A administradora do Aeroporto Internacional Pinto Martins, Fraport, é multada em R$ 1.229.304,08 por "práticas abusivas" ao cobrar R$ 20 por mais de 10 minutos no meio-fio de embarque e desembarque do equipamento em Fortaleza. Ainda cabe recurso da decisão.
A sanção da 132ª Promotoria de Justiça de Fortaleza foi publicada pelo Ministério Público do Estado (MPCE), e é assinada por Ana Beatriz Pereira de Oliveira e Lima, promotora de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado do Ceará (Decon-CE).
No ato de fiscalização do órgão no local, o próprio carro do Decon-CE pagou R$ 20 para sair do local, por ter excedido tempo de 10 minutos no meio-fio.
Além disso órgão constatou que somente é permitido pagamento no cartão de crédito ou débito.
"Não é disponibilizado ao consumidor a opção de pagamento em moeda nacional, ou mesmo por Pix, tendo necessariamente que o consumidor ao chegar ao terminal eletrônico de saída dispor de um cartão eletrônico de débito ou crédito. É uma prática abusiva, coercitiva e e gravosa", sublinha a promotora.
Em resposta ao O POVO sobre a decisão do Decon Ceará, a Fraport Brasil diz que acredita na legalidade do projeto e está respaldada por decisão judicial. "Adotaremos todas as medidas legais cabíveis", finaliza.
Procurada pelo O POVO, Cláudia Santos, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), diz que a decisão proferida pelo Ministério Público Estadual, através do Decon, corrobora com todo entendimento de abusividade e ilegalidade da cobrança instituída pela Fraport.
Inclusive ela lembra que a prática é combatida pela Comissão de Defesa do Consumidor na Ação Civil Pública que tramita na 10ª vara federal no Ceará.
"Com isso, o Ministério Público Estadual, Decon, demonstra de forma brilhante sua função precípua de proteger a aplicação da lei e promover a fiscalização frente a patentes abusos instituídos por quem quer que seja", frisa.
Complementa ainda que a Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-CE parabeniza a atuação do MPCE.
"Iremos continuar na luta para destituir completamente a cobrança abusiva realizada pela Fraport, pela implantação do projeto Sésamo", acrescenta.
Sobre a decisão do órgão, Cláudia sinaliza ao O POVO que outro trecho que chama atenção na decisão é que o próprio ticket referente ao meio-fio sai com a descrição de estacionamento. "É notório o caráter arrecadatório", assinala.
Para aplicar a sanção, o Decon considerou a natureza da infração e a condição econômica da Fraport.
Na decisão, justifica que a empresa é de grande/médio porte (multinacional), sociedade anônima de capital fechado, com faturamento bruto em média de R$ 12.000.000, tendo a pena fixada conforme tabela.
Diante dos fatos expostos, estabeleceu como multa definitiva 223.824 de Unidade Fiscal de Referência do Ceará (Ufirce).
Atualmente, o valor da unidade é de RS 5,49228. Como o recolhimento da multa deverá ter seu valor convertido em moeda nacional, com a atualização monetária correspondente, o resultado da aplicação se deu em R$ 1.229.304,08.
Assim, a Fraport Brasil S.A deverá recolher este montante ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Ceará como forma de sanção pelas "condutas lesivas às normas de tutela consumerista", conforme frisa a promotora Ana Beatriz na decisão.
Ela ainda determinou a notificação da empresa reclamada para tomar ciência desta decisão e, caso queira, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação, apresentar recurso com as respectivas razões.
Caso pague à vista, o Decon determina que se aplique o benefício do art. 23-A da Lei Complementar n° 30/2002, reduzindo em 30% o valor da multa. Para isso, a concessionária deve informar o interesse no pagamento no mesmo prazo de 10 dias após ciência da decisão.
Após o trânsito em julgado desta decisão, será realizada a inscrição da Fraport no cadastro de Fornecedores do Procon Estadual, nos termos do caput do artigo 44 da Lei 8078/90 e inciso II do artigo 58 do Decreto nº 2.181/97.
Segundo o Decon, a cobrança é indevida quando não há contraprestação de serviço. No caso, por exemplo, para fins de uso do tráfego aéreo, o usuário já paga taxa de embarque.
Além disso, o órgão frisa que a cobrança de R$ 20 pelo excedente de 10 minutos no meio-fio não atende aos critérios de adequação, segurança e eficiência do serviço, imposto pela concessão pública que a Fraport detém do Aeroporto de Fortaleza.
"Mesmo com a tarifação as filas duplas permanecem e os consumidores se arriscam entre os veículos para chegar á plataforma de embarque", diz a promotora.
Portanto, o MPCE considera que além de o serviço não atender aos critérios de adequação, segurança e eficiência, não atende ao princípio da modicidade tarifária nos termos da Lei nº 8997/95, "patente a abusividade da cobrança."
"A cobrança tarifária é abusiva e onerosa, por exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva com limitação de acesso a espaço público do qual se têm à concessão para prestação de serviço público", acrescenta a promotora.
Ela destaca também que diante da situação a Fraport obriga o consumidor a usar o estacionamento do local, "o que revela a abusividade do artigo 39, I do Código de Defesa do Consumidor (CDC)."
