O terreno do Parque de Exposições Governador César Cals, conhecido por abrigar desde 1954 a Exposição Agropecuária e Industrial do Ceará (Expoece), segue na lista de ativos do Estado a serem negociados para outros fins pelo Governo do Estado.
Para quem não quer a mudança, a justificativa é que uma possível venda poderia inviabilizar a realização do evento, sediado no espaço há quase 70 anos, na avenida Sargento Hermínio Sampaio, 2677, bairro São Gerardo.
A posição do Governo do Estado desagrada justamente os representantes do agronegócio cearense.
Isso porque o parque de exposições é onde é realizada a Expoece e, com nova destinação, o temor é que haja mudança do evento para Caucaia, em novo espaço adquirido pelo Executivo estadual na gestão Camilo Santana (PT), em 2018.
Atualmente, o terreno em si é apenas cedido por 30 dias, sem custos, para a organização do evento, que é considerado a maior feira de exposição agropecuária do Ceará, ficando atrás apenas, no Nordeste, de outra realizada na Bahia e no Rio Grande do Norte. Para o governo, a vantagem de ceder gratuitamente é o giro econômico em solo cearense.
Conforme O POVO apurou, o próprio governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), afirmou na Expoece de 2023 aos empresários que seria uma prioridade da gestão estadual reformar o espaço, o que não ocorreu.
No ano passado, inclusive, quando da sua 67ª edição (segundo ano de volta pós-covid), o local onde acontece um dos eventos mais tradicionais da cultura popular cearense chegou a receber manutenção antes da abertura do evento, que aconteceu num domingo, 12 de novembro. Mas depois do discurso não chegou a ser viabilizada a reforma prometida.
Braga Almeida, presidente da Associação dos Criadores do Estado do Ceará (ACC), entidade responsável pela organização da Expoece, destaca que os preparativos para o evento deste ano seguem acontecendo, mas que agora temem não terem espaço para sediar a exposição em 2024.
"O governador Elmano participou da abertura da Expoece no ano passado e o seu discurso nos deixou animados porque ele prometeu reformar o atual ou construir um novo parque (entendendo que seria mantido o local)", pontua.
Ele enfatiza que o espaço precisa de requalificações por ser antigo, mas que as estruturas arquitetônicas estão em bom estado. "Aquele prédio precisa basicamente de uma requalificação, de reforma dos banheiros para atender bem o público", lembrando ainda que esse será o primeiro ano com a entrega da nova avenida Sargento Hermínio.
Conforme a ACC, nos nove dias de Expoece o público varia entre 150 mil e 200 mil pessoas, no que é uma das maiores feiras do tipo no Nordeste e a maior do Ceará em termos de quantidade de animais expostos.
A ACC todos os anos recebe a gestão do parque de exposições por um período de aproximadamente 30 dias para organizar a Expoece, isso ocorre sem pagamento de contrapartida ao Estado.
Durante os demais meses do ano, o espaço abriga associações rurais, aos fins de semana o movimento fica por conta das casas de farinha, além de que também fica aberto em alguns dias da semana para que os moradores do bairro façam atividades físicas no parque.
Questionado sobre a viabilidade de realizar a Expoece em novo parque de exposições em Caucaia, Braga revela que quando o Estado negociou o espaço, em meados de 2018, a Associação não foi chamada a participar desse processo de aquisição.
À época, a compra do novo local destinando a feira para a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) constou no Diário Oficial do Estado (DOE), mas sempre houve resistência por parte do setor da mudança para lá.
"Fomos surpreendidos. Depois observamos que ali foi acertado como futura instalação do parque de exposições. Mas, nós que organizamos a Expoece, não temos como opinar porque não fomos chamados e não sabemos", diz.
Ainda segundo Braga, o espaço do novo terreno já é conhecido por ele, mas que não possui qualquer estrutura de galpão, "só o terreno e muito mato". "Então precisaria de um investimento robusto em comparação ao que seria na reforma do Parque de Exposições (em Fortaleza)".
A área ainda é visada por moradores da região Oeste de Fortaleza. Eles chegaram a realizar, em outubro do ano passado, ato em frente à Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), na avenida Bezerra de Menezes, 1820, no bairro São Gerardo.
