Andréa Machado*, Especial para O POVO
A primeira impressão ao entrar no site da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) é de que se trata de uma instituição ligada ao meio ambiente. Verde predominante no layout, logotipo que até lembra o formato de uma folha e palavras como sustentabilidade e reciclagem em destaque. O que não fica tão óbvio à primeira vista é o próspero mercado que, segundo o Perfil 2020 da associação, produziu 7,3 toneladas de plástico no ano passado, um crescimento de 2,4% em relação a 2019 e o maior quantitativo desde 2015, quando a produção foi de 7,6 toneladas.
O faturamento do segmento também cresceu, com um índice de 5,5%, alcançando a marca de R$ 90,8 bilhões no ano passado. Só a brasileira Braskem, sexta maior petroquímica do mundo – indústria fundamental para a produção de plásticos – encerrou o ano de 2020, em plena pandemia, com R$ 58,5 bilhões de receita líquida. O relatório da empresa informa ainda que o ano passado ficou marcado pelo recorde trimestral de vendas de resinas no mercado brasileiro e aumento de vendas nos Estados Unidos, na Europa e no México, levando a um resultado operacional ajustado de aproximadamente R$ 11 bilhões.
Teoricamente, no entanto, o mundo está mudando e as empresas de plástico e matérias-primas do setor estão comprometidas com práticas sustentáveis. O principal produto da indústria do plástico, aliás, nem é mais o plástico e sim o “transformado plástico”, uma mudança sutil, em consonância com o segmento que adota o discurso da sustentabilidade.
Em setembro, a Abiplast anunciou a “Rede Pela Circularidade do Plástico“, novo nome para o projeto de economia circular da instituição, que antes se chamava “Rede de Cooperação para o Plástico“. “O plástico não precisa acabar, precisa circular”, diz o novo slogan do projeto, que combina muito pouco com a boa fase do segmento. Outra iniciativa foi a parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em 2020, com o objetivo de aprimorar a gestão de resíduos sólidos. A ação inclui projetos de educação e conscientização, como o Movimento Plástico Transforma, realizado em parceria com a Braskem.
Especialistas, entretanto, são unânimes ao afirmar que só a redução do plástico pode ser considerada uma ação sustentável. De acordo com o Atlas do Plástico 2020, publicação da Fundação Heinrich Böll, apenas 1,28% das 11,3 milhões de toneladas de resíduo plástico produzido por ano é de fato reciclada no Brasil. A publicação, que traz informações e números sobre os polímeros sintéticos no Brasil e no mundo, informa que o Brasil tem reciclagem de 145 mil toneladas anuais segundo as informações mais recentes.
Os EUA seguem como campeões de produção de lixo plástico, com 70,782 milhões por ano, mas a taxa de reciclagem é de 34,60%, enquanto esta média no mundo é de, pelo menos, 9%. A publicação também aponta que o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo.
“A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305/10, fala bem claro qual é o caminho: primeiro a não geração, depois a redução, reutilização, reciclagem e tratamento, ou seja, não gerar seria o fundamental. Reciclagem é só a segunda forma mais eficiente, não produzir e não consumir é o ideal“, destaca o coordenador de Programas e Projetos na área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil, Marcelo Montenegro.
Montenegro destaca que uma lei em vigor em toda a União Europeia já baniu o plástico de uso único, que gera maior quantidade de resíduos, como plástico filme, embalagens, talheres e copinhos. Montenegro acredita que uma legislação similar seria o caminho ideal para minimizar o problema do descarte de plástico no Brasil.
De acordo com o jurista ambiental, muitos produtores de plástico no País não levam em conta a cadeia produtiva nem mesmo cumprem a lei, como os fabricantes de embalagens de biscoitos salgadinhos, que, segundo o especialista, é confeccionado a partir de uma combinação de diversos tipos de plásticos não recicláveis.
“Quando se vê este plástico na rua, se culpa o cidadão, o município que deveria ser responsável pela coleta e até o coitado do catador de material reciclado, mas a empresa fabricante não entra neste questionamento e não aparece. Pela lei, a empresa é a responsável por dar fim ao plástico que ela gera e deveria estar respondendo, criando um sistema de coleta deste material e incentivando este processo todo“, observa Montenegro.
