O impacto da pandemia sobre o turismo e o aquecimento do mercado imobiliário de luxo vai causar uma mudança no perfil dos edifícios da avenida Beira-Mar, em Fortaleza, tornando-a mais residencial. Após a informação da compra do Ponta Mar Hotel, do Vela e Mar e do Samburá, ao menos três outros empreendimentos estão sendo assediados por construtoras, segundo revela Ivana Bezerra, empresária do ramo e presidente do Convention&Bureau Ceará.
Ela optou por preservar o nome dos hotéis e dos donos, mas assegurou que há os contatos e admitiu temer pelo setor caso os empresários cedam aos valores oferecidos. Para Ivana, a troca de um edifício de hospedagem por um habitacional é uma perda para a economia do Estado, uma vez que o hotel gera mais empregos e impostos do que um condomínio.
Como solução, a empresária reclama mais apoio aos hoteleiros já em atividade no Ceará. “É preciso estímulo, porque só há estímulo para os que chegam, mas aqueles que estão aqui, fazendo o dever de casa, não têm incentivo”, protesta.
O poder de atração de empreendimentos do tipo para o turismo do Estado também é destacado por ela ao reforçar que "temos uma orla que é um atrativo pro turista, e quanto mais opções melhor”. De acordo com ela, mais hotéis significa mais poder de atração e, com mais turistas sendo atraídos, mais todo o trade se beneficia.
Mas sem um fluxo de turistas relevante desde março do ano passado, quando a pandemia de Covid-19 foi deflagrada no Estado, com interrupções indiretas do funcionamento a cada nova onda da pandemia, o setor hoteleiro cearense começou a reagir apenas no segundo semestre de 2021.
Desde as férias - apesar de sem eventos tradicionais como Fortal -, a ocupação vem numa escalada ascendente e chegou a alcançar patamares pré-pandemia em outubro.
“A gente está no prejuízo há quase dois anos, sem muita ajuda do poder público. Aí chega um construtor com uma proposta indecente, que você passaria o resto da vida e não conseguiria ganhar com o que está sendo oferecido pelo hotel”, lamenta, apontando o impacto da crise deflagrada pela pandemia de Covid-19 sobre o setor.
Já Régis Medeiros, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH), diz que a venda dos três hotéis ventilada no mercado ontem “não é muito expressiva para o setor em termos de oferta de leitos”. Ele fala “em uma readequação do mercado” ao mencionar o assédio das construtoras e diz ainda que “há muito zum zum zum de compra”, mas nada confirmado.
“O mercado imobiliário está muito aquecido e os valores dos terrenos estão muito elevados. Isso coloca interrogações nas cabeças dos empreendedores e você vê custo de operação, resultado líquido... Quando se tem a oferta de um recurso bem elevado, porque o terreno é bem valioso, faz as contas para saber se vale a pena. Mas cada um faz suas análises”, arremata.
Do outro lado do balcão, as construtoras avançam sobre as áreas nobres de Fortaleza com a proposta de dotar os espaços de ambientes cada vez mais luxuosos e exclusivos. A avenida Beira-Mar, pela localização estratégica dentro da Capital, e visual único na Cidade, tem sido uma das mais cobiçadas.
A orla de Fortaleza deve ter, nos próximos anos, edifícios residenciais de luxo de mais de 40 andares e 165 metros de altura, como O POVO adiantou no último domingo. São pelo menos oito projetos em andamento com essas características, cujo preço da unidade gira em torno de R$ 1,5 milhão.
E caracteriza uma demanda maior do que a oferta de terrenos na região, por isso a compra de edifícios mais antigos ou mesmo hotéis, como os que falaram ontem e os que ainda estão sendo assediados.
Nossa cidade vai ter um samba, diz sócio-fundador da Normatel
Ao confirmar que o empresário João Ary negociou a compra do Ponta Mar Hotel para virar residencial, Antônio José de Freitas Mello, sócio-fundador da Normatel, diz que a Lei de Outorga tem ajudado a acabar com a retidão das paredes, que tornavam Fortaleza "uma cidade feia".
"Nossa cidade agora vai ter um desenho, vai ter um samba, arranha-céus, vai dançar", diz, ao O POVO.
Ele se refere à alteração na lei de uso e ocupação do solo de Fortaleza, de 2015, do então prefeito Roberto Cláudio (PDT). Mais conhecida como Lei de Outorga Onerosa, ela foi regulamentada na Capital após a lei Federal Estatuto da Cidade, que norteia a Constituição de 1988 em relação à política urbana, criar a outorga de alteração de uso.
Basicamente, o texto permite que os edifícios excedam o limite do coeficiente de aproveitamento básico da área em que serão construídos se a concessão do imóvel for paga em valor monetário para a Prefeitura de Fortaleza. Ou seja, é uma contrapartida ao município para quem construir acima do teto.
A alteração era uma demanda dos empresários da indústria construção civil e facilita a edificação dos arranha-céus. Porém, Régis Medeiros, presidente da ABIH-CE, diz que, embora seja uma facilidade, a compra de hotéis para virar residenciais é um movimento de mercado, que está aquecido.
E a parte de incorporação da Normatel tem alguns projetos neste sentido. Antônio José de Freitas Mello lembra do edifício São Carlos e do Dona Cotinha, ambos na Beira-Mar.
O Dona Cotinha, onde ficava casarão da família Jereissati, terá residencial de 32 andares, mas 26 apartamentos. As obras começaram há pouco mais de três meses e o projeto é assinado pelo escritório Luiz Fiuza Arquitetos.
A poucos metros, ao lado do estacionamento do Ideal Clube, o São Carlos de 36 pavimentos. São 10 vagas de garagem para cada apartamento. E aí virá ainda o de 44 andares, perto do Náutico, no lugar do Ponta Mar Hotel.