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OAB vê irregularidades no contrato de concessão da Enel após alta de tarifa
Economia

OAB vê irregularidades no contrato de concessão da Enel após alta de tarifa

| Investigação | Relatório será levado à votação entre membros da Conselho da Ordem de Advogados dia 28. Um dia antes, o aumento será alvo dos deputados estaduais, via Procon Assembleia
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MEDIDA de compensação já vem sendo adotada desde 2020 (Foto: Thaís Mesquita)
Foto: Thaís Mesquita MEDIDA de compensação já vem sendo adotada desde 2020

A Ordem de Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE) identificou irregularidades no exercício do contrato de concessão da Enel Ceará, segundo revelou com exclusividade ao O POVO, a advogada Claudia Santos, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-CE. A constatação se deu após os advogados se reunirem para estudar o aumento médio de 24,85% na tarifa de energia aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o Estado.

Na próxima quinta-feira, dia 28 de abril, o Conselho da OAB-CE votará relatório que busca fundamentar ações jurídicas contra a distribuidora de energia. "A empresa diz que tem que aplicar os reajustes por causa dos desequilíbrios econômicos e financeiros sofridos na crise hídrica e na pandemia, mas que desequilíbrio se ela teve aumento de inúmeros milhões no lucro do ano passado?", questiona Claudia.

O reajuste anual da tarifa de energia para o Estado foi aprovado no dia 19 de abril, entrou em vigor dois dias depois e já gera aumento, com efeito em cadeia, de até 20% nos preços de alimentos, produtos e serviços no Ceará. O relatório da OAB-CE é composto ainda por apontamentos da Comissão de Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos.

"Ainda que seja um serviço gerenciado por uma empresa privada, isso não afasta a caraterística de uma questão de ser um serviço público essencial e, como tal, a empresa tem por obrigação promover a adequada e eficaz prestação dos serviços", argumenta Claudia ao reforçar que a lei de concessão determina ainda o respeito ao "princípio da modicidade" que exige preços acessíveis aos consumidores.

Assim, ao considerar as recorrentes reclamações e denúncias de consumidores, bem como o elevado patamar de reajuste, Claudia avalia que tal cenário representa irregularidades aos princípios com os quais a Enel se comprometeu na assinatura da concessão no Estado.

"Além de ser inadequado, esse aumento de 25% não é razoável para o consumidor, acima e muito da inflação, muito mais que o dobro. É um aumento abusivo e deverá ser questionados judicialmente já que, claramente, além de não ter justificativa plausível para o aumento, afeta as determinações do contrato de concessão", acrescenta.

Ainda que convicta de sua avaliação, a advogada pontua que somente após a decisão do Conselho é que a OAB poderá entrar com uma ação judicial sobre o tema. Assim, ela reforça importância da articulação, detalhada com exclusividade pelo O POVO no dia 23 de abril, entre sindicatos e associações empresariais que pretendem questionar via Ministério Público e outras frentes jurídicas o reajuste da Enel.

"Isso é bom porque pressiona a Aneel, que deveria fiscalizar a prestação do serviço e não só conceder o reajuste que as distribuidoras querem. A Enel reiteradamente é líder de reclamação ou uma das líderes das denúncias nos órgão de defesa do consumidor", pontua Claudia. A advogada ressalta ainda que em caso de reconhecimento judicial de irregularidades no contrato de concessão, a Enel pode ser obrigada a ressarcir os consumidores.

O reajuste aprovado pela Aneel para a Enel também é alvo do Procon Assembleia. Na próxima quarta-feira, 27, na sala das comissões, um grupo de parlamentares deve se reunir para debater a questão e as possibilidades de tentar reverter o aumento. "Tudo que pode ser feito a nível de assembleia, nós estamos encabeçando um movimento sem exibições ou carnavais, sem prometer mundos e fundos. Porque as assembleias tem uma limitação enorme porque esses atos partem da agência reguladora em Brasília", ponderou Fernando Hugo (Progressistas), presidente do Procon Assembleia.

Em nota ao O POVO, a Enel Distribuição Ceará informa que não foi notificada judicialmente, até o momento, sobre o reajuste tarifário, e que está aberta para o diálogo com todas as entidades. Além disso, frisa que já está agendando uma a uma para esclarecimentos.

Veja a íntegra dos esclarecimentos da Enel Ceará

"A empresa esclarece também que as tarifas são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com base em leis e regulamentos federais e contêm custos que não são de responsabilidade da Enel como: impostos, encargos setoriais, custos de geração e transmissão de energia. Estes valores são arrecadados pela distribuidora e repassados às empresas de geração, transmissão e ao governos federal e estadual (ICMS). Do reajuste anunciado semana passada, cerca de 5% corresponde a parcela destinada à distribuidora para operação, expansão, manutenção e investimentos na rede de energia. A companhia acrescenta ainda que, com o fim da bandeira de escassez hídrica, o efeito do reajuste tarifário anunciado será praticamente nulo para a maior parte dos consumidores.