De acordo com o Atlas, o verão de 2018/2019 foi o recordista de animais mortos nas praias brasileiras, principalmente por ingestão de plástico. No ranking dos maiores poluidores do oceano por plástico, o Brasil ocupa a 16ª posição, com 2,4 milhões de toneladas descartadas de forma irregular e 7,7 milhões de toneladas despejados em aterros sanitários.
O diretor superintendente da Abiplast, Paulo Teixeira, argumenta que, do total do plástico produzido, cerca de 70% têm ciclo de vida longo ou médio, como canos para construção civil, peças para carros e máquinas, próteses ortopédicas, e, dos 30% restantes, cerca de 2,5% são os chamados descartáveis, como plásticos de uso único.
De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos (RSU) no Brasil 2020, das 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos gerados no País, 72,7 milhões foram coletadas, mas não há atividades de coleta seletiva em diversos municípios brasileiros.
*Esta matéria faz parte da série Contradições do ESG, da Agência Nossa
Ifood firma compromisso para reduzir plásticos, mas outros aplicativos resistem
Em agosto deste ano, o iFood se comprometeu a reduzir a oferta de itens plásticos descartáveis em seus serviços de entrega, assinando o compromisso para a campanha “DeLivreDePlástico”, da ONG Oceana e da Mares Limpos, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Lançada em dezembro de 2020, a iniciativa reivindicava aos aplicativos de entrega de comida a redução da quantidade de plástico descartável que enviam aos consumidores.
De acordo com o documento assinado pelo iFood, as metas de redução estão distribuídas em três fases e a meta é que, até dezembro de 2021, 100% dos restaurantes parceiros terão a opção de não enviar descartáveis. Até 2025, a empresa garantirá que 80% dos pedidos não incluam o envio de guardanapos, talheres, pratos, copos e canudos plásticos. O compromisso inclui, ainda, o desenvolvimento de planos de trabalho com metas de redução para sacolas e embalagens descartáveis até março de 2022 e de inserção de embalagens reutilizáveis até março de 2023.
“Esse foi um primeiro passo, muito importante, porque o Ifood é o maior player da indústria de delivery e tem um papel muito importante nesta transição. Mas o compromisso tem três fases e ainda vamos cobrar o cumprimento das metas, como a redução de embalagens, sacolas e aumento de embalagem retornáveis”, destacou a gerente de Campanhas da Oceana, a engenheira ambiental Lara Iwanicki.
A ONG, no entanto, ainda tenta firmar o mesmo acordo com outros aplicativos. Entre as ações de sustentabilidade, o aplicativo Rappi divulga a integração de um projeto em parceria com a marca de cerveja Corona para a criação do selo Less Plastic, que incentiva restaurantes a reduzirem a quantidade de plástico utilizado. Outra iniciativa da parceria foi a doação, com início em julho, de embalagens feitas a partir de fécula de mandioca, material com tempo de decomposição muito inferior ao plástico, para lojas e restaurantes de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Já a plataforma Uber Eats atua na redução de consumo de descartáveis. Ao selecionar o pedido no aplicativo, o cliente pode escolher se deseja os utensílios e os restaurantes participantes da ação possuem um selo de “restaurante com uso de plástico reduzido”, dentro do App.
“A campanha ‘DeLivreDePlástico’ nasceu durante a pandemia e foi uma resposta ao aumento de consumo e de pedidos de delivery em casa. O consumidor passou a consumir mais em casa, tanto por aplicativo como .por home office e isso aumentou muito a emissão de sacolas, isopor e até de mesmo de embalagens plásticas, como plástico filme, em volta destas do isopor, para evitar o vazamento dos produtos. Os consumidores estavam recebendo pilhas de plástico”, contou Iwanicki.
A gerente ambiental afirma que a própria população está cobrando medidas sustentáveis das empresas e que, em um futuro próximo, quem não se adequar vai perder clientes. Em março, uma pesquisa realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), atendendo a uma solicitação da Oceana e do Pnuma, mostrou que 7 em cada 10 consumidores querem receber seus pedidos sem plástico descartável e que 15% já deixaram de solicitar o serviço por se sentirem incomodados pela quantidade de polímeros enviados junto com a refeição.