Com os reservatórios das hidrelétricas no Sudeste em níveis muito baixos, em função da pior crise hídrica dos últimos 91 anos, muitas medidas vêm sendo discutidas para tentar evitar um eventual racionamento do sistema elétrico no País. A principal delas, e que já vem sendo adotada pelo Governo Federal, é o uso das termelétricas, com consequente acionamento da bandeira vermelha no patamar 2. O que tem onerado de forma significativa o bolso do consumidor. No Ceará, os gastos com energia subiram 9,71% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE. Mas, diante do potencial eólico e solar que o Brasil - e o Nordeste - tem, investir nessas fontes de energia não seria uma alternativa mais eficiente e barata de tentar resolver o problema?
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Sim e não. Sem dúvida, o potencial de energias renováveis no Brasil é enorme. Somente no Ceará, o potencial identificado pelo Atlas Eólico e Solar cearense pode chegar a 94 GW em parques eólicos onshore (na terra), 117 GW de parques eólicos offshore e 643 GW para projetos fotovoltaicos.
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É bem mais do que a soma de toda capacidade instalada atual do País, que em junho chegou a 166.955 MW de potência, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Desse total, 65% vem das hidrelétricas, 21% das térmicas, 10,50% das eólicas e 1,90% das solares.
Porém, ampliar a quantidade de parques ou expandir a capacidade de produção dos já existentes não seria uma solução viável para resolver essa crise de agora, explica o secretário executivo de energia e telecomunicações do Ceará, Adão Linhares. Primeiro porque não há tempo hábil. Seria preciso realizar leilões, fazer a contratação e o próprio tempo de implantação dos projetos. O certame mais próximo, previsto para o dia 25, prevê, por exemplo, que os novos projetos comecem a operar daqui a quatro anos.
Mas, ele destaca que se não fossem as fontes renováveis a situação seria ainda mais grave. Linhares explica que o risco de desabastecimento existe em função da situação crítica dos reservatórios do Sudeste, que está em 30,8%, e como o sistema é interligado todo mundo pode acabar sendo afetado.
“Mas, no Nordeste, a capacidade está em 61,4%, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Isso ocorre porque aqui é grande a participação das fontes eólicas e solares. Tanto é assim que há três anos o excedente de energia daqui é exportado para as outras regiões. Só o Sudeste recebe hoje mais de 3 GW do excedente do Nordeste. Então, sim, a crise só não é pior porque esse excedente já é utilizado.”
Além disso, o Governo, desde os anos 2000, vem adotando uma estratégia intencional de diversificação da matriz elétrica para reduzir a dependência da hidroeletricidade, uma das principais vulnerabilidades identificadas no racionamento observado em 2001. E, dentre as novas fontes, as que têm tido maior ganho de participação são as eólicas e solares.
“Para que essa dependência das chuvas fosse moderada, adotou-se não só a política de diversificação da matriz, por meio dos leilões de energia, os quais viabilizaram que outras fontes se tornassem bastante competitivas ao longo dos anos, protegendo os interesses do consumidor, mas também uma política de reforço significativo do sistema de transmissão brasileiro, o Sistema Interligado Nacional (SIN) que possibilita que consumidores de um canto do país possam consumir a eletricidade gerada de outro quadrante brasileiro”, informou o Ministério de Minas e Energia.
Foram feitas em quantidade e velocidade suficientes para evitar a situação atual? Na opinião do consultor na área de energia da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço, que também preside a Câmara Setorial de Energias Renováveis do Ceará, talvez não, mas seria muito difícil prever uma crise hídrica deste porte no Sudeste agora.
“É óbvio que se tivéssemos uma quantidade maior de energia eólica e solar o risco agora seria menor. Mas o que foi contratado foi dentro do que os estudos apontavam como razoável para a demanda existente. Contratar mais energia de reserva também implicaria em aumento de custos e parques ociosos.”
Para ele, a principal medida a ser adotada agora é a redução no consumo. Mas também chama atenção para a contribuição que a geração distribuída (quando o consumidor produz a própria energia) pode ter no curto prazo.
“Esse é um mecanismo que não se tinha em 2001, é algo relativamente rápido de se fazer. Talvez o que o Brasil precisava é de um estímulo maior para a geração distribuída, porque quanto mais projetos tivermos, menos energia térmica, que é a mais cara, precisará ser acionada do sistema.”
Novos aumentos na conta de energia vêm por aí
O consumidor já está sentindo no bolso as consequências do acionamento de mais termelétricas. Em junho, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) manteve pelo segundo mês consecutivo a bandeira tarifária vermelha, a mais cara, e elevou o patamar de alerta para o nível 2. Ou seja, para cada 100 kWh consumidos, há uma taxa adicional de R$ 6,243 que incide na conta. E como o período chuvoso só reinicia em novembro, a previsão é de que essa cobrança extra se mantenha até o fim do ano. E com um agravante: ela pode ficar até 21,27% mais cara.
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Isso porque deve ser definida pela Aneel nas próximas semanas a revisão dos adicionais e das faixas de acionamento para as bandeiras tarifárias no período 2021/2022. A consulta pública sobre o tema foi encerrada no último dia 7 de maio, mas, se prevalecer a proposta inicial da Aneel, a bandeira vermelha patamar 2 passaria a custar R$ 7,571 a cada 100 kWh. Alta de 21,27%.
Já o patamar 1 teria reajuste da ordem de 10,31%, passando a custar R$ 4,599 a cada 100 kWh. Por outro lado, haveria redução no valor da bandeira tarifária amarela, que passaria R$ 1,343 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos para R$ 0,996 a cada 100 kWh.
O coordenador do programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, também alerta para os efeitos nocivos que as emendas inseridas na Medida Provisória 1.031, da capitalização da Eletrobras, podem trazer para o consumidor. Dentre outros pontos, a que prevê a contratação compulsória de fontes, como térmicas e pequenas centrais hidrelétricas.
"É um retrocesso sem tamanho, tanto do ponto de vista ambiental, por ser mais poluente, como financeiro ao consumidor. Isso quer dizer que mesmo em momentos em que as condições hídricas forem mais favoráveis e as renováveis estiverem mais baratas vamos ter que desligá-las para gerar energia com térmica porque na lei diz que é obrigatório", afirma Leite.
Ele lembra que hoje a definição de quais fontes devem ser contratadas, em que condições e em que regiões do país é feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pela Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia. "Ou seja, no mínimo, vamos estar inserindo a lógica de acionar as bandeiras tarifárias pelos próximos 20 anos, mesmo sem necessidade".
Sobre as térmicas brasileiras, o especialista chama atenção ainda para outro problema que tem agravado sobremaneira os custos de produção de energia no Brasil. Um levantamento feito pelo Idec identificou que 33 usinas não estariam cumprindo as condições de desempenho estipuladas nos contratos de fornecimento fechados com as distribuidoras.
Ou seja, apesar de estarem recebendo por isso, essas usinas, que somam 6,5 GW médios, não estavam entregando todos os volumes contratados. O que estaria causando um prejuízo estimado em R$ 8,7 bilhões.
Ele explica que a entidade encaminhou correspondência à Aneel alertando sobre o problema e pedindo providências. Os dados também foram encaminhados para a Empresa de Eficiência Energética (EPE) e Tribunal de Contas da União (TCU). "E isso já foi confirmado por outros estudos que já estavam em curso por esses órgãos. É uma situação muito grave porque, sem a energia dessas usinas, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está sendo obrigado a buscar outras térmicas, ainda mais caras, para atender o mercado. E isso, mais uma vez, é arcado pelo consumidor final".