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Discriminação a Gérson, do Flamengo, não é fato isolado no futebol
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Discriminação a Gérson, do Flamengo, não é fato isolado no futebol

Outras situações de discriminação e injúria racial aconteceram no meio do esporte mais popular do país em 2020. No mundo, casos movimentaram o meio esportivo
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Jogadoras da WNBA apoiam o movimento "Vidas Negras Importam" usando camisas com a frase em quadra
 (Foto: Ned Dishman / NBAE / Getty Images via AFP)
Foto: Ned Dishman / NBAE / Getty Images via AFP Jogadoras da WNBA apoiam o movimento "Vidas Negras Importam" usando camisas com a frase em quadra

Na noite deste domingo, 20, a partida emocionante entre Flamengo-RJ e Bahia, pelo Campeonato Brasileiro, que acabou com vitória rubro-negra por 4 a 3 acabou ofuscada por episódio lamentável. O meio-campista Gérson, do Fla, acusou o atacante Juan “Índio” Ramirez, do Esquadrão, de ter dirigido a ele uma injúria racial. De acordo com o flamenguista, o colombiano se dirigiu a ele com a frase "cala a boca, negro" em discussão entre os dois atletas.

O caso teve repercussão imediata. Logo após a partida, quando o atleta do Flamengo relatou a injúria à imprensa, alguns clubes brasileiros, por meio de suas redes sociais, manifestaram apoio à situação do jogador. Rivais como Vasco, Botafogo e Fluminense, além do próprio Flamengo e vários outros times nacionais fizeram postagens em defesa de Gérson e de repúdio ao racismo.

O Bahia, por sua vez, anunciou demissão do treinador Mano Menezes, que minimizou o caso ainda em campo. Além disso, a equipe baiana afastou Ramírez até que a apuração do ocorrido seja concluída. Segundo nota oficial do clube, o presidente Guilherme Bellintani ligou para Gérson para prestar solidariedade. 

Alguns atletas também manifestaram empatia com a situação. No futebol cearense, dois personagens de clubes rivais, Ceará e Fortaleza, atuaram de formas diversas para expor o apoio. Após marcar um gol no Clássico-Rei deste domingo, o atacante Cléber, do Vovô, comemorou fazendo o gesto denominado “vapo”, popularmente utilizado em celebrações do meio-campista flamenguista.

Do lado tricolor, o zagueiro Paulão, após ser informado do caso em entrevista pós-jogo, foi enfático na crítica a Ramírez. “Eu não consigo entender o que se passa na cabeça de uma pessoa dessas. Ainda mais na Bahia, onde eu moro, que a maior parte das pessoas é negra. É muito difícil falar sobre isso. Gérson, passo meu apoio, irmão. A cor é forte”, ressaltou.

O caso de Gérson está longe de ser isolado, seja na sociedade, seja dentro de campo. Somente até agosto deste ano, data do último levantamento divulgado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, pelo menos 15 casos de racismo foram detectados no futebol brasileiro.

Somente em dezembro alguns casos de discriminação repercutiram nacionalmente. Em uma competição de base na cidade de Caldas Novas, Goiás, Luiz, de 11 anos, reportou injúria racial durante uma partida. O treinador da equipe dele, Adriano Santos, denunciou o caso. Após tomar ciência disso, o Santos-SP convidou o garoto para fazer testes no Peixe em 2021.

Na Série A-2 do Campeonato Sergipano, Talles Silva, do Atlético Gloriense, também relatou ter sofrido discriminação diante do Santa Cruz-SE, pelas quartas de final da competição. Confusão foi iniciada em campo por conta disso e atleta supostamente responsável terminou expulso.

Nas redes sociais, terreno fértil para manifestações intolerantes, o atacante do Santos-SP, Marinho, foi atacado, com teor racista, por uma suposta torcedora do Grêmio pelo Twitter. O atleta rebateu com ironia, citando a classificação do Peixe em cima do Tricolor Gaúcho na Libertadores.

Marcelo Carvalho, fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, aponta que esporte é um reflexo da sociedade. “A gente precisa entender que atletas de futebol são pessoas comuns, contraditórias, assim como cada um de nós que comete erro, acerta. Dentro dessa ideia, precisam se construir e se reconstruir nesse cenário. Uma posição muito importante é essa, sair de campo, entender que aquilo é errado, absurdo, violento e, mais do que isso, é seguir se posicionando, pois esse posicionamento vai ter grau, diferença”, explica.

Internacionalmente, dois casos ganharam proporções merecidas. Na NBA, em agosto, os jogadores deflagraram uma greve em protesto contra o racismo institucional. Após o assassinato de George Floyd por policiais brancos parar os EUA, o ataque a Jacob Blake mobilizou os jogadores a paralisarem atividades enquanto cobravam ações efetivas contra a discriminação. 

