Pela oitava vez o projeto de exploração de fosfato e urânio em Santa Quitéria foi devolvida ao consórcio responsável para revisões no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Após quase oito meses de análise, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) cobrou 37 correções.
O principal ponto de questionamento do Ibama no projeto técnico a ser desenvolvido na usina de Itataia diz respeito à demanda por água, o equivalente a 89 carros-pipa por hora, suficiente para atender a 160 mil residências por dia. O montante é similar a uma cidade do tamanho de Caucaia, a segunda mais populosa do Ceará, conforme o Censo 2022.
O órgão federal questionou diretamente o trabalho desenvolvido pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).
O parecer aponta que o Projeto Santa Quitéria não esclarece qual será a forma secundária de abastecimento de água, uma vez que ora se fala em água subterrânea, ora são citados açudes particulares. A partir disso, o Ibama critica a condução da Semace no processo de licenciamento da adutora que garantiria o recurso à empresa.
Para o Ibama, o parecer da Semace não contemplou uma análise sobre a viabilidade hídrica de abastecimento do empreendimento de mineração, tampouco estudo de impacto sobre o ambiente provocado por "extensa intervenção".
Com isso, o Ibama conclui que foi emitida licença estadual para retirada de um grande volume de água do Açude Edson Queiroz, para abastecimento de uma mineração de urânio e fosfato no semiárido, sem que haja análise de viabilidade por parte do órgão ambiental licenciador.
Dentre as falhas e correções a serem feitas pelo consórcio responsável pelo projeto - formado por Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Galvani Fertilizantes - estão a existência de gargalos logísticos de acesso rodoviário e a falta de detalhes sobre o manejo de fauna, pois há incidência de morcegos na área de influência do projeto, sem que seja apresentado o devido monitoramento da espécie.
As informações estão condensados num relatório resumido que possui 12 páginas. O documento também cobra que a empresa realize estudos detalhados sobre o impacto social nas comunidades impactadas, inclusive com etnomapeamento e etnozoneamento.
Apesar da série de apontamentos feitos pelo Ibama, o consórcio responsável pelo Projeto Santa Quitéria informa que desde o último dia 4 se debruça sobre o parecer do Ibama e trabalha para responder à solicitação de informações complementares.
A empresa lembra que o processo segue em andamento e que, em dezembro de 2023, foram protocolados os novos estudos e, em março deste ano, foram realizadas novas Audiências Públicas. Para o consórcio Santa Quitéria, o posicionamento do Ibama "fortalece a expectativa de obtenção da Licença Prévia ainda em 2025".
"O parecer reforça a confiança do órgão ambiental na qualidade dos estudos apresentados até o momento. (...) Trata-se de um passo fundamental no avanço do processo de licenciamento ambiental do empreendimento", diz em nota.
O POVO entrou em contato com a Semace, a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) e Casa Civil para posicionamento relativo ao questionamento sobre suposta deficiência no processo de licenciamento estadual.
A reportagem questionou se a Semace chegou a verificar in loco a condição da região de Santa Quitéria para emissão de parecer aprovando a utilização de 24 milhões de litros de água por dia, conforme o EIA produzido pelo consórcio Santa Quitéria.
No entanto, Semace, SRH e Casa Civil não responderam aos questionamentos até o fechamento desta edição.
O Ibama também foi questionado pelo O POVO sobre a opção de pedir informações complementares e não o indeferimento do projeto, mas não houve retorno.
AS FALHAS E CORREÇÕES COBRADAS PELO IBAMA NO PROJETO SANTA QUITÉRIA
1- Caso seja realizada alguma cavidade oclusa durante a implantação das fundações da instalação industrial, ou mesmo durante o desenvolvimento da lavra, as obras deverão ser paralisadas até que seja realizada uma avaliação da cavidade e do seu grau de relevância.
2- Reavaliar o sistema de impermeabilização esclarecendo sua eficácia, robustez e durabilidade, considerando os aspectos de tensão elevada, recalques diferenciais e imperfeições no terreno, bem como considerando a necessidade de adicionar uma camada espessa de solo compactado, de modo a garantir regularizada e impermeabilização mais segura e durável.
