Há exatos cinco anos, o Brasil dormiu com o assustador burburinho e amanheceu com a devastadora notícia: o voo fretado que levava a delegação da Chapecoense-SC - além de jornalistas e tripulantes - da Bolívia rumo à Colômbia para um momento histórico vitimou 71 pessoas, em tragédia que comoveu os países. Desde então, o Verdão do Oeste convive com o imbróglio jurídico acerca do avião e altos e baixos área esportiva.
Era começo de madrugada no Brasil - e final de noite na Colômbia - quando surgiram os primeiros rumores de um acidente aéreo nos arredores de Medellín. As informações apontavam para o voo 2933 da LaMia, companhia aérea boliviana. O piloto relatara problemas elétricos no avião minutos antes da queda no monte chamado de Cerro El Gordo, a 2.600 metros de altitude.
A névoa intensa que cercava o local dificultou o trabalho por via aérea, com helicópteros, e o resgate só foi possível por meio terrestre, inclusive com auxílio de moradores do região, que possuíam veículos capazes de acessar o local.
A Polícia Nacional conseguiu resgatar seis pessoas com vida: o goleiro Jackson Follmann, o zagueiro Neto, o lateral-esquerdo Alan Ruschel, o jornalista Rafael Henzel, o técnico da aeronave Erwin Tumiri e a comissária de bordo Ximena Suarez. Henzel acabou falecendo no início de 2019 ao sofrer um infarto. Neto virou funcionário do clube, Alan Ruschel retomou a carreira nos campos, e Follmann passou a dar palestrar e até se aventurar como cantor.
Nas primeiras horas do dia em solo brasileiro, o país parou diante da tragédia. Das 77 pessoas que embarcaram em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, 71 tiveram as vidas abruptamente interrompidas pelo acidente, entre jogadores, funcionários, dirigentes, jornalistas e cinegrafistas. A imprensa se mobilizou para acompanhar os procedimentos em Medellín e os desdobramentos em Chapecó, enquanto o futebol paralisou ante as mortes.
O modesto clube do interior de Santa Catarina, que já encantara o Brasil pela meteórica ascensão no cenário nacional, - emendou acessos da Série D até a elite -, fazia campanha histórica na Copa Sul-Americana e iria disputar a final do torneio continental contra o Atlético Nacional, da Colômbia.
A intenção era embarcar direto de Guarulhos, em São Paulo, para a cidade colombiana no voo fretado, mas as regras da Associação Nacional de Aviação Civil (ANAC) não permitem, o que levou a Chape a redefinir a logística: partir de São Paulo para a Bolívia e, de lá, embarcar no avião da LaMia para Medellín. Tragicamente, não desembarcaram para vivenciar o feito inédito a nível internacional.
Enquanto absorver aquele duro golpe ainda era um desafio ingrato, os colombianos não mediram esforços para confortar os brasileiros e homenagear as vítimas: no dia 30, no horário em que ocorreria o jogo de ida da decisão, pouco mais de 50 mil pessoas vestidas de branco lotaram o estádio Atanasio Girardot e fizeram ecoar "vamos, vamos, Chape", com balões brancos liberados ao vento e rosas jogadas no gramado. A solidariedade grandiosa no momento de dor criou um laço inquebrantável entre as torcidas.
A cena se repetiu no Couto Pereira, em Coritiba, onde o Verdão do Oeste disputaria a partida de volta da final - a Arena Condá não comporta a capacidade de público mínima exigida. A Chapecoense-SC ainda promoveu um velório coletivo de 50 vítimas no próprio estádio em dia igualmente emocionante, com as ruas tomadas pela população debaixo de forte chuva.
Daí em diante, o desafio do clube virou se reconstruir. Em meio a processos e contestações das famílias das vítimas por indenizações e outros direitos na Justiça, a equipe alviverde foi rebaixada para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro em 2019, retornou no ano seguinte com o título e acabou novamente rebaixada na atual temporada - com péssimo desempenho.
