A primeira fase da Reforma Tributária já começa a valer em janeiro de 2026 e ainda há um número significativo de empresas sem preparo para operar no novo modelo. Segundo levantamento da Invent Software — fornecedora de soluções fiscais que atende mais de 3 mil companhias — mais de 50% dos clientes ainda não estão prontos para emitir documentos fiscais dentro das novas regras.
A mudança envolve a adaptação de ERPs - Sistemas de Planejamento de Recursos Empresariais (do inglês, Enterprise Resource Planning), que são softwares que integram e automatizam os processos de uma empresa, como finanças, RH, vendas e logística, em uma única plataforma; atualização de processos internos; e a capacidade de lidar com novos layouts de notas fiscais.
O novo modelo, baseado no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), promete simplificar tributos sobre consumo, mas deve alterar rotinas contábeis, fiscais e operacionais.
Para boa parte das empresas, especialmente as de médio porte, o desafio está menos no cálculo do novo imposto e mais na adequação dos sistemas que recebem, validam e processam documentos enviados por fornecedores.
A partir de 2026, qualquer falha nessa cadeia pode interromper rotinas de faturamento, contas a pagar e controle de créditos tributários — com impacto direto no fluxo de caixa e no risco de paralisação operacional.
De acordo com o contador e empresário contábil, Marcos Lima, a reforma tributária brasileira, regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, traz impactos significativos para a contabilidade das empresas.
Marcos é representante do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Ceará (CRC-CE) junto ao projeto que criou a norma regulamentadora da Reforma Tributária do Brasil. Ontem, ele integrou o painel “Impactos Contábeis da Reforma Tributária”, do seminário sobre o tema que aconteceu na sede do Conselho.
A principal mudança é a substituição de tributos PIS, COFINS, ICMS e ISS pelo IBS e CBS. A transição será gradual — de 2026 a 2033 —, mas as novas regras começam a valer em 1º de janeiro de 2026.
Especialistas estimam uma “corrida caótica” entre janeiro e junho do próximo ano, com empresas tentando adaptar sistemas de gestão, precificação e planejamento fiscal. 2026, será o ano-teste com alíquotas reduzidas e apuração paralela; 2027-2028. a CBS vai substituir PIS/COFINS e começa a extinção gradual de ICMS e ISS. A transição completa para IBS e CBS acontecerá em 2029-2032.
“Inicialmente, em 2026, as alíquotas serão de 0,1% para IBS e 0,9% para CBS, mas devem aumentar gradualmente”, explica Marcos Lima.
Em essência a reforma exige que as empresas atuem como cirurgiões meticulosos em seus sistemas fiscais. Elas devem primeiro treinar suas equipes (o corpo médico), depois alinhar os cadastros e fluxos fiscais (o diagnóstico), e, por fim, utilizar ferramentas avançadas como a IA (o equipamento de alta precisão) para gerenciar a transição gradual e complexa dos cinco tributos atuais (ICMS, ISS, PIS/COFINS) para apenas dois novos (CBS e IBS).
Marcos Lima explica que o impacto imediato para as empresas é a reestruturação dos processos tributários. “Esses processos passam desde a análise de cadastro de produtos das operações fiscais dos fornecedores para, então, eu começar a fazer simulações de custos tributários”, comenta.
Segundo ele, a tendência é que alguns segmentos indústrias e atacadistas tenham estabilidade de custo tributário. “Os varejistas tendem a ter uma alteração para cima inclusive, mas os prestadores de serviço deverão ter um grande impacto, porque neste caso os serviços serão os mais afetados a nível de custo efetivo”, informa.
Marcos afirma que a economia brasileira ainda não está preparada para receber as mudanças introduzidas pela reforma tributária. No entanto, essa falta de preparo inicial é mitigada pela característica de adaptabilidade dos agentes econômicos no país.
