Potencial polo explorador mineral de lítio, o Ceará deve ver essa indústria extrativa crescer nos próximos anos. Caso pesquisas avancem e os licenciamentos ocorram, existe a perspectiva de que nos próximos dez anos o Estado seja um dos cinco principais beneficiados com royalties de mineração.
Mas, conforme avaliação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a forma como os municípios e as comunidades locais são recompensados pelos impactos precisa ser revista.
Atualmente, o principal recurso que chega para os municípios e estados mineradores é a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
No Ceará, grandes projetos mineradores estão em fase inicial e a implementação de minas tem crescido nos últimos anos. Em 2023, 89 cidades cearenses receberam os royalties de mineração, cerca de R$ 15 milhões.
Esse montante deve subir caso projetos em fase de pesquisas e obtenção de licenciamento ambiental entrem em operação. O mais conhecido é a exploração de urânio e fosfato, de Santa Quitéria (a cerca de 210 km de Fortaleza), mas existem outras iniciativas de pesquisa em ouro e lítio, por exemplo.
Em 2021, empresas do setor de mineração gastaram R$ 20 milhões em pesquisa mineral no Ceará. Já em 2022, o dado mais recente, o valor saltou para R$ 54 milhões. São mais de 5 mil pesquisas em andamento.
Dados do setor também apontam que, caso todas essas pesquisas prosperem, em praticamente 40% do território cearense haveria exploração mineral.
Hoje, existem 350 empreendimentos minerais. Rochas ornamentais e as já tradicionais pedreiras que atendem a construção civil se destacam, mas o cenário deve ser alterado em breve.
No que se refere ao lítio, o Ceará possui a terceira maior reserva do Brasil. A principal reserva de lítio no Estado é localizada em Solonópole (a 278 km de Fortaleza), onde a australiana Oceana Lithium conseguiu a liberação de órgãos ambientais para projeto em que vai procurar minério numa área de 115 km², onde havia minas artesanais de lítio, nióbio e estanho.
Existe a perspectiva de que nos próximos dez anos o Estado seja um dos cinco principais beneficiados com CFEM.
Somente em Santa Quitéria, o valor anual de CFEM pago ao município deve saltar de cerca de R$ 300 mil anuais para algo entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.
Dado o cenário, o MAM realizou em Fortaleza um seminário nacional para discutir a forma como o CFEM é utilizado.
O Movimento reivindica a "democratização" do recurso pago pelas mineradoras e o fim da sonegação do setor mineral. Levantamento da Agência Nacional de Mineração (ANM) aponta que cerca de R$ 19 bilhões deixam de ser arrecadados por ano por sonegação de CFEM por parte das mineradoras - que neste mercado são quem calculam e pagam aos cofres públicos e quase não há fiscalização.
Pedro D'Andrea, geógrafo e pesquisador na área de mineração que compõe a diretoria nacional do MAM, acredita que a expansão da mineração no Estado é quase inevitável, mas é necessário movimentação para evitar problemas já conhecidos.
"Queremos construir uma organização popular para não deixar que esse modelo brasileiro de mineração, igual ao que tem em Minas Gerais, Pará e Bahia, seja importado pro Ceará", afirma.
Segundo ele, as regiões mineradoras contam com alto índice de pobreza e agressões ao meio ambiente, enquanto as mineradoras faturam altos lucros, pagam poucos impostos e a incidência de sonegação é grande.
O Ceará se tornou o 18º estado que recebeu mais repasse na distribuição de CFEM no mês de julho. Isso indica, que a produção mineral no Estado tem crescido e ganhado espaço em relação aos demais estados, já que no fechamento de 2023, o repasse cearense era apenas o 21º maior.
Na liderança desse repasse mensal segue os principais estados mineradores: Minas Gerais recebeu no mês R$ 44,1 milhões e o Pará outros R$ 40,8 milhões.
Entre os municípios, o universo de repasse do CFEM foi de R$ 394,7 milhões distribuídos em julho. O que recebeu maior repasse foi o de Parauapebas-PA, com R$ 67,6 milhões, seguido de Canaã dos Carajás-PA (R$ 66,8 milhões) e Conceição do Mato Dentro-MG (R$ 24,1 milhões).
Entre os repasses de CFEM aos municípios mineradores ou afetados pela mineração, ao terem seus territórios vizinhos ou na rota logística da mineração, aparece com um dos mais beneficiados do País a cidade de Uruoca (a 285 km de Fortaleza), que recebeu R$ 240,6 mil em julho.
RESERVA DE LÍTIO
Segundo dados da ANM, entre 2022 e 2023 os pedidos de mineração envolvendo lítio quadruplicaram no Brasil. As reservas são localizadas nas regiões Sudeste e Nordeste (no Ceará e nos limites entre Paraíba e Rio Grande do Norte).
O impacto nas comunidades e a luta por participação na distribuição do dinheiro
O número de municípios cearenses beneficiados com recursos de royalties de mineração chegou a 65, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). Foram distribuídos R$ 946,4 mil, entre repasses a cidades e ao Estado. Além do caso de Uruoca, que ficou no top-100 nacional, Caucaia recebeu R$ 95,8 mil e Horizonte outros R$ 81,4 mil, que são os quantitativos mais relevantes.
Sabrina Meneses, representante do MAM no Sertão de Crateús e moradora de área de exploração de minério de ferro, destaca que falta preparo para os gestores municipais para utilizarem de melhor forma os recursos advindos da mineração. Ela conta que as comunidades tradicionais são as mais afetadas. "A gente reivindica um investimento para cultura, educação, saúde e políticas públicas para agricultura familiar. As comunidades mais afetadas são indígenas e quilombolas. E continua: "Eu sou indígena e a maioria das comunidades tradicionais são impactadas, são campesinos, indígenas e quilombolas, pescadores".
Para Luiz Paulo Siqueira, membro da direção nacional do MAM e representante de Minas Gerais, a indústria de mineração não se mostra comprometida na redução de seus impactos e paga poucos impostos. Além do CFEM, que é uma contribuição praticamente voluntária, ele destaca os tributos sobre os minérios tem alíquotas irrisórias. No caso do minério de ferro, a alíquota é de 3,5%, enquanto na Austrália pode chegar a 9%. No Brasil, a alíquota sobre o ouro é de 1,5%. "Ou seja, é quase a entrega desses bens minerais para o capital estrangeiro, pois somos exportadores do primário e importadores de bens industrializados."
Principais estados mineradores (repasses de CFEM - em julho)
OS REPASSES DE ROYALTIES DA MINERAÇÃO
Principais estados mineradores (repasses de CFEM - em julho)
1º Minas Gerais - R$ 44.136.640,69
2º Pará - R$ 40.895.020,47
3º Goiás - R$ 2.836.606,06
4º Bahia - R$ 1.947.969,17
18º Ceará - R$ 236.611,06
Principais municípios mineradores (repasses de CFEM - em julho)
1º Parauapebas-PA - R$ 67.637.184,90
2º Canaã dos Carajás-PA - R$ 66.876.413,28
3º Conceição do Mato Dentro-MG - R$ 24.102.695,12
4º Nova Lima-MG - R$ 19.431.491,29
91º Uruoca-CE - R$ 240.656,32
Fonte: ANM/Governo Federal