A possibilidade de mudanças nas diretrizes da Lei das Estatais iniciou nova queda de braço entre a ala ideológica do governo Bolsonaro e a equipe econômica liderada por Paulo Guedes. Analistas alertam, porém, que, apesar de mirar na troca de comando da Petrobras, a medida, pode respingar nos planos do Brasil de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE).
Com a MP, Bolsonaro e seus aliados no Congresso pretendem flexibilizar as regras e ampliar a ingerência do Palácio do Planalto sobre a política de preços para combustíveis adotada pela estatal.
Porém, segundo analistas ouvidos pelo O POVO, ao reabrir a possibilidade de indicações políticas nas estatais e empresas de capital misto, o efeito será mais amplo. Não só na União, mas também para estados, Distrito Federal e municípios.
Também seria danoso para as pretensões do Brasil de entrada da OCDE para ampliação de relações comerciais, já que o fortalecimento de medidas de compliance em empresas públicas e de capital misto são exigências básicas da cúpula, também conhecida como o "clube dos países ricos".
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"É uma situação que o mercado vê com péssimos olhos. A lei veio para trazer mais profissionalismo e governança corporativa, diminuindo medidas politiqueiras nas empresas públicas. A lei veio proteger os acionistas minoritários, trazendo melhor compliance", explica o conselheiro de administração da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Brasil), Ricardo Coimbra.
Ele acrescenta que é preciso ter líderes com experiência de atuação em grandes empresas nessas estatais. "Voltar ao que era antes deve gerar riscos e incertezas."
A carta-convite do conselho da OCDE, que formaliza o início do processo de entrada do Brasil ao grupo, foi enviada em janeiro deste ano. Em 10 de junho, o Conselho da OCDE aprovou o roadmap (roteiro) brasileiro. A decisão foi em nível ministerial e apenas pode ir adiante quando é determinada por consenso. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil já aderiu a 112 dos 257 instrumentos da OCDE.
Na Câmara, porém, a ideia de uma MP vem ganhando força. Ontem, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que pode haver acordo com a oposição para mudanças na Lei das Estatais, já que, na avaliação dela, as regras atuais "criminalizam" a política ao impedir que líderes partidários sejam indicados diretores de empresas públicas.
Na véspera, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), também ponderou que é preciso conciliar as "amarras" impostas por regras de compliance com um desempenho "mais efetivo" do objetivo social que estatais devem ter.
A proposta, contudo, enfrenta resistência na própria equipe econômica do Governo, por entender a medida como arriscada em relação ao loteamento de empresas públicas.
O principal objetivo da Lei das Estatais, aprovada em 2016 na gestão Michel Temer, era profissionalizar a administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, como é o caso da Petrobras. Naquele momento, a companhia sofria os diversos reveses de gerência e no mercado após as revelações da operação Lava-Jato.
Na prática, a Lei das Estatais afastou indicações políticas e diminuiu o poder do governo de pressionar e interferir nas decisões dessas empresas. "É isso o que está incomodando a atual gestão", avalia Antonio Carlos de Freitas Júnior, especialista em Direito Público e Constitucional.
O advogado pondera sobre o risco de haver um retrocesso nas regras, abrindo novamente a porta das estatais para todo tipo de nomeação sem nenhum critério profissional. "Na verdade, a título de aprimorar a lei, o que sempre é válido, corre-se o grande risco de desnaturá-la, desvirtuá-la e praticamente nulificá-la. Se a pretensão for permitir a ingerência política nessas empresas, a própria lei perde sentido."
Ao O Globo, o ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Valdir Simão, lembrou que os vários escândalos de corrupção no comando de estatais nos últimos anos motivou a aprovação da Lei das Estatais.
Simão ainda destaca que fazer uma alteração dessas proporções é perigoso, principalmente pelo fato do governo não estar analisando o potencial impacto geral, mas vendo só a situação da Petrobras.
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O QUE PREVÊ A LEI DAS ESTATAIS
Para trocar o comando de estatais é necessário análise do nome indicado. É preciso cumprir uma série de requisitos e competências técnicas e de experiências comprovadas anteriores. Esse é o ponto de insatisfação do presidente. As atuais regras dificultariam Bolsonaro emplacar o seu indicado ao comando da Petrobras, Caio Paes de Andrade.
EX-PRESIDENTE
O ex-presidente Michel Temer (MDB) saiu em defesa da Lei das Estatais, promulgada em seu governo e hoje sob ameaça de mudanças na gestão Bolsonaro, com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira. "Estejam certos, se houver retrocesso, a cobrança virá", afirmou em nota.
Alívio previsto para as contas públicas será revisto após aprovação de medidas para os combustíveis, aponta Bradesco
Ontem, o Bradesco distribuiu relatório aos clientes analisando a situação fiscal do País. As economistas Mariana Freitas e Myriã Bast entendem que a aprovação de medidas relativas aos combustíveis prejudicam o quadro de recuperação das contas públicas. "O PLP-18, que limita as alíquotas de ICMS sobre energia, combustíveis, telecomunicações e transporte coletivo, pode levar a uma perda de receita na ordem de 1% do PIB, de forma permanente, para os Estados e municípios".
Para as economistas, ainda que os entes regionais façam algum ajuste em suas despesas, é pouco provável que o superávit que atravessam neste momento não evolua para déficit no médio prazo. Além disso, o governo central deve ter uma perda na ordem de R$ 17 bilhões em 2022, decorrente da isenção do PIS/Cofins para gasolina e etanol. Essa renúncia pode chegar a R$ 46 bilhões, se aprovada a PEC-16, que permite desoneração do ICMS do diesel e gás de cozinha com compensação da União.
Cade
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou ontem a compra de 51% do capital da Gaspetro, pertencente à Petrobras, pela Compass, empresa do grupo Cosan. O negócio foi aprovado sem restrições