Logo O POVO+
Mais de 17 mil alunos: a trajetória de Abenilda, professora particular em Aquiraz
Economia

Mais de 17 mil alunos: a trajetória de Abenilda, professora particular em Aquiraz

Vítima da paralisia infantil, a educadora iniciou a trajetória no meio educacional aos 13 anos
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Dois dedos de prosa com Abenilda de Sousa, professora particular que teve paralisia infantil e ja conta com mais de 17 mil alunos em Aquiraz. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Dois dedos de prosa com Abenilda de Sousa, professora particular que teve paralisia infantil e ja conta com mais de 17 mil alunos em Aquiraz. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Guiada pela educação. Este é o lema de Maria Abenilda Souza, 56, também conhecida como Benilda. Professora particular há 43 anos em Aquiraz, município localizado a 29,07 quilômetros (km) de Fortaleza, a educadora já soma mais de 17 mil alunos em sua trajetória.

Vítima da poliomielite (paralisia infantil) aos 5 anos, dona Benilda não deixou a doença atrapalhar o sonho de ensinar. Apesar de não ter feito faculdade por conta da rotina, o desejo de seguir na área foi tanto, que fez a profissional se matricular escondida dos pais no último ano do ensino médio.

Professora de Matemática, Português e das mais variadas matérias, dona Benilda faz da varanda de casa a sua sala de aula. Além do ensino didático acompanhado de paciência e calmaria, que de acordo com ela foi adquirido com a professora Fátima, os alunos são agraciados pela amizade e os ensinamentos da educadora.

O POVO - Quando a senhora começou a ensinar?

Abenilda Souza - Eu tinha 13 anos na época. Chegou uma mãe de um aluno, que foi o primeiro, o Wagner, ela chegou na areazinha que eu ensino perguntando 'Benilda, dá para tu ensinar o Wagner?', eu até achei meio estranho com 13 anos ensinar uma criança sem ter experiência de nada, na época eu fazia o equivalente que se chama a oitavo ano hoje.

E ela foi falando: 'Sim, mulher, é coisa de criança, tarefinha rápida'. Como era em frente a minha casa, eu aceitei e com uns dois meses mais ou menos ele começou a ler tudo no colégio.

Eu lembro que teve uma reunião com a professora dele no colégio e perguntaram à mãe dele quem estava ensinando ao Wagner e ela disse que era eu. Isso foi no dia 2 de janeiro 1981, uma data que você não esquece. Hoje eu já ensinei mais de 17 mil alunos.

O POVO - O desejo de educar sempre acompanhou a senhora?

Abenilda Souza - Sempre. Desde criança eu sempre admirei o professor em sala de aula, transmitir o que ele sabe para outras pessoas e afinal de contas o professor é tudo. Por que sem o professor como é que vai ter outros profissionais?

Sempre admirei aquela maestria dele (do professor) de ensinar e você aprender e eu falava 'se Deus permitir, eu quero ser uma também', tanto que ele permitiu e ainda mandou na minha casa para poder eu ensinar.

Então esse sonho de ser professora e passar o que eu sei pra outras pessoas me acompanhou desde sempre, é tanto que até hoje deu certo. Tiveram crianças que passaram por mim que eu peguei na mão para ajudar na coordenação motora e saiu lá de casa já na faculdade, ainda tem muitos deles que eu colaborei até na escolha da profissão.

O POVO - Como foi conciliar o sonho de ensinar com a poliomielite?

Abenilda Souza - Os meus pais sempre me apoiaram, eles foram tudo para mim. Eles tinham muito cuidado comigo. Na época que eu estudava, você fazia até a oitava série, que hoje que é o nono ano, aí passava pro primeiro,

Na época que eu estudava tinha até a oitava série, que hoje é o nono ano. No meu ensino médio, que hoje é o Lais Sidrim, aqui em Aquiraz, tinha a opção de escolher para pedagogia e científico, como eu já tinha o sonho de ensinar, então fiz o primeiro, segundo e terceiro de pedagogia e juntou minha vontade de querer fazer faculdade para matemática, porque eu sempre gostei dessa matéria.

Só que aí meus pais não queriam deixar, falavam que era muito cansativo, que eu tinha muita dificuldade para andar e eles diziam 'eu tenho muita pena, mas não vou deixar você ir não'. Eles também não queriam deixar eu fazer o terceiro ano por conta dos mesmos motivos, mas aí eu não aceitei. Eu fui fazer lá no Paulo Benevides, na Messejana, fiz a transferência escondida dos meus pais, foi uma amiga minha que fez, que também ia estudar comigo na mesma sala.