Portanto, em não pagando R$ 19 a hora/fração no estacionamento, o cliente será "compulsoriamente compelido a pagar R$ 20 por mais de 10 minutos no meio-fio."
Ou seja, em termos proporcionais, a magistrada frisa o preço seis vezes maior, considerando tempo e valor, se o contribuinte exceder os "exíguos 10 minutos" entre cancela de entrada/saída.
Outro ponto levantado é a venda casada. Isso porque o Decon destaca que o estacionamento do Aeroporto Internacional Pinto Martins é administrado pela "ParaBem Estacionamento", sendo que é a mesma empresa que cobra o ticket pelo meio-fio.
"Some-se a isso, que constatou-se o chamado excesso de permanência ocorre não por conduta volitiva do usuário, mas decorrente do congestionamento próprio da atividade de embarque/desembarque, com fluxo intenso de veículos (particulares, transportes individual de passageiros, táxi, carros por aplicativos, vans e similares no transporte corporativo), o que atrai a tarifação em valor exorbitante – R$ 20 para carro particular, R$ 40 para veículo maior - até para os padrões do estacionamento do próprio aeroporto que hoje têm tarifa a partir de R$ 19 a hora", detalha Ana Beatriz.
Embora ela reconheça que não se permite estacionar no meio-fio da plataforma de embarque/desembarque de passageiros, o ideal é que eventual excesso ou infração devá ser fiscalizado pelo órgão de trânsito.
A interpretação da magistrada é que não há autorização legal para a concessionária de serviço público fazer as vezes de órgão fiscalizador na eventualidade do motorista permanecer no local, a exceção de veículos credenciados pela concessionária.
Destaca ainda que cabe à Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) exercer a fiscalização no espaço, conforme Resolução Contran 482/2014 .
Segundo a promotora, inclusive, o próprio órgão de trânsito já informou, em audiência pública gravada, que no local do meio-fio do aeroporto não há espaço físico suficiente para acomodar os veículos nos horários de pico, decorrendo daí filas duplas e congestionamento de veículos no local.
"Causa estranheza que a concessionária alegue que a cobrança da tarifa tem como finalidade atender o contrato de concessão prestando um serviço de qualidade ao usuário o aeroporto, quando sequer fora cogitado que o fluxo de veículo no meio-fio não se dá pela uso indevido do espaço pelo motorista, mas, sim pela ausência de espaço físico adequado para acomodar o volume de veículos que tentam acessar a área pública da plataforma de embarque, gerando riscos e inseguranças nos consumidores, que se precipitam entre as filas de veículos na via pública para embarcar ou desembarcar", pontua.
Sobre o tempo teste de 60 dias que a Fraport teve para testar a cobrança de R$ 20 no meio-fio, o Decon alertou que constatou que não é disponibilizado ao consumidor a opção de pagamento em moeda nacional, ou mesmo por Pix, tendo necessariamente que o consumidor ao chegar ao terminal eletrônico de saída dispor de um cartão eletrônico de débito ou crédito.
"Não se pode impor condição mais onerosa ao consumidor, qual seja, utilizar o estacionamento parar o veículo e procurar guichê de pagamento dentro do aeroporto, posto que, não tem cabine de pagamento com atendimento ao usuário na cancela de saída."
O Decon considerou infrigidos os dispositivos do art. 6º, inciso IV(in fine) c/c. art. 39, inciso I, IV, X, art. 51, IV todos do CDC), art. 6º § 1º, da Lei nº 8987/95
Para averiguar os fatos, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, por portaria, instaurou processo administrativo.
Informa que verificou infrações ainda nos seguintes dispositivos art. 4º, I, art. 6º, III, e IV, art. 39, V, X, XII.
E além do processo administrativo, para fins de se buscar a tutela judicial da suspensão da cobrança, instaurou também Inquérito Civil Público para fins de judicializar a demanda na perspectiva de responsabilização civil da concessionária.
Na defesa apresentada ao Decon Ceará, a Fraport argumenta que tem atribuição para estabelecer a tarifa dada á concessão pública e que Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) "valida integralmente" o projeto a ser implantado no Aeroporto Internacional de Fortaleza.
Frisa ainda que a Constituição Federal, em seus artigos 21 e 22, atribuiu competência privativa à União para a exploração, direta ou indireta, sobre infraestrutura aeroportuária, bem como para legislar, privativamente, sobre direito aeronáutico.
"Destaque-se que a principal fonte de direito aeronáutico é o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), aprovado pela Lei nº 7.565, de 1986, complementado pela Lei nº 11.182, de 2005, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e as normas supervenientes editadas pela Anac e Comando da Aeronáutica (Comaer)."
Diz ainda que a implementação do “Projeto Sésamo”, que foi para teste da cobrança de R$ 20 no meio-fio por 60 dias, mas que continua a ocorrer até decisão judicial em contrário, tem arrimo na própria essência da concessão, que se traduz na obrigação da Fraport de fornecer um serviço adequado e eficiente.
"A norma de regência do regime de concessão (Lei nº 8.987/95), por exemplo, determina que a concessionária está obrigada a permanentemente adequar o serviço público que gere, para que seja constantemente aperfeiçoado e mantenha sua eficiência", justifica a Fraport.