O veto presidencial ao projeto de lei (PL 334/2023) que desonera a folha de pagamento de 17 setores, realizado no último dia 24 de novembro, ampliou o debate sobre o impacto desse tipo de benefício fiscal e sobre a possibilidade de se estender a medida a todos os segmentos, tal como acontece em países vizinhos.
Implantada em 2011, no governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), a política de desoneração da folha de pagamento teve como objetivo inicial aumentar a competitividade internacional de setores com grande capacidade de empregar, ocorreu diante do contexto da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Desde então, ora com a retirada ora com a inclusão de novas atividades, a desoneração foi sendo prorrogada e tem vigência até o dia 31 de dezembro deste ano. Por conta da iminência do fim dessa política, o Congresso Nacional debateu ao longo do ano de 2023, votou e aprovou o projeto que estendia a medida por mais quatro anos e incluía também as prefeituras de municípios com menos de 143 mil habitantes.
O PL trocava a contribuição previdenciária, de 20% sobre a folha de pagamento, por alíquotas, de 1% a 4,5% sobre a receita bruta de empresas dos seguintes ramos: confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação; tecnologia de comunicação; projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.
O ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gerou surpresa e manifestações negativas dos setores beneficiados e do Parlamento que articula a derrubada do veto, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad fala em apresentar alternativas à medida. Segundo especialistas ouvidos pelo O POVO, o Governo Federal teve como foco o aumento da arrecadação em 2024, mas desconsiderou outros reflexos econômicos que podem ser observadas em nações que ampliaram a desoneração da folha de pagamento.
Em três vizinhos sul-americanos, Argentina, Chile e Equador a extensão da desoneração a todos os setores resultou em aumento no valor dos salários pagos aos trabalhadores, fato que já ocorria nos Estados Unidos, onde a folha de pagamento praticamente não é onerada e as remunerações se encontram entre as mais altas do mundo. Outros países como a França e a Colômbia fixaram faixas salariais para a desoneração de, respectivamente, um e dez salários mínimos, tendo como reflexo também a redução na informalidade.
O presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet) e colunista da rádio O POVO CBN, Schubert Machado, contesta o argumento utilizado pelo presidente para vetar o PL de que o projeto seria inconstitucional por não prever a origem dos recursos para a concessão do incentivo. “A medida provisória original que instituiu essa remuneração prevê como fonte de recursos necessários para manter o equilíbrio do orçamento da Previdência repasses do Tesouro Nacional”, afirma.
Ele acrescenta que também não é possível falar em diminuição de arrecadação. “A contribuição não era paga e se ela não era paga não diminui. O que pode haver é uma quebra de expectativa de aumento. Então, o Estado poderia ter expectativa de aumento com o fim do prazo, por conta da volta aos 20% da folha. Essa quebra de expectativa de aumento é verdadeira, mas não se trata de diminuição”, pontua o especialista.
Já o advogado tributarista e colunista do O POVO+, Hugo de Brito Machado Segundo, outro ponto a ser ponderado é que a depender do ramo de atividade a arrecadação pode ser até maior com a mudança na base de contribuição. “A gente fala em desoneração, mas não é exatamente uma desoneração, no sentido mais amplo da palavra, porque as empresas continuam contribuindo só que sobre outra base”, explica.
“O que desonera é a folha, mas as empresas pagam uma contribuição alternativa substitutiva sobre a receita. Então, quando a gente fala de desoneração, parece que está se dando um favor, mas não é exatamente isso. É uma troca. Em vez de a base sobre a qual se calcula o tributo ser o salário dos empregados passa a ser a receita”, ressalta.
“A folha (de pagamento) sozinha pode não suportar a seguridade. A gente tem que buscar outras fontes. Uma empresa de tecnologia que quase não tem empregados pode faturar muito”, conclui o tributarista.
DESONERAÇÃO PELO MUNDO
Argentina: A desoneração atinge todos o setores e se refletiu em aumento de salários.
Brasil: A desoneração atinge 17 setores, mas se encerra em 31 de dezembro, caso não seja prorrogada. O projeto de lei vetado pelo presidente Lula prevê a substituição da contribuição previdenciária de 20% sobre a folha por alíquotas que variam entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta da empresa.
Chile: A desoneração atinge todos o setores e se refletiu em aumento de salários.
Colômbia: A desoneração foi feita por meio da redução da contribuição patronal que era de 29,5% para 16%, no caso de remunerações até 10 salários mínimos. A medida se refletiu em aumento no número de trabalhadores formalizados.
Equador: A desoneração atinge todos o setores e se refletiu em aumento de salários.
Estados Unidos: A oneração da folha é mínina, com poucos direitos trabalhistas definidos, incluindo mecanismos como seguro-desemprego ou aposentadoria, mas com reflexo em maiores salários. Na prática, a legislação trabalhista no país tem muito mais natureza civil.
Finlândia: A desoneração atingiu todos o setores, mas vigorou apenas durante a crise econômica global de 2009. Com a medida, as empresas sofreram menos impacto da recessão e se mostraram mais resilientes à turbulência do período.
França: A desoneração atingiu empresas que empregam trabalhadores que ganham um salário mínimo.
Suécia: A desoneração atingiu empresas que empregam jovens trabalhadores e gerou alivio fiscal à iniciativa privada.
Fonte: Agência Brasil