Dos 55 auditores fiscais em cargos de chefia na Receita Federal no Ceará, 44 pediram exoneração de seus postos em protesto contra o Governo. No Brasil, esse número chegou ontem a 738, com 93% deles sendo delegados (chefes de unidade). O movimento acontece em meio à insatisfação dos servidores por conta dos cortes no orçamento do órgão. Ontem, a categoria deflagrou greve nacional e todas as áreas serão afetadas, com destaque para as alfândegas, portos e aeroportos, e pontos de fronteira, com maior lentidão nas importações e exportações.
De acordo com informações do Sindifisco, na 3ª Região Fiscal, que compreende Ceará, Maranhão e Piauí, dos 118 cargos de chefia, 80 auditores que ocupavam as funções já pediram exoneração da função. Em todos os casos, a saída do cargo não implica em saída do órgão. O sindicato informa que continua aguardando reunião com o Governo e que ontem foi solicitada audiência com ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), o único a estar essa semana em Brasília, mas até o momento não obteve resposta.
Há três anos tendo o orçamento anual reduzido, a Receita Federal terá em 2022 mais um arrocho orçamentário de 50%. Os cortes atingem principalmente nos investimentos que seriam feitos na área de informatização e tecnologia.
Para a auditora-fiscal e presidente do Sindifisco Ceará, Patrícia Gomes, tamanho corte de orçamento, num órgão essencial para o País, num momento de retomada e em que a arrecadação eficiente se mostra fundamental, pode diminuir a capacidade do próprio estado de se fazer presente na vida das pessoas através de investimentos em políticas públicas.
"Certamente um dos efeitos da paralisação será a redução da arrecadação em tributos federais. Não deve ser imediato, mas com a suspensão da atuação dos auditores, cairá também por conta da redução de recursos no orçamento da Receita", destaca ela.
Os auditores da Receita Federal já adotaram a chamada "operação padrão" nos aeroportos e demais alfândegas do País, o que apesar de não paralisar a atividade considerada essencial, deixaria o serviço mais lento, como forma de pressionar o governo a regulamentar o pagamento de um "bônus de eficiência" à categoria, acordado há pelo menos cinco anos com a categoria e ainda não cumprido.
"O trabalho de fiscalização está sendo suspenso, aprovamos "meta zero" na última assembleia realizada pelos auditores fiscais. Então, até o cumprimento desse acordo e a destinação desses valores à Receita Federal, não vamos retroceder", completa.
Várias categorias do serviço público federal, além dos auditores fiscais, pressionam o Governo Federal por reajuste salarial em 2022. A insatisfação aumentou depois que o presidente da República, Jair Bolsonaro, priorizou destinar R$ 1,7 bilhão para aumento salarial apenas de policiais federais, em um aceno eleitoral no ano em que tentará a reeleição.
No Ceará, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Estado do Ceará (Sintsef-CE), Roberto Luque, afirma que tal ação privilegiando uma só categoria pode ser caracterizada como discriminação. A ideia agora é estudar com as demais categorias ingressarão com medidas judiciais.
“Todos nós estamos sem reajuste salarial desde 2016, aí no último ano de governo Bolsonaro, vem conceder o reajuste somente para policiais. O artigo 60 da Constituição diz que é prerrogativa do Governo conceder reajuste e não permite discriminação entre os servidores civis. Para nós, o presidente comete uma discriminação enorme, desrespeitando um princípio legal”, enfatiza.
O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate), Rudinei Marques, informou que as diversas categorias de servidores federais farão uma assembleia conjunta na próxima quarta-feira, 29, às 10h30, para decidir sobre os próximos passos da mobilização. "Essa crise veio em um momento ruim, com muitos servidores em recesso fora de Brasília. Está difícil articular e encontrar as pessoas. Mas temos uma reunião hoje com as chefias de vários órgãos para medir o grau de insatisfação", afirmou.
Para Marques, o ideal seria que as demais categorias seguissem a Receita Federal e fizessem um movimento em bloco, para evitar uma onda de "perseguições e retaliações" por parte do governo. "Vamos construir esse entendimento nos próximos dias. Não há mesa de negociação instalada, ainda vamos ter que trabalhar para abrir esse canal de comunicação com o governo. Em governos anteriores apresentávamos demandas e recebíamos sim ou não. Agora nem isso", completa.
Na última sexta-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a concessão de reajuste a servidores públicos federais no próximo ano e afirmou que o teto de gastos públicos é "mortal", um problema para o governo. Ele comentou sobre o bônus de eficiência dos auditores e reconheceu as dificuldades orçamentárias.
"A gente não quer furar teto, fazer nenhuma estripulia, mas não custava nada atendê-los", afirmou o presidente, que citou um impacto de aproximadamente R$ 200 milhões com o bônus aos auditores. "Ninguém pode prometer nada se não está no Orçamento. Realmente, o servidor está com dificuldade." (Com Agência Estado)
Agro
Após assembleia realizada ontem, os auditores fiscais federais agropecuários resolveram aderir à operação padrão, "mantendo o ritmo normal de trabalho somente nas atividades que podem afetar diretamente o cidadão, como a liberação de cargas vivas, a fiscalização de bagagens de passageiros e de animais de companhia (pets)." De acordo com o Sindicato, "a operação também não atingirá cargas vivas, produtos perecíveis e o diagnóstico de doenças e pragas, evitando comprometer programas de erradicação e controle de doenças importantes para o Brasil."
CARGAS
O Sindifisco estima que a semana de recesso de fim de ano diminua o impacto da paralisação, pois o volume de cargas nas aduanas é pequeno. Mas em janeiro a tendência é haver um represamento importante, inclusive de importações e exportações de alimentos.
Como será a greve
No encontro telepresencial dos servidores, o informe do Sindifisco é que todos os indicativos propostos pela Direção Nacional foram aprovados de maneira praticamente consensual.
O QUE PARALISA?
Entre as aprovações, estão a meta zero (paralisação total), a operação padrão nas aduanas e a entrega irrestrita de funções e cargos de chefia.
Indicativo 1: A meta zero foi aprovada por 99,13% dos presentes e inclui todos os setores e atividades da Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ressalvadas as decadências e demandas judiciais, até que o governo faça a publicação do decreto de regulamentação do bônus.
Indicativo 2: Com 99,39% de aceitação dos participantes, os auditores-fiscais deverão realizar a entrega ostensiva de todos os cargos em comissão e funções de chefia em todos os níveis hierárquicos na Receita Federal, assim como assumir o compromisso de não ocupar tais posições.
Indicativo 3: Aprovado por 99,36% dos votantes, indica a paralisação de todos os projetos nacionais e regionais do Plano Operacional, bem como determina que todos os Gerentes de Projeto requeiram seu pronto desligamento.
Indicativo 4: Também teve voto expressivo, 97,49%, a deliberação número 4, em que os servidores não efetuarão o preenchimento dos relatórios de atividades (RHAF, FRA, RIT) enquanto não for resolvido o impasse em torno da regulamentação do bônus.
O QUE NÃO PARA?
Indicativo 5: O quinto e último, que contou com 98,68% de adesão, versa sobre operação padrão nos portos, aeroportos e fronteiras terrestres, ressalvados medicamentos e insumos médicos e hospitalares, cargas vivas, perecíveis, bem como aquelas definidas como prioritárias pela legislação vigente, bem como o tráfego de viajantes em trânsito internacional.
Fonte: Sindifisco