Com gritos de "libera", os manifestantes representados pela Associação Comunitária dos Bairros Ellery e Monte Castelo (Acem), cobraramdo Governo do Ceará que os espaços abertos à venda fossem destinados para a construção de residências do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
E um terreno reivindicado em especial é o da Expoece. Eles afirmavam que o local é pouco utilizado, de boa localização para os moradores da região Oeste e seria uma alternativa para atender centenas de famílias que necessitam de moradia digna. (Colaborou Armando de Oliveira Lima)
Governo do Ceará confirma terreno como "prioritário para negócios"
A Companhia de Participação e Gestão de Ativos do Ceará (Cearapar), responsável pela otimização dos ativos de propriedade do Estado, foi procurada pelo O POVO e confirmou que o Parque de Exposições Governador César Cals, onde acontece a Expoece, "segue apresentado como prioritário para negócios". O POVO solicitou entrevista com a nova titular da Cearapar, Carolina Monteira (ex-Jucec), mas, "por motivo de agenda", não foi possível a realização.
A resposta veio por meio de nota. A Cearapar frisou que o terreno, "a qualquer tempo", pode receber propostas para aquisição, aluguel, permuta, arrendamento, suit to build (tipo de locação que permite construção) dentre outras modalidades de negócios imobiliários.
Em Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará no último dia 15 de junho, Carolina Monteiro esclareceu a questão da disponibilidade do terreno. E foi a partir daquele momento que as entidades do agronegócio passaram a enxergar como real a possibilidade de que a Expoece pudesse perder seu tradicional local de realização.
"Embora a Expoece represente um espaço presente na memória afetiva da Cidade, é importante compreender as vocações de sua estrutura nos dias atuais. Afinal, a função dos ativos públicos é gerar riqueza que possam ser distribuídas para muitos," destacou Carolina.
Mas, para Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), não há concordância do setor em ir para Caucaia. "Não existe viabilidade para isso (uma mudança no local de realização da Expoece). Acho que a Carolina não sabe do que está falando, porque são 70 anos de Expoece e pela Faec não existe essa possibilidade."
Atualmente, o Governo do Ceará tem cerca de 5.500 imóveis, dentre prédios, terrenos, casas e até açudes. Conforme a Cearapar, "muitas das construções estão desocupadas ou subutilizadas, o que sugere a possibilidade de rentabilização destas, isto é, análise para que sejam disponibilizadas a diversos tipos de negócios."
Apesar de não estar na condição de desocupado, o Governo entende que o Parque de Exposições está em posição de destaque para que seja negociado.
Processo de venda estava paralisado desde a pandemia
Para entender, o Parque de Exposições Governador César Cals pertence à Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) do Governo do Estado. É portanto um terreno público, com área de 122.488,23 metros quadrados (m²), que conta com plantas, árvores e toda uma infraestrutura de prédios e galpões, mas considerada pelo Estado como subutilizada e com estrutura deteriorada.
Além de sediar a Exposição Agropecuária do Ceará (Expoece), é também conhecido por realizar a Feira Cearense da Agricultura Familiar (Feceaf). Mas, acontece que a área onde fica o Parque sofreu uma valorização imobiliária, com a instalação de empreendimentos ao redor, como shoppings e supermercados. Além disso, impacta neste encarecimento as obras da avenida Sargento Hermínio.
Ainda em 2016, o Governo do Ceará, na gestão Camilo Santana (PT), colocou terrenos públicos na lista de venda para arrecadar dinheiro aos cofres públicos. Depois, em 2019, foram abertas concorrências públicas nacionais para a negociação desses ativos, incluindo o Parque de Exposições César Cals e mais duas áreas, sendo uma em Fortaleza e outra no Eusébio.
À época, o local onde a Expoece é realizada foi posto à venda por R$ 112,8 milhões. No edital, a área oferecida era de 98.861,95 m², uma das maiores da lista de ativos. Porém, não houve interessado na proposta. O setor da agropecuária no Estado estava tranquilo até o terreno ser citado de novo pela Cearapar neste ano. Além do que, quando veio a Covid-19, o processo de venda ficou paralisado.
Vale lembrar, ainda, que, em fevereiro de 2022, parte pequena (208,23m²) do Parque foi cedida pelo Governo do Ceará para a Prefeitura de Fortaleza, para as obras de expansão da avenida Sargento Hermínio, conforme consta no Diário Oficial do Estado (DOE). O avanço sobre o terreno foi em torno de 10 metros. A obra foi entregue em março deste ano.