O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e a plataforma de direitos humanos Dhesca Brasil desembarcam no Ceará na próxima semana, entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro, para averiguar eventuais violações de direitos humanos decorrentes do projeto de exploração mineral de urânio e fosfato em Santa Quitéria.
Também foi solicitada audiência com a governadora do estado, Izolda Cela, e com representantes do Poder Legislativo.
A programação prevê a visita à área do empreendimento, na Fazenda Itataia, município de Santa Quitéria, noroeste cearense. Integrantes da missão também vão realizar a oitiva de povos e comunidades tradicionais atingidos pelo projeto, a ser realizada no Assentamento Morrinhos.
Com investimento estimado em R$ 2,3 bilhões, o empreendimento prevê a exploração de 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio, que será utilizado como matéria-prima para fabricação de combustível para geração de energia termonuclear.
Além de uma produção anual de cerca de 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para atendimento da agropecuária das regiões Norte e Nordeste.
O projeto aguarda liberação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Porém, em maio deste ano, a mesa diretora do CNDH recebeu representantes do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) que denunciaram a aprovação de empreendimento voltado à exploração de urânio e fosfato a céu aberto e por meio de explosões.
As denúncias do MAM apontou o risco de grave ameaça aos direitos humanos e socioambientais no Ceará devido ao impacto no açude Edson Queiroz, às pilhas de rejeitos e aos potenciais riscos para a saúde humana e ambiental.
Segundo a entidade, o empreendimento pode atingir 156 comunidades rurais, 30 territórios de povos e comunidades tradicionais e cinco etnias indígenas, com impacto em 4.2 milhões de pessoas potencialmente atingidas (direta e indiretamente).
No mês seguinte, em junho, o CNDH expediu a Recomendação nº 20 de 2022, na qual recomenda ao Ibama a suspensão do licenciamento ambiental do projeto Santa Quitéria devido à inobservância do procedimento de consulta e consentimento prévio, livre, informado e de boa-fé aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetados, impactados ou atingidos, conforme determinação da Convenção nº 169 da OIT da qual o Brasil é signatário.
Além disso, o conselho apontou, dentre outras irregularidades, que não foi verificada a existência de autorização ou licença prévia para o licenciamento nuclear na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e que informações referentes às questões hídricas e nucleares encontram-se ausentes do Estudo de Impactos Ambientais e do Relatório de Impactos ao Meio Ambiente, e, portanto, do material utilizado para as audiências públicas realizadas pela empresa em junho deste ano.
“A INB já recebeu pelo menos 11 autos de infração entre 2009 e 2022 pelo Ibama por violações da legislação ambiental, sobretudo na mina de Caetité (8 autuações), com multas que, somadas, chegam a R$ 6,9 milhões, conforme consulta realizada pela Plataforma Dhesca no sistema do Ibama”, informa o CNDH.
Participam da missão pelo CNDH no Ceará os conselheiros Carlos Vilhena e Everaldo Patriota, a conselheira Virginia Berriel e a assessora técnica Ana Cláudia Macedo. Pela Plataforma Dhesca, participa Guilherme Zagallo.
A agenda prevê ainda a realização de uma audiência pública em Fortaleza e uma reunião de avaliação dos integrantes da missão, no último dia, com definição da estrutura do relatório a ser elaborado para a sociedade.
Em nota ao O POVO, o Consórcio Santa Quitéria informa que, ao longo do processo de licenciamento ambiental, tem apresentado e discutido o Projeto Santa Quitéria abertamente com representantes da sociedade civil de diversas localidades. Como parte desse processo, também foram realizadas audiências públicas em Santa Quitéria, Itatira e Canindé nos dias 7, 8 e 9 de junho – respectivamente. As audiências foram consideradas válidas pelo Ibama.
“Além disso, as solicitações e manifestações são avaliadas e respondidas pelo Ibama no processo público de licenciamento ambiental. Durante os meses de abril e maio de 2022 também foram realizadas reuniões com cerca de 400 pessoas, visando apresentar o projeto, os estudos ambientais realizados e demais informações relevantes de acordo com o público”
Também reforça que o Ibama jamais negou o licenciamento do Projeto Santa Quitéria. Mas, solicitou a inclusão de mais estudos sobre o empreendimento. Em razão disso, a direção do empreendimento desenvolveu uma nova rota de concentração mineral, mais eficiente e ambientalmente mais segura. “Dentre os pontos mais relevantes das modificações estão: maior eficiência no aproveitamento do minério; eliminação da necessidade de barragem de rejeitos; redução no consumo de água; e aumento de eficiência energética com geração própria de energia na fase de operação do empreendimento.”
O Consórcio também informa que, oficialmente, não há terras indígenas homologadas ou comunidades quilombolas na área do projeto, conforme diagnóstico apresentado no Estudo de Impacto Ambiental do projeto, com base em informações da Funai, do Incra e da Fundação Palmares. “Mesmo assim, a cultura e tradições dos mais diferentes grupos locais serão sempre respeitadas pelo Consórcio Santa Quitéria, que fará o controle e a gestão do projeto de forma a evitar efeitos sobre as comunidades indígenas ou quilombolas, principalmente em razão da distância entre o projeto e essas áreas.”
Em relação ao uso da água, dentre outros pontos, o Consórcio informa que "não haverá contaminação das águas subterrâneas e superficiais por conta das atividades do Projeto Santa Quitéria. No projeto, não são previstas liberações de líquidos ou quaisquer efluentes das instalações. Todos os líquidos e efluentes serão constantemente reciclados no processo produtivo em circuito fechado. Haverá diversos controles e monitoramentos para assegurar que não haja infiltração de líquidos no subsolo, garantindo assim a preservação da qualidade das águas nas bacias hidrográficas do entorno do empreendimento"