O bloqueio de R$ 150 milhões no orçamento do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) impactará em 65 açudes desprotegidos no Ceará, dos 84 existentes, e no esvaziamento da autarquia, segundo denuncia à coluna o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado (Sintsef-CE).
Conforme balanço da entidade, o problema é de monta nacional, mas os reservatórios listados regionalmente são os de médio e grande porte, o restante é configurado como de pequeno tamanho.
“Estão atualmente sem qualquer tipo de vigilância, após a demissão total dos trabalhadores terceirizados responsáveis pela segurança patrimonial”, alertou o sindicato.
O relato é que 50% dos funcionários terceirizados da área de manutenção foram desligados, “comprometendo atividades essenciais nos prédios administrativos e nas áreas operacionais”.
De acordo com comunicado do Sintsef-CE, a partir de julho, reservatórios e prédios públicos do órgão não terão mais vigilância ativa, “deixando essas estruturas à mercê de furtos, vandalismo, invasões e riscos operacionais.”
A denúncia do sindicato parte após o bloqueio ter sido promovido pelo Governo Federal, por meio do Decreto nº 12.477, de 30 de maio de 2025. Acontece que o Dnocs atua nos nove estados do Nordeste e no norte de Minas Gerais, na gestão hídrica.
Para a entidade, “o novo bloqueio de verbas agrava ainda mais um processo de sucateamento denunciado há décadas pelos servidores.”
No balanço do Sintsef-CE, consta que, nos anos 1990, a autarquia contava com cerca de 14 mil servidores e hoje há cerca de 400 ativos em todo o País. “Número insuficiente para manter a estrutura que o órgão exige, inclusive para atuação em situações de emergência climática”, frisou.
“Sem equipes técnicas suficientes para realizar vistorias, manutenções e reparos, aumenta o risco de colapso em reservatórios e infraestruturas que servem para abastecimento humano, irrigação agrícola e contenção de enchentes”, denunciam os servidores.
Segundo eles, a direção do Dnocs tenta, desde o anúncio do bloqueio, abrir diálogo com a esfera política.
“Parlamentares como o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o coordenador da bancada federal do Ceará e senadores cearenses foram procurados, mas ainda não houve qualquer reunião oficial com o governo federal ou o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional para tratar do tema.”
Também entrou nas negociações o deputado estadual Acrísio Sena (PT). "(Ele) entrou em contato com a diretoria do Sintsef-CE e disse que na segunda-feira (23 de junho) quer enviar ofício para organizar uma audiência pública para discutir o assunto", informou a entidade.
O pleito do sindicato é para haver recomposição imediata do orçamento, concursos públicos para repor o quadro funcional e a recontratação dos trabalhadores terceirizados, especialmente nas áreas de segurança e manutenção.
Também reforça a urgência de uma articulação nacional que envolva o Congresso, os governos estaduais e a sociedade civil para defender a continuidade de um serviço público "estratégico para milhões de brasileiros."
Diante dos pontos, a coluna questionou o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e o Dnocs, desde o dia 18 de junho, sobre bloqueio do orçamento, segurança dos açudes, possibilidade de estadualização da autarquia, falta de vigilância, planos de mitigação, necessidade de concurso, preparação para período de chuvas em algumas regiões, realização de vistorias, tentativa de abertura de diálogo com o Governo Federal, recontratação de terceirizados.
Sem responder a todos os levantamentos, o MDR disse apenas que o valor referido diz respeito a bloqueio orçamentário, não a corte de recursos. E acrescentou que tal bloqueio faz parte do esforço de todo o Governo Federal, nas suas diversas frentes, para equilíbrio das contas públicas.
“Como vem acontecendo desde 2023, a Junta Orçamentária libera recursos ao longo do ano na medida das necessidades, de forma a não comprometer o funcionamento da administração pública”, finalizou. Já o Dnocs não retornou às demandas.
E como o Sintsef-CE informou que procurou os senadores cearenses, além do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), a coluna os procurou para saber do nível de ciência deles sobre o assunto e se estão fazendo alguma articulação com a União.
O primeiro a responder, por meio de nota, ainda na quarta-feira, foi o senador Eduardo Girão (Novo). Ele disse que diariamente vê “vários desmandos do Governo Federal, do PT”.
“Temos atuado ao longo do mandato destinando recursos de emendas parlamentares para aquisição de máquinas e perfuração de poços profundos, atendendo nosso setor primário, o agronegócio cearense, tão importante para nossas vidas”, complementou quando questionado sobre suas ações perante o quadro denunciado.
Nesta sexta-feira, 20 de junho, em comunicado, Cid Gomes (PSB) informou que esteve reunido com o diretor-geral do Dnocs, Fernando Marcondes Leão, em fevereiro deste ano, para tratar de temas relacionados à agricultura e à pecuária do Ceará.
“Na ocasião, o diretor-geral aproveitou para solicitar apoio do senador na tentativa de reverter o bloqueio feito pelo Governo Federal no orçamento do órgão, de cerca de R$ 150 milhões. O senador Cid Gomes se comprometeu a ajudar na demanda.”
Já Augusta Brito (PT) e José Guimarães não retornaram. Esta matéria será atualizada assim que houver resposta.
Vale lembrar que em dezembro de 2024, Operação Overclean desmontou esquema que desviou R$ 1,4 bilhão do Dnocs Bahia.
A Investigação começou em 2023, após denúncia de lavagem de capitais envolvendo sócios de empresa contratada pela autarquia federal sobre projetos executados a partir de 2017.
A organização criminosa usava empresas de fachada e “laranjas” para fraudar contratos públicos e lavar dinheiro.
Outro assunto em pauta no Ceará é sobre a estadualização da gestão dos perímetros irrigados no Estado.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amilcar Silveira, frisou à coluna o pleito para algumas dessas áreas destinadas à prática da agricultura irrigada sejam geridas não pelo Dnocs, mas pelo Governo do Estado ou pela iniciativa privada.
"Nós queremos colaborar com isso, porque tem muitos períodos que estão ineficientes e que precisam, pelo bem do desenvolvimento do Ceará, de produções melhores", disse, acrescentando que as tratativas com a autarquia federal não avançaram.
"Nós devemos, ao Dnocs, uma contribuição muito grande, porque todos os grandes reservatórios do Nordeste, principalmente do Ceará, foram construídos pelo Dnocs. Então, pela sua história, ele precisaria ser melhor preservado. Não somos a favor da extinção do Dnocs, muito pelo contrário. Somos a favor do fortalecimento, porém, a gestão dos perímetros deveria ser feita pela iniciativa privada, se pudesse", complementou.
Na visão de Amilcar, os perímetros irrigados deveriam ter menor intervenção do Estado, com menor atuação da política e ser mais voltados aos negócios.
"Mas, o Dnocs, a gente avalia que precisa fortalecer, inclusive, até pela preservação dos reservatórios", frisou.
Na visão do presidente da Faec, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), apesar de ter um orçamento de R$ 228 milhões, não teria recurso para manter os reservatórios.