Ao contrariar o Congresso Nacional e propor a reoneração gradual da folha de pagamentos de diversos setores da economia em até 18,75%, a Medida Provisória (MP) Nº 1.202, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta sexta-feira, 29, pode gerar desemprego e insegurança jurídica, de acordo com entidades setoriais e especialistas da área econômica e jurídica consultados pelo O POVO.
Para o advogado trabalhista Vander Brito, a implementação da Medida Provisória deve gerar o sucateamento da geração de empregos, ao passo que pode acabar incentivando a contratação de funcionários que ganhem até um salário mínimo e a terceirização ilícita para fins de diminuição de custos.
Vale ressaltar que as alíquotas previstas pela MP serão aplicadas sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário mínimo, conforme detalhado mais abaixo.
A visão também é compartilhada pelo economista Sérgio Melo, o qual acredita que a MP pode levar à suspensão de novos investimentos e postos de trabalho, ou até demissões, no intuito de adequar os custos das empresas. “Pior que isso é a insegurança jurídica que se instalará. (...) Certamente haverá judicialização por parte desses setores prejudicados”.
Já o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Renan Pieri, declara que, apesar de estes impostos terem impacto sobre as empresas, sobre a produção e, eventualmente, sobre o emprego, não há evidências de que a desoneração que está em vigor tenha gerado mais vagas de trabalho.
“Em princípio, você não deve esperar um impacto, pelo menos, muito forte na redução de empregos por conta da reoneração”, conforme Pieri, que vê a proposta como uma tentativa do Governo Federal de gerar um meio-termo entre o que havia sido decidido pelo Congresso Nacional.
A Medida Provisória foi divulgada na mesma semana em que a Lei 14.784, de 2023, havia sido promulgada no Congresso. Antes da MP, a norma prorrogava a desoneração da folha até 2027 a partir do projeto de lei (PL) 334/2023, vetado integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entretanto, o veto foi derrubado neste mês pelos parlamentares.
Segundo o Movimento Desonera Brasil, composto por diversas associações dos setores afetados, não é razoável que a Lei “seja imediatamente alterada ou revogada por meio de uma MP, contrariando uma decisão soberana do Congresso Nacional, ratificada pelas duas Casas na derrubada ao veto presidencial”.
Além disso, o advogado Vander Brito prevê que o movimento do Governo Federal, de fato, gera uma sensação de insegurança jurídica. “Nossa Constituição Federal de 1988 deixa claro a necessidade do respeito à tripartição dos poderes para fins de evitar qualquer forma de poder absoluto. Assim, esta MP afronta, diretamente, o poder de derrubada do veto do Congresso”.
A retomada gradual da reoneração da folha de pagamentos para transportes, comunicação e tecnologia deve contar com um porcentual de 10% em 2024; 12,5% em 2025; 15% em 2026; e 17,5% em 2027.
Já os setores de couro e calçados, editoras de livros e jornais, revistas e outros, construção civil e consultoria em gestão empresarial tem índices de 15% em 2024; 16,25% em 2025; 16,5% em 2026; e 18,75% em 2027.
A reoneração faz parte das medidas de arrecadação propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), expostas em coletiva de imprensa na quinta-feira, 28, que incluem ainda a retomada de impostos para o setor cultural e a limitação da compensação tributária das empresas que tenham vencido na Justiça e que ficaram com crédito em tributos federais.
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) é um dos pontos abordados pela MP, visto que o setor cultural voltaria a pagar PIS/Cofins e contribuição sobre o lucro líquido a partir de abril de 2024, cumprindo a regra da noventena, enquanto o imposto de renda fica para 2025, de acordo com a regra da quarentena.
“Apesar do ministro afirmar que o setor já recuperou suas perdas por conta da pandemia, não se pode afirmar o impacto que terá a nova carga tributária. A cultura é um setor muito importante no Brasil e certamente não esperava ter que rever suas margens e investimentos”, declarou a economista Desirée Mota.
Além disso, a Medida Provisória traz a limitação da compensação tributária das empresas que tenham vencido na Justiça e que ficaram com crédito em tributos federais. O teto é 30%, mas atinge apenas grandes empresas. Ou seja, que tenham ações de mais de R$ 10 milhões.
As propostas passam a valer imediatamente, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias para permanecerem em vigor.
*Em colaboração com Fabiana Melo e informações da Agência Brasil
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