Depois de renovar ontem a máxima nominal histórica para R$ 6,26, o patamar acima de R$ 6 já é considerado o “novo piso” do dólar no curto prazo para especialistas do mercado financeiro consultados pelo O POVO. A visão é de que a moeda norte-americana possa valorizar ainda mais em
meio a um cenário de incertezas globais e domésticas.
Ontem, o dólar comercial encerrou o dia vendido a R$ 6,267, com alta de R$ 0,172 (+2,82%). Em um dia sem intervenções do Banco Central (BC), a cotação iniciou em torno de R$ 6,11. Chegou a desacelerar no fim da manhã, mas voltou a subir intensamente após uma declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que o a moeda norte-americana deve se acomodar. A bolsa caiu mais de 3% e atingiu o menor nível desde o fim de junho.
Parte do mercado tem pressionado o câmbio devido às medidas de controle de gastos do Governo Federal, consideradas pouco populares, no que tange o detalhamento do arcabouço. Além disso, a própria política monetária dos Estados Unidos (EUA) tem levantado dúvidas quanto ao futuro e aos impactos em países emergentes.
A assessora de investimentos e sócia do WIT Invest, Mariana Pulegio, ressaltou que, caso o Banco Central dos EUA (FED, na sigla em inglês) mantenha os juros altos ou sinalize cortes lentos, isso pode fortalecer o dólar. Entretanto, se houver cortes mais rápidos, o dólar tende a enfraquecer e atrair mais capital estrangeiro para o Brasil. Ontem, o FED cortou os juros em 25 pontos-base.
O consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online, André Galhardo, afirmou que é difícil falar de câmbio em um cenário com tantas incertezas e com reações desproporcionais do mercado. “Ainda assim, eu diria que é pouco provável que a moeda brasileira engate um movimento sólido e longo de valorização em relação ao dólar.”
Todavia, o dólar tem mostrado força não só em relação ao real, mas a outras moedas globais, o que acaba dificultando o cenário. Além disso, a política de leilões do Banco Central (Bacen), em que o órgão vende dólares para forçar que os preços abaixem, não tem sido suficiente para controlar a volatilidade do câmbio, conforme André.
“Houve até falas dizendo que a melhor política cambial seria não fazer nada. Eu discordo veementemente. Agora, diante dessa reação desproporcional, dessa histeria do mercado financeiro, o Banco Central tenta, como disse o próprio Galípolo (que assumirá o Bacen): 'matar o dólar no peito'. Mas isso não tem dado certo”, acrescentou.
O senador Cid Gomes, inclusive, sugeriu que o Bacen vendesse entre US$ 30 bilhões e US$ 50 bilhões dos US$ 372 bilhões em reservas. Ele criticou a atuação da entidade na política monetária e citou que foram vendidos mais dólares no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) do que na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, contrapôs que o pessimismo da situação fiscal e econômica brasileira influencia para que os leilões do Bacen não sejam suficientes. “Há uma sensação de que não existe um consenso no próprio governo de quais medidas adotar para enfrentar os principais problemas econômicos.”
“O governo precisa enviar sinais claros aos investidores globais sobre o controle de gastos e o equilíbrio de longo prazo no endividamento público. A reação negativa do mercado às recentes medidas anunciadas reflete a falta de clareza na estratégia fiscal do governo”, complementou o analista e sócio da CMS Invest, Harrison Gonçalves.
Alguns especialistas consideram que a expectativa do mercado é exagerada, já que a relação da dívida e do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil está muito abaixo do que em outros países com economias semelhantes, segundo o economista e conselheiro da Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (Apimec), Ricardo Coimbra.
“O mercado está especulando um pouco. Não todo o mercado, mas alguns agentes, alguns players que têm peso no mercado, podem estar operando no sentido contrário e acabam forçando essa elevação e instabilidade por mais tempo”, pontuou. Ricardo prevê fechamento acima de R$ 6 no fim do ano, assim como os outros especialistas.
O gestor de soluções do Grupo SWM, Rafael Meyer, esclarece, também, que alguns setores podem ser prejudicados com o contexto de alta do dólar, como indústrias dependentes de insumos importados – tecnológica e farmacêutica, por exemplo –, podendo atingir o custo de vida, gerando inflação em alimentos e combustíveis.
“Embora existam alguns pontos positivos, como o dólar mais forte tendendo a estimular as exportações, acredito que, neste momento, a questão inflacionária pesa muito mais”, acrescentou André. Além disso, setores com alto endividamento em dólar, como transporte aéreo, petroquímico e papel e celulose, também devem ter efeitos negativos, disse Harrison.
O diretor comercial na Ouro Câmbio, Caio Ito, esclareceu que a alta do dólar tem levado muitas pessoas a reduzirem gastos com viagens internacionais, optando por destinos no Brasil. O câmbio de turismo, por exemplo, estava em R$ 6,42 ontem na organização. Ele também acredita que o dólar comercial vai enfrentar alta até o fim do ano. (Colaborou João Paulo Biage)
Leilão
O Banco Central anunciou que vai leiloar hoje até US$ 3 bilhões das reservas internacionais à vista, sem compromisso de recomprar os recursos mais tarde