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Violência no futebol em debate: punir clubes por brigas de torcidas é eficaz?
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Violência no futebol em debate: punir clubes por brigas de torcidas é eficaz?

Equipes costumam receber sanções dos tribunais desportivos pelos episódios de violência das torcidas organizadas, com Ceará e Fortaleza como casos mais recentes. Especialista, clubes e presidente do TJDF-CE opinam
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Cearense pode ter semifinais e até finais sem presença de público no Castelão (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Cearense pode ter semifinais e até finais sem presença de público no Castelão

As recentes punições a Ceará e Fortaleza no âmbito esportivo — com perda de mando de campo — em razão das brigas de torcidas organizadas reacendeu o debate sobre os métodos de combate à violência no futebol brasileiro por parte das autoridades, tanto de segurança pública quanto dos tribunais desportivos.

No mês passado, as arquibancadas do estádio Domingão, em Horizonte, e do Presidente Vargas, na Capital, foram palco de cenas de agressão. Na Região Metropolitana, duas organizadas do Fortaleza entraram em conflito. Já no PV, foram duas torcidas do Ceará que se enfrentaram.

Os episódios geraram reação do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Ceará (TJDF-CE): o presidente Luciano Furtado, inicialmente, determinou a suspensão dos grupos envolvidos e os espaços geralmente ocupados nas arquibancadas ficaram vazios — o Pleno manteve a sanção, mas liberando as cadeiras para ocupação do público. Já nesta semana, a Segunda Comissão Disciplinar do TJDF-CE puniu tanto o Tricolor quanto o Alvinegro com duas partidas sem presença de torcedores em razão das brigas. Os clubes vão recorrer.

"As torcidas não estão submetidas ao julgamento da Justiça Desportiva. [...] Eu posso punir a entidade. Quem é que autoriza o torcedor a entrar? Quem vende os ingressos? É a entidade", aponta Luciano Furtado ao Esportes O POVO.

"Generalizar o problema, punir o CNPJ, punir um material, ao invés de punir individualmente aqueles torcedores envolvidos em episódios violentos não gera mudanças futuras em relação a uma convivência cidadã e também em relação a uma redução de episódios de violência no futebol", diz a socióloga Raquel Sousa, pesquisadora e coordenadora da linha de Violências e Convivências do Observatório Social do Futebol da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

As punições neste sentido não são novidade na justiça desportiva. Já aconteceu com o próprio Ceará, em 2022, devido à invasão de campo e briga de torcedores no jogo contra o Cuiabá, pela Série A. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou uma sanção de oito jogos de portões fechados — o Alvinegro cumpriu cinco e, nos outros três, recebeu apenas mulheres, crianças e pessoas com deficiência.

O Sport-PE é alvo recorrente de condenações em decorrência da violência protagonizada pela torcida organizada. Aconteceu em 2022, por episódio em jogo contra o Vasco; em 2023, em pleno Castelão, na final da Copa do Nordeste, diante do Ceará; e em 2024, pelo atentado contra a delegação do Fortaleza em solo pernambucano. Esta decisão, aliás, foi um marco no STJD, uma vez que o episódio ocorreu longe da praça esportiva.

"Não considero a melhor maneira a punição para os clubes, porque a gente deve pensar a segurança nos eventos esportivos, em especial no futebol, de um modo mais amplo. Os clubes podem ser, sim, coparticipantes, mas com ações, por exemplo, preventivas, de conscientização, com formações para os torcedores, e não necessariamente uma punição", avalia Raquel.

Procurado pelo Esportes O POVO, o Fortaleza reforçou a posição que manifestou em nota oficial, em que considerou a decisão "arbitrária", criticou a "lamentável atuação dos auditores" e destacou que é "totalmente a favor que os indivíduos identificados nos atos de violência não tenham a possibilidade de entrar" nos estádios.

O Ceará, por meio do diretor jurídico Fred Bandeira, condenou "veementemente" os episódios de violência, alertou que a punição "retira daqueles torcedores de bem o direito de irem aos estádios de futebol" e apontou quatro medidas do clube como trabalho preventivo: parceria com autoridades de segurança; campanhas educativas; identificação e punição de infratores; e diálogo com torcidas organizadas.

