Você sabe o que tem na cesta básica brasileira? Além do arroz, feijão, óleo, farinha e açúcar, muitos outros itens são considerados “básicos” quando o quesito é desoneração fiscal. A lista, além dos itens imaginados, representa R$ 34,7 bilhões em perda e arrecadação, segundo calcula o deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT/CE).
No País, além da renúncia fiscal de PIS/Cofins (impostos federais), cada estado tem as suas particularidades quando o assunto é cesta básica e isso pode se tornar uma briga a mais na Reforma Tributária que está tramitando no Senado Federal.
Ao todo, segundo o deputado, seriam 1.340 itens se fossem somados os produtos de todos os estados que recebem também desoneração de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Nesta lista, de alimentos exóticos e tradicionalmente caros, encontramos salmão - que no Ceará custa em média R$ 115 o quilo (kg), bacalhau (com preços de variam de R$ 59 a R$ 143 o kg), queijo do reino (de R$ 87 a R$ 150) e queijo provolone (com uma média de R$ 90), além de ovas de peixe (que dependendo pode custar R$ 70 menos de 100 gramas), alcachofras (média de R$ 40 a unidade), cogumelos (de R$ 90 a mais de R$ 250 o kg) e tâmaras (média de R$ 130 o kg).
Mas não é só de comida que se faz a cesta básica dos estados e, além dos tradicionais produtos de limpeza e higiene pessoal, no Ceará, capacete e tijolo também figuram na lista de produtos com isenções fiscais.
Por conta disso, dentro das negociações da reforma tributária está o enxugamento da cesta básica, a tornando única, com poucos produtos e com a finalidade de desonerar as famílias de baixa renda.
O tema ainda terá de ser decidido por lei complementar, mas negociações já estão sendo feitas nos bastidores e produtores e importadores de produtos fazem pressão para que não se mexa na lista. Porém, as isenções que são aplicadas atualmente, por meio de leis de 2004 e 2013, resultam em perda de receita para o Estado, e, ao mesmo tempo, não significa redução de preço para o consumidor.
"Na terça-feira eu vou denunciar isso no Congresso, que a cesta básica atual possui 1.340 itens, porque isso ninguém sabe. Isso significa, eu eu vou dar o número exato, R$ 34,7 bilhões que o Estado deixa de arrecadar”, afirma o deputado Mauro Filho.
Ele destaca que a criação da nova cesta básica é fundamental para a reforma tributária. “Vamos criar uma outra cesta básica com 60, 70, 80 produtos, e, com isso, vamos baixar essas isenções para até R$ 4 bilhões, retornando R$ 30 bilhões para os cofres públicos, que poderão ser utilizados como investimentos.”
De qualquer forma, aqui vale lembrar que todos os brasileiros, independente da classe social e poder de compra, são beneficiados com as isenções atuais. Pensando nisso e na equidade social, há uma proposta que também faz parte da reforma tributária, que prevê uma espécie de retorno de valores, chamado de “cashback”, para as famílias de baixa renda, de parte dos impostos pagos.
Também regulamentada por lei complementar, a iniciativa pode seguir como modelo o programa Devolve ICMS do Rio Grande do Sul - que prevê devolução de R$ 400 anuais, pagos em quatro parcelas de R$ 100, uma a cada trimestre -, mas ainda provoca divergências entre os políticos do País.
O deputado do Ceará provoca dizendo que, se aprovado desta forma, “o Brasil vai ser o único país do mundo onde o pobre vai ter que ter capital de giro, pagando na frente para receber parte depois”.
“Isso não existe. A minha proposta é que no ato da compra, a pessoa informe o seu CPF e fazendo parte do CadÚnico, esse retorno seja automático, na hora. Ou seja, a pessoa não tem o imposto, ou parte dele, cobrado já no ato da compra”, reforça Mauro Filho.
Renúncia fiscal como braço de política econômica
Para Marcelo Lettieri, vice-presidente do Sindifisco Nacional pela Delegacia Sindical do Ceará (DS Ceará), é importante lembrar que, quando se fala de desoneração fiscal, na verdade, está se falando de renúncia fiscal e essas são inúmeras no País.
Ele comenta que só o Governo Federal, na proposta orçamentária para 2023, teve mais de R$ 400 bilhões em renúncias fiscais e aqui inclui a desoneração da cesta básica.
Em 2023, só a contribuição para a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é de R$ 113,5 bilhões. "É 25% de toda a desoneração federal e aqui a gente tem, além da cesta básica, defensivos agrícolas, aerogeradores, biodiesel, cadeira de rodas, embarcações, aeronaves, gás natural, diversos produtos esportivos, diversos produtos de uso médico e hospitalar, entre outros tantos."
Lettieri explica que o fato de se ter muitos produtos compondo a cesta básica também se deve a lei de desoneração ser muito genérica. "No caso do presunto de Parma, é minimamente processado e é de carne suína. Então, ele acaba se enquadrando na regra, mesmo tendo um preço inacessível para muitos brasileiros."
O vice-presidente do Sindifisco Nacional reforça, contudo, que as renúncias fiscais são um instrumento de política econômica que serve para incentivar alguns setores produtivos, reduzir o preço de produtos básicos da população de baixa renda, como é o caso da tentativa de se desonerar alimentos e remédios, por exemplo.
"Não se deve demonizar a prática, o que precisa ser feito é um controle, uma revisão periódica, um estudo se a desoneração surtiu o efeito esperado e se não está sendo usada como aumento de lucro para os produtores", observa Lettieri.
Sobre a proposta de cashback, ele ressalta que vai depender da lei complementar para regulamentar, mas que ele não vê como uma devolução do imposto pago para os mais pobres, mas sim um adicional no programa Bolsa Família.
"Isso vai acabar sobrecarregando ainda mais a classe média, já que até quem ganha pouco mais de um salário mínimo não vai receber o cashback e isso acaba escondendo um problema que a gente tem no nosso sistema que é de tributar muito o consumo, ao invés de tributarmos patrimônio e renda", analisa.
Isentos
Salmão, presunto de parma e outros itens, como capacete, compõem a extensa lista da cesta básica com desoneração fiscal
CRC debate detalhes da reforma em seminário
A simultaneidade de dois modelos tributários, previstos a partir de 2026 no período de transição estabelecido na Reforma Tributária, será alvo, entre outros detalhes do projeto, de debate pelo Conselho Regional de Contabilidade do Ceará (CRC) no próximo dia 25.
"Durante o período de transição, que se iniciará em 2026 e terminará em 2032, as empresas terão que conviver com dois modelos tributários. Com uma carga tributária já elevada e o sistema tributário conhecido por sua burocracia, a quantidade de obrigações e o tempo gasto pelo contribuinte para cumprir seus deveres junto ao fisco devem se intensificar durante esse período", analisa Fellipe Guerra, presidente do CRC.
O seminário acontece na sede do Conselho (Av. da Universidade, 3057, Benfica) e promete reunir autoridades locais, como Fabrizio Gomes, Secretário da Fazenda Estadual, Erinaldo Dantas, presidente da OAB-CE, Socorro Oliveira, Secretária de Finanças da Prefeitura de Sobral e Hamilton Sobreira, Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE.