quadro de redução dos indicadores de criminalidade, como o investimento em tecnologias, integração entre a pasta e instituições de ensino superior, aquisição de aparato policial, expansão da política de territorialização e o estudo inteligente de dados".
A Secretaria destaca que estudo tem como referência o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e que os números apresentados não são das Secretarias de Segurança Pública das Unidades da Federação nem da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). "Chama a atenção, por exemplo, que o levantamento contabilize os municípios de residência da vítima e não o local onde é registrada a ocorrência", diz em nota.(Colaborou Rubens Rodrigues)