3- Em relação ao abastecimento de água, definir nova forma de abastecimento durante a implantação do projeto Santa Quitéria, uma vez que o abastecimento via caminhões pipa e, secundariamente, por água subterrânea, foi considerado inviável pela equipe técnica.
4- Em relação ao fornecimento de energia elétrica, considerando que o uso de geradores implica na queima de combustíveis fósseis, a equipe técnica solicita que seja verificada a possibilidade de que todo o abastecimento de energia elétrica ao canteiro de obras seja realizado por meio da linha de transmissão já existente.
5- Em relação a transporte, é solicitado ao empreendedor esclarecer se a infraestrutura das estradas terá condições de atender ao aumento de tráfego e se estão sendo propostas medidas para minimizar tal impacto.
6- É questionada qual será a destinação final do material oriundo do decapeamento da mina (solo orgânio/topsoil).
7- Empresa deve informar qual a destinação do material oriundo da caixa separadora de sólidos (na planta de ácido sulfúrico).
8- Dúvidas em relação à implantação de uma pilha de fosfogesso quanto à informação apresentada pelo empreendedor de que o material encaminhado à pilha não apresenta potencial de erodibilidade, de modo que deverão ser apresentadas informações complementares sobre risco de fraturamento e medidas de controle.
9- Sobre a geração de efluentes líquidos e gasosos e resíduos na instalação de urânio, Ibama solicita que seja confirmado que os demais elementos não foram detectados pelos métodos de análise aplicáveis, ainda que presentes em traços, e que tal situação não compromete a destinação pretendida.
10- É questionada a logística de transporte de insumos e produtos no Projeto Santa Quitéria e transporte de insumos. A empresa deve reapresentar mapas para saber se há previsão de estradas carroçáveis do entorno do empreendimento.
11- Cobra a justificativa da empresa sobre as operações de transporte, além de esclarecer a disparidade entre a logística do transporte de insumos e produtos do Projeto Santa Quitéria. Ainda questiona disparidade de informações entre mapas e planos de distribuição.
12- É questionado a falta de esclarecimentos sobre como será a drenagem das águas oriundas do rebaixamento do lençol freático, no momento em que houver a interceptação do nível d'água pela evolução do nível de exploração na cava. A preocupação se deve à possibilidade de potencial vazão elevada, presença de elementos radioativos, e o impedimento de lançamento dessas águas nos corpos hídricos naturais.
13 - Empreendedor deve esclarecer se realmente existe a possibilidade de uso de água subterrânea para abastecer o projeto, seja na implantação, seja na operação, seja para o abastecimento normal ou para casos de contingência e/ou emergência. Além disso, o Ibama cobra que os estudos devem ser realizados levando-se em consideração as mudanças climáticas previstas para a região.
14- Ibama cobra explicações sobre a destinação final dos sólidos do insumo Enxofre.
15 - Sobre o uso de óleo vegetal, faz-se necessário informar a destinação da borra oleosa e da água oriunda da caixa separadora de água e óleo.
16- Questiona a falta de estimativa sobre a quantidade de equipamentos necessários, nem estimativa de quais máquinas (caminhões, escavadeiras, tratores de esteira, etc) que serão utilizadas na operação, inclusive a fase de lavra.
17- Sobre a fase de desativação, apesar de apresentada a possibilidade de utilização da pilha de estéril para fechamento da cava no Plano de Descomissionamento, não houve definição por tal opção nem apresentados os critérios para a tomada de decisão quanto à manutenção da pilha de estéril ou disposição de seu material na cava. Ibama cobra detalhamento da concepção final da área da cava ou dos diferentes cenários para sua configuração final, além de como será o futuro uso da área, e se os recursos previstos serão suficientes para boa desativação do empreendimento.
18- Ibama considerou a infraestrutura de acesso rodoviário um ponto de gargalo. Destaca que, apesar de Memorando de Entendimentos assinado entre a empresa e o Governo do Ceará, esse ponto merece atenção especial por parte do empreendedor, sob risco de inviabilizar o início imediato das obras do empreendimento após a emissão de Licença Prévia por parte do Ibama.