Durante a pandemia, a agência reguladora postergou repasses para a tarifa que impactaram no reajuste desse ano. O reajuste está impactado, principalmente, por encargos setoriais, aumento da inflação e custos de geração de energia.

Cabe esclarecer que a Enel Ceará vem investindo constantemente na melhoria da qualidade do fornecimento e na modernização da rede de distribuição do Estado. Nos últimos 10 anos, a empresa investiu um total de R$ 6,4 bilhões, montante superior ao lucro acumulado no mesmo período. A empresa ressalta ainda que o lucro em 2021 está impactado por uma questão contábil: a atualização monetária do ativo indenizável (valor a ser indenizado à companhia após o fim do contrato de concessão) em decorrência do aumento da inflação. Esse fator impacta positivamente o resultado da companhia, mas não reflete na geração de caixa da distribuidora. Em 2021, a Enel Ceará investiu R$ 1 bilhão, praticamente o dobro do lucro registrado no mesmo período.

Esse investimento já contribuiu com a melhora dos indicadores de qualidade. Só no ano passado, a duração média das interrupções no fornecimento de energia (DEC) apresentou uma queda de 27,2% em relação ao registrado no mesmo período do ano anterior. Já a frequência das interrupções (FEC), ou número de vezes em que o cliente ficou sem energia, apresentou uma redução de 18,7%. As melhorias observadas são resultantes de um plano de ação estabelecido em conjunto com o regulador, que tem como objetivo diminuir as incidências nas redes de média e baixa tensão."

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Aumento acima da média deve acontecer nos próximos cinco anos

O reajuste da tarifa de energia que chocou todo o Ceará e manifestou revolta dos usuários, políticos e entidades de defesa do consumidor deve ter similares nos próximos cinco anos, pelo menos, segundo avalia Ricardo Costa, secretário de Assuntos Técnicos do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) e conselheiro da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD).

Ele participou do evento "Energia em pauta", promovido pelo Sindienergia Ceará na noite de ontem, quando analisou os "desafios e modernização do setor elétrico" e comentou que a necessidade de maior contratação de energia deve acentuar a cobrança sobre os consumidores.

"A gente está vendo o crescimento das contas. A variação, desde 2015 a 2021, foi de 64% contra o IPCA foi que de 37%. Estamos vendo aqui, no Estado, uma variação média de 25% da Enel Ceará e com a inflação de 10%, certo? O problema é que isso vai continuar acontecendo nos próximos cinco anos, essa majoração acima da inflação a níveis altos."

Ele assegurou que "tudo que poderia ser feito, foi feito" para resolver a crise hídrica e projetou para os próximos anos as chances de planejar melhor o setor na tentativa de gerar menos custos aos consumidores a partir do acionamento de fontes de energias mais baratas.

"A crise hídrica que nós tivemos no ano passado gerou ensinamentos e um deles foi o custo. Eu já vi estimativa variando de R$ 30 bilhões a R$ 140 bilhões. Isso tem um custo pra sociedade brasileira. Por que não se investe mais na diversificação da matriz?", comentou Joaquim Rolim, presidente da Câmara Setorial de Energia.(Armando de Oliveira Lima)

 

Retroceder alta é difícil

Não existir um aumento, eu não vejo como crível, mas como foi um aumento muito significativo em um momento em que estamos saindo de uma crise sanitária... Talvez seja vista a possibilidade de parcelar este aumento. A maior possibilidade é algo que a Aneel já fez no passado, que é parcelar o aumento ao longo do ano. Agora, não existir, eu não consigo enxergar como crível.

Mas é importante a gente observar o passado, como faz o ajuste tarifário. O que aconteceu? No Brasil como um todo, em 2021, o custo da energia foi caro. Foi um ano de crise hídrica e o custo de geração de energia foi alto. A bandeira tarifária especial não conseguiu cobrir todo o custo da operação em 2021 e começo de 2022. Ainda há uma parcela para pagar.

Além disso, o consumidor vai começar a pagar a partir de agora os contratos de 8 gigawatts de térmicas feitas, que o Governo Federal decidiu contratar. Esse leilão aconteceu em outubro do ano passado, já no finzinho da crise, e isso custou muito caro. As térmicas devem começar a gerar em maio com contratos de três anos e meio.

Isso vai significar, pelo menos, R$ 40 bilhões. No ano passado, só um encargo que serviu para pagar o custo extra das térmicas foram R$ 6 bilhões. Então, a gente já tem uma dívida contratada para os consumidores pagarem. É muita coisa e contribui para elevar o reajuste da tarifa.

 

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Relatório será levado à votação entre membros da Conselho da Ordem de Advogados dia 28. Um dia antes, o aumento será alvo dos deputados estaduais, via Procon Assembleia

 

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