Voltando ao futebol, no início do mês o confronto entre PSG e Istambul Basaksehir, pela Liga dos Campeões, foi suspenso por um dia após os jogadores de ambos os times se retirarem de campo. O quarto árbitro, o romeno Sebastian Coltescu, teria se referido ao assistente técnico Pierre Webó, da equipe turca, como "negro" — em caso semelhante ao de Gérson. "Por que na hora de falar de um cara branco você diz 'esse cara' e na hora de falar de um cara negro você diz 'esse cara negro?'", questionou o atacante senegalês Demba Ba, ainda em campo.

Casos de discriminação racial no futebol

Dezembro de 2020:
- Gérson, do Flamengo, sofreu injúria racial de Ramirez, do Bahia
- Luiz, de 11 anos, sofreu injúria racial em torneio de base em Caldas Novas-GO
- Marinho, do Santos-SP, recebeu comentário com teor racista em rede social
- Pierre Webó, auxiliar do Istanbul Basaksehir, da Turquia, sofreu injúria racial de quarto árbitro em partida da Champions League diante do PSG

Novembro de 2020:
- Comentário com teor racista de Cavani, do Manchester United-ING, no Instagram para um amigo
- Nas redes sociais, o goleiro Hugo Souza, do Flamengo-RJ, recebeu xingamentos com teor racista após falha contra o São Paulo, na Copa do Brasil
- Ryan Sessegnon, do Hoffenheim-ALE, sofreu ataques racistas nas redes sociais

Outubro de 2020:
- Jogadores da equipe de aspirantes do Paysandu foram alvo de racismo após deixarem o estádio. Uma passageira de um ônibus acionou a polícia para seguir os atletas, por os considerarem suspeitos.
- Jogadora do Benfica sofreu injúria racial vinda das arquibancadas, durante a modalidade feminina da Taça de Portugal
- Wendel, ex-Fluminense, ao ser anunciado pelo Zenit-RUS, sofreu injúrias raciais nas redes sociais
- Tinga, do Fortaleza, sofreu comentário racista nas redes sociais após clássico contra o Ceará

Setembro de 2020:
- Neymar, do PSG-FRA, sofreu insulto racista de Álvaro González, do Marseille-FRA, pelo Campeonato Francês

Agosto de 2020:
- Pelotas-RS pôs cântico racista no sistema de som em partida contra o Brasil de Pelotas-RS
- Nikão, do Athletico-PR, sofreu insultos racistas nas redes sociais
- Gelson, do Remo-PA, sofreu insultos racistas nas redes sociais

Julho de 2020:
- Famara Diedhiou, do Bristol City, sofreu insultos racistas nas redes sociais após perde um pênalti

Junho de 2020:
- Malcom, do Zenit-RUS, sofreu ofensas racistas de torcedores do CSKA Moscou-RUS, equipe que sofreu dois gols de Malcom na ocasião

Março de 2020:
- Léo Tilica, do Caxias, sofreu injúria racial de torcedor do São Luiz, pelo Campeonato Gaúcho
- Torcedor do Defensa y Justicia-ARG, imitou um macaco em partida contra o Santos-SP, pela Libertadores
- Torcedor do Grêmio-RS imitou um macaco em provocação à torcida do Internacional-RS, em um Grenal

Fevereiro de 2020:
- Marega, do Porto-POR, sofreu insultos racistas de torcedores do Vitória de Guimarães-POR
- Torcedor do Penapolense-SP imitou um macaco em partida contra atleta da Portuguesa-SP
- Jogadores do Vasco sofreram ofensas raciais na Bolívia em partida contra o Oriente Petrolero-BOL, pela Sul-Americana
- Comentários racistas nas redes sociais após apresentação de David no Fortaleza
- Jordan Torunarigha, do Hertha Berlim-ALE, sofreu injúrias raciais da torcida, protestou e foi expulso
- Obi Mikel, do Trabzonspor-TUR, sofreu insultos racistas nas redes sociais de torcedores do Fenerbahce-TUR

Janeiro de 2020:
- Inaki Williams, do Athletic Bilbao, recebeu insultos racistas de torcedores do Espanyol
- Salah, do Liverpool-ING, foi injuriado racialmente por torcedor do West Ham-ING
- Jogadores do Internacional-RS sub-20 sofreram insultos raciais de atletas do Albión-URU, em torneio da base
- Injúria racial proferida por torcedor do América-MG ao zagueiro Eduardo, do Coelho
- Serjão, goleiro do Barbalha-CE, sofreu insultos racistas proferidos pela torcida do Caucaia-CE, pelo Campeonato Cearense
- Balotelli, do Brescia-ITA, sofreu insultos racistas de torcedores da Lazio-ITA
- Militão, do Real Madrid-ESP, sofreu insultos racistas de torcedores do Getafe-ESP

Fonte: Observatório da Discriminação Racial no Futebol

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