"Eu diria que a economia brasileira ainda não está preparada para essa mudança. Mas o empresário e o contador são muito resilientes. Nós sempre trocamos o pneu com o carro andando, né? Portanto, nós somos resilientes desse modelo e com certeza nós estaremos preparados para os próximos anos", pontua.
Com a reforma tributária, o setor de Serviços — que representa cerca de 70% do PIB brasileiro — enfrenta um ponto de inflexão. As mudanças prometem maior transparência e simplificação a longo prazo, mas, no curto prazo, significam um choque de competitividade especialmente entre as empresas do Simples Nacional que atuam no segmento B2B (Business-to-Business), que se refere a transações comerciais entre duas empresas, e não diretamente para o consumidor final.
Neste modelo, uma empresa fornece produtos ou serviços para outra, como no caso de uma indústria que vende peças para outra indústria, ou uma empresa de software que vende soluções para outras empresas.
A menos de dois meses da entrada em vigor das novas regras, a reforma tributária promete transformar de forma profunda o ambiente de negócios no país — e o setor de serviços será um dos mais impactados.
Advogados, consultores, contadores, jornalistas, médicos, dentistas e outros profissionais liberais podem ver a carga tributária praticamente triplicar, com efeitos diretos sobre preços, competitividade e estrutura de custos.
Atualmente, a maioria das empresas de serviços paga cerca de 8,65% de impostos, somando ISS (5%) e PIS/Cofins (3,65%). Com a reforma, essa alíquota poderá chegar a 28%, segundo projeções de especialistas. Mesmo com a previsão de uma redução de 30% sobre a alíquota final para profissionais regulamentados por conselhos de classe (como OAB, CRM, CREA e outros), a carga mínima ainda deve ficar próxima de 20% — mais que o dobro do cenário atual.
“No melhor dos casos, o imposto vai dobrar; no pior, triplicar”, alerta Pedro Schuch, sócio-diretor do Tax Group, uma das firmas líderes do mercado tributário no Brasil.
A mudança coloca pequenas e médias empresas (PMEs) em uma posição particularmente delicada. Embora o Simples Nacional mantenha as atuais alíquotas, empresas deste regime podem perder competitividade frente a concorrentes do Lucro Presumido. Isso porque, nas novas regras, quem compra de empresas do Simples não poderá aproveitar créditos tributários — o que encarece seus serviços.
Na prática, se duas empresas oferecem o mesmo serviço por R$ 100, a que estiver no Lucro Presumido permitirá que o contratante abata cerca de R$ 20 em créditos tributários, reduzindo o custo líquido para R$ 80. Já o prestador do Simples continuará custando R$ 100. Assim, ou ele reduz o preço ou perde competitividade no mercado B2B.
“A reforma praticamente aniquila os prestadores de serviço do Simples que atuam no mercado corporativo. Toda empresa quer tomar crédito. Se o fornecedor não dá, perde espaço”, alerta Pedro Schuch.
Com a nova sistemática, empresas contratantes devem revisar contratos e recadastrar fornecedores para avaliar o impacto dos créditos tributários. Muitos poderão pressionar seus parceiros para migrarem de regime tributário ou renegociarem preços. O efeito em cadeia deve movimentar advogados, contadores e departamentos financeiros de milhares de empresas.
“A reforma é, antes de tudo, uma reforma de preços. As empresas vão precisar abrir suas estruturas de custo, rever margens e entender o efeito líquido dos impostos sobre o valor final. É uma mudança de paradigma”, ressalta Schuch.
Para sobreviver no novo ambiente, as PMEs precisarão investir em planejamento tributário, tecnologia e governança. O desafio não será apenas pagar mais impostos, mas compreender a nova lógica de créditos, alíquotas e repasses de custo ao cliente.
“Hoje, 95% dos prestadores de serviços não têm noção do que vai acontecer. Os que estão preparados, estão assustados. É o momento de buscar orientação e se planejar”, alerta Pedro Schuch.