As punições além da Justiça Desportiva

Com a escalada da violência no futebol, sobretudo fora dos estádios, as autoridades têm tentado adotar medidas mais duras para castigar os envolvidos e coibir novos episódios. O Governo de Pernambuco, por exemplo, chegou a decretar cinco jogos com portões fechados para Santa Cruz e para Sport por causa da batalha campal promovida pelas organizadas nas ruas do Recife (PE) — posteriormente, os clubes conseguiram liminar para voltar a ter público nos estádios.

No Ceará, os casos estão ficando sob os cuidados da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil. No último dia 8, horas antes do Clássico-Rei, 116 pessoas foram detidas, e 82 tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça, autuados por tumulto no âmbito da Lei Geral do Esporte, lesão corporal dolosa, associação criminosa, resistência, desobediência e corrupção de menores.

"A questão da briga de torcida parte também da questão social. Não adianta a gente tapar o sol com a peneira", reconhece Luciano Furtado, que prevê um cenário mais pacífico na reta final do Campeonato Cearense. "Acredito que, com essas prisões que ocorreram, as brigas no Campeonato Cearense vão diminuir muito", projeta.

"Tratar torcidas organizadas como organização criminosa não é, nem de perto, o melhor caminho. Existem exemplos na América Latina, como na Colômbia, em que há o que é chamado de barrismo social, ou seja, os torcedores associados em algum tipo de torcida são vistos enquanto atores públicos e políticos importantes, que são ouvidos em relação, por exemplo, à produção de legislações, são atuantes para manutenção e melhoria dos episódios de violência", opina a especialista Raquel Sousa, fazendo o contraponto.

O reconhecimento facial nos estádios

Em mais uma ação para tentar reduzir a violência no futebol, o Poder Público adotou o sistema de reconhecimento facial dos torcedores, que já existe em estádios Brasil afora, como Maracanã, Allianz Parque e Arena do Grêmio, por exemplo.

No cenário local, a Arena Castelão terá a daqui a exatamente um mês, no dia 15 de março, a partir da primeira final do Estadual. Já no PV, a Prefeitura iniciou estudos para fazer a implantação da tecnologia. O sistema é mais uma medida para identificar os responsáveis por possíveis episódios de violência dentro da praça esportiva e impedir a entrada daqueles que têm condenações — não só por brigas envolvendo o esporte.

"A partir do momento que você tem condição de não permitir que aquelas pessoas vão até o estádio e adentrem a arena, fiquem brigando do lado de fora, a briga do lado de fora ou dentro (do estádio) vai ter uma consequência, como teve na semana passada", alerta o presidente do TJDF-CE. "Com identificação facial dentro dos estádios, o que vai acontecer? Vai acabar. A gente vai acabar, no sentido de que as brigas vão ocorrer em uma pequena quantidade, não vai ter essas brigas que estão acontecendo", finaliza Luciano Furtado.

Punições recentes em tribunais desportivos por violência no futebol:

Sport x Vasco - Série B 2022 - Sport punido por seis jogos por episódios de violência na Ilha do Retiro; cumpriu três e jogou outros três com mulheres, crianças e pessoas com deficiência na arquibancada

Ceará x Cuiabá - Série A 2022 - Ceará punido por oito jogos por invasão de campo e briga da torcida no Castelão; cumpriu cinco e jogou três com mulheres, crianças e pessoas com deficiência na arquibancada

Ceará x Sport - Final da Copa do Nordeste 2023 - Sport punida por seis jogos como visitante por episódio de violência na Arena Castelão

Sport x Fortaleza - Copa do Nordeste 2024 - Sport punido por quatro jogos pelo atentado da torcida contra delegação do Fortaleza; conseguiu efeito suspensivo

Horizonte x Fortaleza - Cearense 2025 - Fortaleza punido por dois jogos por briga de torcedores na arquibancada do Estádio Domingão

Ferroviário x Ceará - Cearense 2025 - Ceará punido por dois jogos por briga de torcedores na arquibancada do Presidente Vargas

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