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Adeus a Maradona: o mais humano dos deuses
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Adeus a Maradona: o mais humano dos deuses

Craque argentino morre aos 60 anos e deixa legado de gênio do futebol e maior ídolo argentino no esporte. Eterno camisa 10 colecionou títulos e polêmicas em vida de excessos
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Capa - Diego Maradona (Foto: Carlus Campus)
Foto: Carlus Campus Capa - Diego Maradona

A glória e a tragédia caminharam juntas na trajetória de Diego Armando Maradona. "O mais humano dos deuses", como definiu o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940–2015), morreu ontem aos 60 anos após parada cardiorrespiratória. É o ponto final da história em vida do maior ídolo do futebol argentino, repleta de altos e baixos. O legado do Pibe de Oro, entretanto, não acaba. É eterno.

Maradona estava se recuperado de delicada cirurgia no cérebro, realizada no começo do mês. Ele não resistiu ao mal súbito e morreu na própria casa, situada em Tigre, zona metropolitana de Buenos Aires. O governo argentino declarou luto oficial de três dias. O corpo do eterno camisa 10 será velado na Casa Rosada, sede da presidência da Argentina.

El Diez teve uma vida carregada de excessos, dividida entre a faceta do gênio divino do futebol e da imperfeição humana. Trajetória marcada por dribles e gols memoráveis, como La Mano de Dios, quando marcou sobre a Inglaterra usando a mão para vencer a disputa aérea com o goleiro inglês Peter Shilton, na Copa do Mundo de 1986. No mesmo jogo, passou por metade do time da Inglaterra, inclusive pelo arqueiro, para fazer o "gol do século".

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Naquele Mundial, Maradona mostrou o melhor do seu repertório "mágico" e carregou nas costas o frágil escrete argentino ao bi na Copa do Mundo. Desempenho histórico para colocá-lo na prateleira dos deuses do futebol.

Don Diego transformou o Napoli, clube tradicional da Itália, mas sem expressão no Velho Continente em termos de conquistas, numa potência europeia na época. O camisa 10 provocou uma revolução entre 1984 e 1991 e levou os celestes ao primeiro título do Campeonato Italiano, considerado então a liga mais forte disparada, e da Copa da Uefa, entre outros.

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O craque argentino disputou, durante a carreira como jogador, quatros Mundiais, entre 1982 e 1994. Na edição seguinte ao bi da Argentina, comandou a seleção até o vice em 1990 — Copa que ficou marcada para o Brasil pela dolorosa eliminação para os hermanos, que teve passe de Maradona e gol de Caniggia.

Diego vestiu ainda as camisas de equipes como o Boca Juniors, onde fez história, e o Barcelona, em que teve menor brilho. Foi ainda treinador, sendo o comandante da Argentina na desastrada Copa do Mundo de 2010, quando fez parceria com Lionel Messi. Até ontem era técnico do Gimnasia y Esgrima, mas estava afastado por questões de saúde.

Paralela à carreira, Maradona colecionou polêmicas e precisou driblar a morte em meio ao vício em drogas e o consumo excessivo de álcool. Por uso de cocaína, ele chegou a ser suspenso após ser pego no doping em 1991, quando era o ídolo máximo no esporte, campeão mundial e Rei de Nápoles.

Flertou com a morte nos anos 2000. Por duas vezes, o mundo quase se despede de forma precoce de Dieguito. Em uma delas, teve um ataque cardíaco devido a overdose, quando estava hospedado em um resort em Punta Del Leste, no Uruguai.

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"Diego Armando Maradona foi adorado não apenas por causa de seus prodigiosos malabarismos, mas também porque era um deus sujo, pecador, o mais humano dos deuses. Qualquer um podia reconhecer nele uma síntese ambulante das fraquezas humanas: mulherengo, beberrão, comilão, malandro, mentiroso, fanfarrão, irresponsável", escreveu Eduardo Galeano sobre o craque argentino no livro "Espelhos: uma História Quase Universal".

Colunista do Uol Esporte e comentarista do BandSports, o jornalista Julio Gomes acredita que o lado humano do argentino potencializou ainda mais a figura de Maradona. Para ele, que cobriu de perto El Pibe como treinador da Argentina na Copa de 2010, El Diez não é nem o segundo melhor de todos os tempos, mas é o maior personagem que o futebol já teve.

"As pessoas se comovem. Isso gera julgamento para o bem e para o mal. As críticas e os próprios elogios de quem se identifica, de pessoas que têm problemas com drogas. O fato de Diego ter tido muitos problemas, e eram problemas dele, que não geravam problemas nos outros, fez com que muito mais gente o idolatrasse", explica Julio.

Para o cantor cearense Raimundo Fagner, que tem forte ligação com o futebol e amizade com grandes nomes do esporte, como Zico e Pelé, as polêmicas vivenciadas por Maradona nunca tiraram o brilho do que fez o jogador dentro de campo. "Ele representa bem o argentino, do lado tango, da tragédia que confunde entre o lado humano e da genialidade. Reforçou que os mitos também são humanos."

 

Diego Armando Maradona completou 60 anos no dia 30 de outubro de 2020
Diego Armando Maradona completou 60 anos no dia 30 de outubro de 2020

Diego Armando Maradona, o mais humano dos deuses

Quando se fala de futebol, podemos deixar de lado o monoteísmo que herdamos do Cristianismo e abraçar o politeísmo. É possível, sim, que haja mais de um Deus futebolístico. Embora católica, sempre tive esse pensamento firme comigo dentro do esporte. No futebol, considero nesse status Pelé, Garrincha, Maradona, Marta e Messi.

Quando coloco algum jogador no status de Deus, penso que os feitos de tal serão eternos, assim como ele e todo seu futebol. O grande problema de colocar alguém nesse patamar é aceitar que, como qualquer ser humano, ele não é eterno ou mesmo perfeito.

Diego Armando Maradona Franco nunca fez questão de ser perfeito. Falastrão e zombador, não suportava que contestassem sua genialidade no futebol ou que colocassem outro em seu patamar. Talvez ele tenha sido o mais falho entre os humanos que conheci — ainda que a distância. A imperfeição, contudo, é fácil de aceitar. A finitude não.

Ser falho num mundo onde as pessoas procuram a tal (inexistente) perfeição é ato de coragem e isso Maradona sempre teve. Foi tão corajoso que até tentou vingar a Guerra das Malvinas com um gol de mão em quarta de final de Copa do Mundo. Teve força para defender seus ideais políticos contra tudo e contra todos, até mesmo contra a Fifa, que insiste na alienação. Entretanto, ter coragem nem sempre é o bastante para vencer a batalha contra a dependência química.

Maradona tentou, mas nesse jogo ele perdeu, de forma mais trágica do que os outros vários que todo jogador — humano ou divino — perde.

Este revés, porém, não se resume ao D10S. Todo fã de futebol saiu dessa partida derrotado. Afinal, Maradona sempre nos lembrou que deuses do futebol eram falhos e agora Ele nos mostra que também não são imortais. Infelizmente.

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