A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Combustíveis no Senado que abre caminho para o Governo Federal gastar em 2022 até R$ 17,7 bilhões fora das principais regras de sustentabilidade das contas públicas em vigor. Apelidada de PEC Kamikaze, a proposta, que já tem 31 assinaturas, vem sendo alvo de críticas da própria equipe econômica do Governo e também pela secretária da Fazenda do Ceará (Sefaz), Fernanda Pacobahyba. Para ela, o projeto demonstra "falta de projeto" ou "estratégia" do governo para o problema da carestia no preço dos combustíveis.
A PEC 01/2022 reduz os tributos incidentes sobre os combustíveis, o gás e a energia elétrica. Mas também libera recursos, em ano eleitoral, para criação de um auxílio-diesel para caminhoneiros, um subsídio para as tarifas de ônibus urbanos e a ampliação do vale-gás, excluindo todas essas despesas das amarras fiscais, assim como ocorreu com o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia de covid-19.
O projeto ainda prevê que as despesas furem todas as regras de garantias fiscais, como o teto de gastos, a meta de resultado primário e a regra de ouro.
Pacobahyba ainda lembrou da outra proposta de PEC, essa que tramita na Câmara dos Deputados, que prevê o corte indiscriminado dos impostos sobre os combustíveis. "Todas as duas são bem o espelho do que vemos no Governo Federal, sem projeto e sem estratégia".
"Não conhecemos um país no mundo - dos sérios, que estão entre as grandes democracias - uma medida como essas. É um tiro no pé, pois não temos condições para bancar isso", afirma.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) por não julgar ação que pede Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) único sobre combustíveis.
"Estamos na quinta ou sexta semana consecutiva que cai o preço do álcool, mas na ponta da bomba não cai o preço. Por quê? Governadores não querem perder receita. Como resolver? Temos ação no Supremo. Vamos para o quinto mês que, lamentavelmente, o Supremo não despacha a ação", disse.
Sem sucesso na estratégia jurídica, o governo aposta na PEC para desonerar o combustível e reduzir seu preço na bomba. A medida, rechaçada pela equipe econômica, é defendida pela ala política para atenuar o impacto da inflação na popularidade de Bolsonaro em pleno ano eleitoral.
A proposta foi apresentada pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e foi apelidada pela equipe econômica de "PEC Kamikaze" por promover, além da desoneração do combustível, a criação de auxílios com aumento de gastos para a União em 2022 e 2023. O impacto estimado aos cofres públicos pode chegar a R$ 100 bilhões.
Segundo a Folha de S.Paulo, cálculos internos do governo apontam que uma redução de R$ 0,10 na alíquota de PIS/Cofins sobre diesel gera um impacto de R$ 6 bilhões ao ano nas receitas. A mesma redução para a gasolina teria um custo de R$ 3,8 bilhões ao ano. Para zerar todas as alíquotas, os impactos são estimados em R$ 26 bilhões no caso da gasolina, R$ 20 bilhões para o diesel e R$ 4 bilhões no etanol, segundo cálculos aproximados.
Esse impacto bilionário, desde os impostos federais, mas também impactando os estaduais, é criticado pela titular da Sefaz-CE. Ela diz que a iniciativa tem "fins meramente eleitoreiros", "conduzida pelo Ciro Nogueira (ministro da Casa Civil e grande nome do Centrão)" sem anuência da equipe econômica.
Fernanda entende que isso pode gerar efeitos negativos junto aos investidores. "Os investidores que ainda pretendem investir no Brasil tendem a desacreditar ainda mais na nossa capacidade fiscal. Não tem a menor capacidade de isso ser exitoso".
TRAMITAÇÃO
Até o momento, 31 senadores assinaram a autoria da PEC. O apoio não significa que esses parlamentares votarão favoravelmente ao texto. Normalmente, integrantes do Senado assinam iniciativas de colegas para viabilizar a tramitação, que só começa com 27 assinaturas.
O que diz a PEC do Senado:
A PEC 01/22 permite que a União, estados, o Distrito Federal e os municípios promovam em 2022 e 2023 uma "redução total ou parcial de alíquotas de tributos de sua competência incidentes sobre combustíveis e gás".
Na prática, isso permitiria que o governo federal reduzisse o PIS/Cofins, e os governos estaduais, o ICMS. Isso poderia ser feito sem a obrigatoriedade de uma compensação.
O texto institui ainda um auxílio-diesel para caminhoneiros autônomos, proposta defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, mas em uma proporção maior ao projetado pelo governo. A proposta é de até R$ 1,2 mil por mês para 750 mil motoristas autônomos, criando uma despesa de R$ 10,8 bilhões neste ano.
Também autoriza o governo federal a repassar até R$ 5 bilhões para Estados e municípios aplicarem no transporte coletivo para subsidiar o aumento nas tarifas para os passageiros.
Amplia o valor do Vale-gás de 50% para 100% do preço do botijão. Com isso, o orçamento do programa que hoje é de R$ 1,9 bilhão, precisaria ser dobrado.
Retira as despesas com esses subsídios do teto de gastos (que limita o crescimento à inflação do ano anterior), da meta de resultado primário (receitas menos despesas, exceto o pagamento de juros), que neste ano permite rombo de até R$ 79,3 bilhões, e da regra de ouro (que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes).