Os gastos com energia voltaram a subir, pressionando a inflação e o orçamento das famílias. Com o fim do bônus de Itaipu, o item foi o que mais pesou no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) de setembro, alta de 12,17%.
Para este mês, embora tenha ocorrido um alívio com a redução da bandeira vermelha de patamar 2 para 1, a cobrança extra segue elevada, com adicional de R$ 4,46 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Diante dessa realidade, a eficiência energética torna-se não apenas necessária, mas uma aliada no cotidiano, contribuindo para a redução de gastos e a preservação dos recursos naturais.
George Alves Soares, gerente do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), explica que a eficiência energética é um conjunto de ações que visam otimizar o uso das fontes de energia.
Segundo ele, "a utilização racional de energia, às vezes chamada simplesmente de eficiência energética, consiste em usar de modo eficiente a energia para se obter um determinado resultado".
“A eficiência energética, segundo a Agência Internacional de Energia, tem um papel-chave no alcance das metas globais de sustentabilidade. Ela está relacionada, por exemplo, à redução das emissões de gases do efeito estufa, ao combate à poluição do ar, à diminuição da pobreza e ao orçamento público, entre outros”, exemplifica Soares.
Desde 1985, o Procel investiu R$ 3,15 bilhões nesse processo, o que resultou em uma redução de custos no sistema elétrico da ordem de R$ 42,8 bilhões. “Para cada real investido, a sociedade teve R$ 14 como retorno”, aponta.
Pequenas mudanças, como trocar lâmpadas incandescentes por modelos de LED, instalar sensores para o desligamento automático de luzes e usar o chuveiro de forma estratégica, podem fazer uma grande diferença na conta de luz e na sustentabilidade do planeta.
Aproveitar a luz natural do sol ao abrir cortinas e janelas também ajuda a economizar energia. Além disso, é importante desligar os eletrônicos da tomada e evitar deixá-los no modo stand-by, evitando assim o desperdício desnecessário.
Outro ponto importante é a manutenção regular de equipamentos como geladeiras e aparelhos de ar-condicionado, que garante maior eficiência e menor gasto energético.
No transporte, atitudes como evitar acelerações e freadas bruscas também são recomendadas para o consumo consciente de combustível.
No Brasil, existe o Selo Procel, uma certificação que indica que um produto ou equipamento possui alta eficiência energética, ou seja, consome menos energia para desempenhar sua função, contribuindo para a economia de energia e a redução do impacto ambiental.
Ele ajuda os consumidores a identificar as opções mais sustentáveis e eficientes no mercado, incentivando o uso de tecnologias que respeitem os recursos naturais.
“O selo promove o uso racional de energia, contribuindo para a redução do impacto ambiental e o cumprimento de metas de sustentabilidade, como as previstas em políticas públicas e acordos climáticos. O Brasil, ao longo dos anos, vem consolidando experiências de implementação e montando uma boa infraestrutura de suporte para a implantação massificada, no caminho de promover uma transição energética justa. Estamos preparados para um grande salto em eficiência energética”, diz Soares.
Outra pauta diretamente relacionada à eficiência energética são as altas temperaturas, que intensificam a demanda por sistemas de climatização, tornando o setor de aquecimento, ventilação, ar-condicionado e refrigeração (HVAC-R) essencial para o conforto térmico em ambientes residenciais, comerciais e industriais.
Ana Maria Carreño, diretora de clima da Clasp, acredita na possibilidade de se produzir eletrodomésticos, produtos de iluminação e equipamentos economicamente acessíveis, de baixo impacto e de alta qualidade.
Isso, segundo ela, pode ser feito por meio do desenvolvimento de políticas com padrões mínimos de desempenho energético, métodos de testes, etiquetas comparativas e selos de aprovação.
Ela também destaca a importância da “avaliação de produtos e padrões de qualidade em países que necessitam de infraestrutura e apoio nessas atividades. E, ainda, da pesquisa, inovação e desenvolvimento de mercado em países que precisam desenvolver seus ecossistemas de inovação para promover o acesso à energia".
Segundo a executiva, o Brasil tem um papel fundamental no setor HVAC-R, em virtude do seu posicionamento político, comercial e diplomático, que faz do país um interlocutor ideal em fóruns multilaterais, além do alinhamento com a política de neoindustrialização.
“É preciso adensar as cadeias industriais para a transição energética, com vistas à autonomia, à eficiência energética e à diversificação da matriz brasileira, e expandir a capacidade produtiva da indústria brasileira por meio da produção e da adoção de insumos, inclusive materiais e minerais críticos, tecnologias e processos de baixo carbono”, observa Ana.
A diretora da Clasp ainda ressalta que o Brasil tem algumas vantagens em relação a outros países do Sul Global que também fabricam equipamentos para climatização e refrigeração, além da China. Entre elas, a capacidade produtiva para atender a um mercado de grande porte, embora ainda enfrente desafios para exportar.
O país também conta com uma cadeia de componentes relativamente estruturada, que pode se aprimorar rapidamente, e com um sistema de inovação desenvolvido e muitos incentivos para desenvolver aparelhos ecológicos.
“O Brasil pode exportar equipamentos e componentes de alto valor agregado para outros países do Sul Global ou enfrentar novas barreiras regulatórias no mercado internacional”, conclui a especialista em clima.
Indústria abre caminho para um ecossistema mais competitivo e menos poluente
A indústria tem buscado avançar na eficiência energética por meio de equipamentos e processos mais eficazes. As chamadas indústrias verdes já se mostram ativas, entre elas, os data centers modernos e a produção de hidrogênio verde estão desenvolvendo projetos alinhados à eficiência e à sustentabilidade, abrindo caminho para um ecossistema industrial mais competitivo e menos poluente, afirma Joaquim Rolim, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec).
“A adoção de tecnologias industriais com maior eficiência energética permite melhorar o valor para acionistas e para a sociedade. Afinal, possibilita a produção de mais com um menor uso de energia por unidade produzida”, analisa o especialista.
Entretanto, ele acredita que o Brasil poderia ir além dos objetivos relacionados à eficiência energética. O Plano Decenal de Expansão (PDE) do setor de energia, revisado anualmente pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia (MME), projeta uma melhoria de eficiência energética equivalente a 6,7% para os próximos dez anos.
Em contraste, a União Europeia prevê uma melhoria bem mais ambiciosa, de pelo menos 11,7% até 2030, em comparação com os dados de 2020. Esse hiato evidencia a necessidade de políticas públicas, incentivos e investimentos maiores para alcançar ganhos em eficiência.
No Ceará, Rolim destaca que a Fiec tem demonstrado sensibilidade ao tema. “Por exemplo, as melhorias de eficiência energética realizadas no edifício-sede da entidade proporcionaram uma redução de aproximadamente 30% no consumo de energia nos últimos dez anos. Além disso, foi instalada uma unidade de carregamento para veículos elétricos no mesmo prédio, acompanhada de outras ações por meio das Casas Senai e do Instituto Euvaldo Lodi (IEL). Essas iniciativas revelam o compromisso regional com práticas mais eficientes e com a transição para formas de consumo de energia menos intensivas”, descreve.
O Senai Ceará também tem desempenhado um papel relevante ao oferecer, por meio do Instituto Senai de Tecnologia do Ceará, consultorias de eficiência energética às indústrias do Estado, conta o gerente da Fiec.
Entre as principais linhas de fomento, destacam-se o Sebrae Tech e o Brasil Mais Produtivo, iniciativas do Governo Federal que visam apoiar micro e pequenas empresas a aumentar a produtividade por meio da eficiência energética. Desde o ano passado, foram realizados 129 atendimentos apenas nessa linha, diminuindo uma demanda crescente por orientação técnica e transformação de processos.
“A eficiência energética não é apenas uma exigência ambiental, mas um eixo estratégico que impacta competitividade, inovação e qualidade de vida. Investir em eficiência significa reduzir desperdícios, melhorar a produtividade e gerar empregos inovadores”, diz Rolim.
Ele acrescenta que, ao avançar em projetos de eficiência, ganhamos em resiliência operacional, menor exposição a volatilidades de preço de energia e, sobretudo, valor para a sociedade, que se beneficia de produções mais limpas e de custos industriais mais otimizados.
As ações em curso no Ceará apontam para uma agenda concreta com maior integração entre indústria, educação e inovação, visando à melhoria contínua em eficiência energética, uso de energias renováveis e digitalização de processos.
O caminho, contudo, requer alinhamento entre políticas públicas, incentivos fiscais, financiamento de longo prazo e capacitação de mão de obra. Em resumo, Rolim afirma que a combinação entre tecnologia, governança e educação pode transformar o setor industrial brasileiro em uma referência global de eficiência, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país e para o bem-estar das comunidades.
Valor
Joaquim Rolim afirma que, ao avançar em projetos de eficiência, o Brasil avança em resiliência operacional, menor exposição a volatilidades de preço de energia e, sobretudo, valor para a sociedade
Como a eficiência energética atua no dia a dia
O que é eficiência energética?
É o uso inteligente da energia, fazer mais com menos. Ou seja, obter o mesmo resultado, ou até melhor, com menor consumo de energia elétrica, térmica ou mecânica.
Por que eficiência energética é fundamental?
• Reduz custos operacionais e melhora a competitividade econômica
• Preserva o meio ambiente, ao evitar o uso desnecessário de recursos naturais
• Desonera o sistema elétrico, reduzindo a necessidade de expansão da geração e da infraestrutura
• Contribui para a sustentabilidade urbana e industrial, com menos poluição e menor pegada de carbono
• Ajuda a combater o desperdício, promovendo um consumo mais racional e consciente
Setores-alvo para ações de eficiência energética
setor / Exemplos de medidas de eficiência energética
Edifícios Residenciais e Comerciais- Iluminação eficiente (LED)
- Equipamentos com selo de eficiência
- Isolamento térmico e ventilação natural - Uso racional de climatização e água quente
Indústria- Controle de combustão em caldeiras e fornos
- Recuperação de calor
- Motores e bombas de alta eficiência
- Gestão energética e manutenção preventiva
Transporte- Substituição de frotas antigas
- Manutenção veicular regular
- Incentivo ao transporte coletivo e à mudança modal (rodoviário ferroviário)
Geração e Conversão de Energia- Modernização de turbinas e caldeiras
- Cogeração (eletricidade + calor)
- Recuperação de calor residual e melhorias em sistemas de controle
Transmissão e Distribuição- Redução de perdas técnicas
- Sistemas de controle e automação (SCADA)
- Equipamentos modernos (transformadores, isoladores) e manutenção preventiva
Preparação de Recursos- Tecnologias de carvão limpo
- Substituição de combustíveis fósseis por renováveis (solar, eólica, biomassa, etc.)
Linha do tempo da política brasileira em eficiência energética
1984/1985Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE)
Programa de Conservação Nacional de Energia (Procel)
1993Selo Procel
2000Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente (ReLuz)
Programa de Eficiência Energética da ANEEL (PEE)
2001Energética (Lei 10.295) – Índices Mínimos de eficiência energética
2011Publicação do Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf)
2021ENBPar assume o Procel
Fonte: Collaborative Labeling and Appliance Standards Program (Clasp)