Teve a mãe de um aluno meu que conseguiu vale transporte com um vereador lá da cidade sem meus pais saberem de nada, quando eles souberam eu já estava matriculada. Eu disse para eles que não podia deixar de terminar o ensino médio, é o meu sonho, eu já não vou fazer faculdade, eu tenho que fazer pelo menos o terceiro.

O POVO - Como era a rotina da senhora quando a senhora começou a lecionar?

Abenilda Souza - A minha sorte é porque eu ensinava os meninos e eu fazia assim: cada ano que eu aprendia o conteúdo daquela série, eu ensinava eles, se eu tivesse, por exemplo, no sétimo ano, aí eu para o oitavo no ano seguinte, eu já sabia até o sétimo, porque eu aprendi com o professor, aí há cada ano eu ia aumentando uma série, é por isso que hoje eu ensino até segundo grau, porque eu fui aprendendo e ensinando a eles.

O POVO - A senhora está há mais de 4 décadas nesse trabalho, como é a relação da senhora com os alunos?

Abenilda Souza - Eu tenho muitos alunos que os pais passam de três ou quatro meses sem me pagar, que vão me pagando aos poucos, têm alunos que os pais estavam trabalhando, aí me pagavam direitinho, mas ficam desempregados e têm vezes que eles chegam lá em casa dizendo que o filho tava chorando porque não queria deixar de vir para cá e eu digo para eles não se preocuparem, para não prejudicar a educação do filho deles por causa de dinheiro.

Tem aluno que eu acompanhei desde o infantil até a faculdade e eu nunca aceitei porque eu via as condições, alguns deles chegavam lá em casa e dizia assim 'Benilda, hoje eu quase não venho porque faltou tal coisa, faltou meu pai comprar não sei o quê, não tem nem o que a gente almoçar direito', e aqui eu dou merenda a eles, tenho muito essa relação de cuidado.

A maioria deles eu sou praticamente da família, eles gostam de vir cedo para conversar comigo, às vezes eu percebo pelo olhar deles que eles estão fazendo a tarefa param e vejo que eles querem chorar, pergunto se tá acontecendo alguma coisa, então além de ensinar, eu também sou uma rede de apoio.

Só em você pegar na mão do aluno e ele ter uma profissão através de você é muito gratificante. Eu digo que o professor do colégio dá aquela matéria naquela série, o aluno passa de ano e é outro professor, no meu caso não, eles continuam gostando da maneira como eu ensino e no ano seguinte eles voltam de novo, porque se eles não gostassem eles não voltavam, né?

Eu sempre digo a eles que hoje o futuro é o estudo, o que eu puder fazer por eles, eu faço. A educação muda tudo, é através da educação que você se torna um profissional e vai se manter futuramente.

O POVO - As escolas foram bastante afetadas pela pandemia. Como foi o período para a senhora sendo uma professora particular?

Abenilda Souza - Eu tive muita dificuldade com eles, sofri bastante com eles, principalmente com as crianças, que estavam aprendendo a ler e a escrever não sabiam mais de nada. Eu tive que começar do zero o alfabeto, na matemática tive que ensinar as quatro operações, é como se tivesse apagado da mente deles tudo que eles aprenderam.

Durante a pandemia muitas mães não deixaram eles ficarem parados, então muitos continuavam vindo para cá, mas muitas mães com medo não mandavam, aí quando as aulas voltaram ao normal, foi que elas mandaram. Ave Maria, foi muita dificuldade mesmo, principalmente em português e matemática, que são as matérias que eles têm mais dificuldade.

O POVO - São mais de 17 mil alunos, um grande impacto na cidade de Aquiraz. A senhora recebe algum olhar do poder público?

Abenilda Souza - Já teve político que me ajudou bastante, que me deu várias cadeiras, cadernos. Atualmente eu recebi muita promessa, mas até agora nada. Me prometeram que iam gradear minha casa porque eu já fui roubada duas vezes, ou seja, uma segurança para mim. Aí ele ficou dizendo que era um local histórico, que eu já tinha ensinado quase a cidade inteira, mas até hoje ele não cumpriu.

Conheça as profissões que pagam os MELHORES SALÁRIOS e as tendências para 2024 | Dei Valor

Mais notícias de Economia

O que você achou desse conteúdo?