19- Ibama cobra a apresentação de documentações e certificados de regularidade do empreendimento e de sub-contratados que elaboraram o EIA.
20- O Ibama faz sugestões para potencialização do uso de recursos e pede esclarecimentos, como sobre o processo de purificação do ácido fosfórico, em que há geração de uma "lama" rica em Th e lantanídeos (elementos terras raras). Considerando a elevada demanda por terras raras no mercado mundial, solicitá-se que o empreendedor estude a possibilidade/viabilidade de comercialização dessa "lama" e não a destinação para pilha de fosfogesso.
21- O Ibama também fez sugestões de forma a reduzir o impacto ambiental do empreendimento, como reelaborar o item alternativas locacionais, apresentando diferentes alternativas estudadas. O Ibama aponta que no EIA apresentado pela empresa têm-se unicamente premissas relacionadas ao meio físico e biótico, não tendo sido apresentada nenhuma premissa relacionada ao meio socioeconômico.
22- Caso seja possível dar outra destinação à "lama" enriquecida em Th e Elementos Terras Raras, verificar a possibilidade de comercialização parcial ou total do fosfogesso como insumo agrícola ou outros usos, tais como condicionador de solos, construção civil, indústria cimenteira e como fonte de sulfato em aplicações industriais.
23- Quanto à Área Diretamente Afetada, a empresa deve realizar e apresentar o monitoramento da espécie Futipterus horrens (espécie de morcego), com definição de sua área de vida e verificação da necessidade de ajustes na Área de Influência Direta (AID) e Área Diretamente Afetada (ADA) e correções no EIA.
24- Quanto às Áreas de Influência do Meio Socioeconômico, questiona o fato de o EIA ter erro metodológico ao não apresentar dimensões corretas e questiona a exclusão na análise ambiental a interação comunidade-ambiente que a envolve, desconsiderando, por exemplo, o modo de vida local e a utilização dos recursos naturais pelas comunidades.
25- Ibama questiona dados sobre clima e meteorologia, já que o estudo da empresa apresenta lacuna de dados sem explicitar o motivo.
26- Questiona também estudos de qualidade do ar, como a falta de justifica sobre a escolha dos pontos de medição, cobrando ainda adequações para nova legislação, que estabeleceu padrões de qualidade do ar.
27- Os aspectos de ruído e vibração são alvos de questionamento do Ibama, pois os valores aferidos têm potencial de extrapolar a vibração natural e gerar incômodo à população, aspecto que não é abordado no estudo, sendo a empresa cobrada por nova campanha de vibrações.
28- Sobre o mapa que apresenta aspectos de geomorfologia, o Ibama cobra a reapresentação dos dados, com legenda corrigida. Da mesma foram dados, mapas e quadros sobre Pedologia, Caracterização Química dos Valores de Base para os Solos, Geotecnia, Dados Geofísicos, Geologia Local, Geologia da Área da Jazida, Hidrogeologia, Espeleologia, além do Estudo de Dispersão Atmosférica (EDA).
29- Ibama questionou informações sobre a eficiência amostral apresentadas no EIA sobre amostragem de aves, como espécies ameaçadas e protegidas pela legislação internacional e/ou federal e/ou estadual, e peixes, realizando as amostragens com poças temporárias cheias e pelo menos após transcorrido de um a dois meses de início das chuvas.
30- Solicitou a identificação e avaliação de impactos ambientais sobre o impacto de perturbação da fauna, assim como apresentar a localização de viveiro a ser instalado, assim como realização de procedimentos veterinários de maior complexidade, levando em consideração a área a ser desmatada para construção.
31- A metodologia utilizada na identificação da Área de Estudo não conseguiu aferir precisamente a dinâmica territorial (para delimitação) e ambiental (para avaliação de impacto). O Ibama aponta inconsistências significativas e carência de demonstração de evidências em alguns casos, considerando dados de 2021 (época de pandemia) e não levando em consideração todas as comunidades impactadas. É cobrado um novo diagnóstico socioambiental participativo, apresentando evidências recentes e completas de todas as comunidades.