A situação da LaMia gera um capítulo à parte neste tema. As investigações apontaram que o motivo da pane do avião foi a falta de combustível, que culminou nos problemas elétricos e na queda. O Ministério Público de Santa Catarina teve acesso a documentos e troca de e-mails que mostravam irregularidades na empresa e na contratação de um seguro.
A aeronave possuía uma apólice de seguro de US$ 25 milhões junto à Bisa Seguros, que se recusou a fazer o pagamento por alegar problemas no avião. A empresa, então, fez oferta de US$ 200 mil para cada família, mas o montante e as condições da negociação foram recusadas. Posteriormente, o valor passou para US$ 225 mil, e algumas famílias aceitaram.
Foi criada a Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Vôo da Chapecoense (AFAV-C) a fim de representar e comandar as tratativas junto às partes envolvidas. O MP ingressou com ação civil pública, com pedido de indenização de US$ 300 milhões (em torno de R$ 1,7 bilhão na cotação atual) por danos morais e materiais, e o Senado abriu uma CPI.
Em outubro de 2020, a Justiça dos Estados Unidos determinou a indenização de US$ 844 milhões (mais de R$ 4,7 bilhões na cotação atual) para parte das famílias em processo contra LaMia, Kite Air Corporation (dona da aeronave), Ricardo Albacete (sócio da LaMia) e Marcos Rocha Venegas (dono da Kite Air).
Cinco anos depois, os familiares das vítimas ainda buscam respostas acerca da responsabilidade das empresas pelo acidente e lutam pelos direitos nos tribunais. A AFAV-C é presidida por Mara Paiva, viúva do ex-jogador e ex-treinador Mário Sérgio, que era comentarista dos canais Fox Sports e viajou para a Colômbia para a cobertura da final da Sul-Americana.
Após o acidente, o Atlético Nacional aceitou ceder o título do torneio para a Chapecoense-SC, que se classificou para a Copa Libertadores de 2017. Em um ano de reconstrução, conquistou o título estadual e conseguiu nova vaga no principal torneio da América do Sul, desta vez pela boa campanha na Série A.
"Eu fui colocando na cabeça dos torcedores e dos jogadores para que eles pudessem ter consciência disso também, de que a gente não tinha que substituir os que foram embora, tinha que fazer o nosso papel, jogar, tentar fazer o melhor possível para deixar todo mundo feliz e o clube ser campeão, fazer coisas boas. Mas, consequentemente, você acaba sendo comparado com o número da camisa que estava usando. Foi bem complicado, mas também foi uma responsabilidade legal, porque a gente foi campeão catarinense em três meses e no Campeonato Brasileiro a gente conquistou uma vaga na Libertadores inédita e foi campeão do segundo turno, ganhando um troféu. Imagina, com um time que foi devastado, uma cidade inteira que foi devastada, chega no final do ano com conquistas maravilhosas", recordou o experiente atacante Wellington Paulista em entrevista às Páginas Azuis do O POVO.
Em 2019, porém, o Verdão do Oeste ficou na vice-lanterna do Brasileirão e foi rebaixado para a Segunda Divisão. Os problemas financeiros e o mau momento esportivo causavam apreensão para o futuro, mas a reação foi rápida: sob nova gestão, trilhou boa trajetória e conquistou o título nacional, garantindo a volta a elite. No penúltimo dia de 2020, sofreu novo baque: a morte do presidente Paulo Magro, uma das mais de 610 mil vítimas da Covid-19 no Brasil.
Neste ano, a Chape amarga a pior campanha história do futebol brasileiro na principal divisão, com apenas 15 pontos somados em 35 jogos - apenas uma vitória conquistada. O posto atualmente pertence ao América-RN, que fez 17 pontos em 2007, mas os catarinense podem assumir o feito negativo.
O novo rebaixamento significa a necessidade de se reerguer outra vez em 2022, dentro e fora dos campos. Com eleições à vista, Nei Maidana será candidato único e terá a missão de solucionar os problemas e reorganizar o departamento de futebol do clube que comoveu e despertou simpatia em milhares de pessoas mundo afora a partir da tragédia. Será o momento de se inspirar no verde da esperança e no branco da paz para passar todas as pendências a limpo e dar início a um período de dias melhores para Chapecó - e as famílias enlutadas.