32- Exclusão do Açude Edson Queiroz da Área de Influência prejudica melhor análise dos impactos sinérgicos a partir do funcionamento da adutora.
33- Realizar trabalho de campo junto às comunidades indígenas, com acompanhamento de antropólogo, utilizando ferramentas como etnomapeamento e etnozoneamento, de modo a trazer elementos técnicos adicionais ao processo que possam contribuir para análise da viabilidade do Projeto Santa Quitéria.
34- O EIA não identifica as potencialidades locais de desenvolvimento territorial, inclusive as fomentadas pela economia popular tradicional na agricultura, pecuária, apicultura, pesca e artesanato.
35- A complementação deverá apresentar estudos do valor monetário da produção agrícola para o autoconsumo e para a comercialização das comunidades impactadas, com especial atenção aos principais cultivos (fava, milho e feijão), tendo em vista a provável perda de produtividade e de mercado.
36- O novo diagnóstico socioambiental participativo deverá realizar o levantamento dos povos e comunidades tradicionais, de acordo com Decreto Estadual nº 36.036/2024, como povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, marisqueiras, povos de terreiro, povos ciganos, extrativistas e povos serranos.
37- O empreendedor deverá se manifestar quanto aos questionamentos e inconsistências indicadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Ministério Público Federal (MPF).
Fonte: Ibama/Parecer Técnico nº 135/2025-Comip/CGTef/Dilic/Parecer Técnico nº 133/2025
Licença
O POVO entrou em contato com a Semace, a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) e Casa Civil para se manifestar sobre o assunto, mas não obteve retorno
Ibama
O Ibama também foi questionado pelo O POVO sobre a opção de pedir informações extras e não o indeferimento do projeto, mas não houve retorno
Falhas e pedidos de correção apontados pelo Ibama
1- Caso seja realizada alguma cavidade oclusa durante a implantação das fundações da instalação industrial, ou mesmo durante o desenvolvimento da lavra, as obras deverão ser paralisadas até que seja realizada uma avaliação da cavidade e do seu grau de relevância.
2- Reavaliar o sistema de impermeabilização da área esclarecendo sua eficácia, robustez e durabilidade.
3- Em relação ao abastecimento de água, definir nova forma de abastecimento durante a implantação do projeto Santa Quitéria, uma vez que o abastecimento via caminhões pipa e, secundariamente, por água subterrânea, foi considerado inviável pela equipe técnica.
4- Em relação ao fornecimento de energia elétrica, considerando que o uso de geradores implica na queima de combustíveis fósseis, a equipe técnica solicita que seja verificada a possibilidade do abastecimento por meio da linha de transmissão já existente.
5- Em relação a transporte, é solicitado ao empreendedor esclarecer se a infraestrutura das estradas terá condições de atender ao aumento de tráfego e apontar medidas para minimizar tal impacto.
6- Sobre a geração de efluentes líquidos e gasosos e resíduos na instalação de urânio, Ibama solicita que seja confirmado que os demais elementos não foram detectados pelos métodos de análise aplicáveis, ainda que presentes em traços, e se tal situação não compromete a destinação pretendida.
7- É questionada a falta de esclarecimentos sobre como será a drenagem das águas oriundas do rebaixamento do lençol freático
8 - Empreendedor deve esclarecer se realmente existe a possibilidade de uso de água subterrânea para abastecer o projeto.
9- Quanto às áreas de influência do meio socioeconômico, questiona o fato de o EIA ter erro metodológico ao não apresentar dimensões corretas. Questiona a exclusão na análise ambiental da interação comunidade-ambiente que a envolve, desconsiderando, por exemplo, o modo de vida local e a utilização dos recursos naturais pelas comunidades.
10- A metodologia utilizada na identificação da área de estudo não conseguiu aferir precisamente a dinâmica territorial (para delimitação) e ambiental (para avaliação de impacto). O Ibama aponta inconsistências significativas e carência de demonstração de evidências em alguns casos.