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Franzé D’Aurora, o artista da estátua de Santo Antônio sem cabeça de Caridade
Farol

Franzé D’Aurora, o artista da estátua de Santo Antônio sem cabeça de Caridade

As obras do escultor não se limitam ao Santo degolado. Ele tem várias esculturas espalhadas pelo Brasil
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 04-03-2024: 2 Dedos de Prosa com Francisco Barbosa, escultor da estátua sem cabeça de Caridade. (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo) (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL 04-03-2024: 2 Dedos de Prosa com Francisco Barbosa, escultor da estátua sem cabeça de Caridade. (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)

A cidade de Caridade, a 101,5 km de Fortaleza, tem uma particularidade: um santo degolado no ponto mais alto do município, o Serrote do Cágado. Obviamente, trata-se de uma estátua. Uma estátua que não tem cabeça. Assim, cabeça tem, só não está em cima do pescoço, está a quase três quilômetros do restante do corpo, em um conjunto habitacional.

Francisco Barbosa de Oliveira, 72, mais conhecido como Franzé D’Aurora, foi o responsável pelo monumento. O projeto começou a ser construído em 1984. A ideia da Prefeitura era incentivar o turismo religioso, seguindo os passos da vizinha Canindé. As obras, no entanto, foram interrompidas em 1986 por falta de recursos. A cabeça, montada em uma outra região de Caridade, nunca foi levada ao corpo. O santo ficou degolado.

Não foi falta de planejamento ou erro de cálculo. De acordo com o escultor, a cabeça foi feita distante do corpo de forma proposital. O objetivo era inovar, chamar atenção e levar notoriedade para Caridade, já que, por conta da falta de recursos, não seria possível terminar a obra em sua totalidade.

Na última semana, a Secretaria Superintendência de Obras Públicas (SOP) anunciou que o monumento deve, enfim, receber uma cabeça até o final do segundo semestre de 2024, além de um complexo cultural com um museu e outras estruturas.

O POVO, então, se reuniu com Franzé D’Aurora para um papo sobre a estrutura e sua carreira, que não se limita ao Santo Degolado. Ele já restaurou a estátua de Iracema, fez um monumento na Universidade de Fortaleza (Unifor) e tem obras espalhadas por vários estados do país.

O POVO - Como foi o início da sua trajetória como escultor? O que te inspirou a começar a produzir?

Franzé D'Aurora - Eu comecei [a produzir] inspirado pelas feiras que são muito comuns lá na minha região. Como meu próprio nome já deduz, eu nasci na cidade de Aurora, na região do Cariri. Por isso Franzé D'Aurora. Lá, existia um artesanato muito rico, principalmente o desenvolvido pela Ciça do Barro Cru, que é uma artesã. Eu acho que ela deveria ser [reconhecida], mas é esquecida. Ela fazia verdadeiras obras de arte.

Minha avó, que era viúva, também fazia [esculturas], mas muitas vezes não tinha muito tempo livre. Então, eu resolvi fazer os meus próprios brinquedos lá na margem do rio Salgado, que é o rio que banha Aurora e que eu tenho uma gratidão muito grande, porque foi onde me deram a régua e o compasso.

Daí, comecei a esculpir cavalinhos, bolinhos e, depois, a expandir fazendo figuras de homens e mulheres, fazendo Cristo na areia em um tamanho enorme. Basicamente, a feira do Cariri e o rio Salgado me inspiraram a desenvolver o meu trabalho.

O POVO - O senhor já disse que construir a cabeça do santo longe do restante do corpo foi feito de forma proposital. Não foi nenhuma confusão ou erro de cálculo. Qual foi o seu objetivo com esse gesto?

Franzé - Eu acho que tudo se resume em arte. Acho que o belo, além de lhe estimular, ele tem um sentido multiplicador e o sentido da vida é multiplicar. Eu costumo definir a arte como o mais belo e límpido sentimento humano, o ineditismo de um todo, o axioma de um ser. Eu costumo dizer que a arte não se mede pelo tempo, se mede pelo instante que se perpetua o tempo. Isso me fez ver que outras estátuas [de santos] eram comuns.

Caridade queria estar no mapa. Você passava pela cidade, mas nem percebia. Através da cabeça de Santo Antônio, [o município] passou a ser visto. Também é uma maneira de educar. Nós temos que aprender a olhar o belo, aprender a olhar a arte. A gente só procura enxergar à frente dos ovos, mas acho que temos que buscar o por trás dos ovos e [temos de] aprender para poder ver.

Eu enxergava a dificuldade dos administradores [com a falta de recursos] e a vontade do povo [em colocar Caridade no mapa]. A arte expressa o sentimento do artista e ali eu expressei o meu, além de também dar um sentido religioso. Santo Antônio tinha o poder de estar em dois lugares ao mesmo tempo. Além do milagre da arte, também aconteceu o milagre de Santo Antônio.

O POVO - Como o senhor se sente ao ver sua obra inspirar produções literárias e ser apreciada em todo o mundo? O monumento chegou a inspirar o livro "Cabeça de Santo" que recebeu reconhecimento internacional.

Franzé - Isso é o sentido da arte. Isso é o meu maior recurso: poder propagar e poder inspirar. Acho que talvez se tivesse um santo [normal] lá em cima, as pessoas só passariam e achariam igual a Canindé, Juazeiro [do Norte], ao Rio de Janeiro ou qualquer outro lugar. Mas, lá tem um trabalho diferenciado. Agora, acho que deveriam zelar, deveriam cuidar.

Hoje, Caridade é vista exatamente pelo santo sem cabeça. Agora, muitas pessoas enxergam de forma pejorativa. Eu vejo como um sentido de positividade. É só as pessoas se fazerem por entender e compreender. A arte é para ser absorvida e compreendida.

O POVO - Essa questão de algumas pessoas enxergarem a obra de forma pejorativa lhe afeta de alguma forma? Já ficou mal com isso?

Franzé - Não. A arte é democrática, cada um vê de uma maneira. O objetivo [da arte] é educar. Se ela teve o poder de lhe chamar e lhe questionar enquanto você passava por uma estrada, ela, consequentemente, vai ter o poder de te educar e de fazer você enxergar não só ela, mas outras e outras obras.

O POVO - O senhor cita essa questão do educar, como você enxerga o papel da arte, especialmente da escultura?

Franzé - Acho que a arte tem um poder não apenas de inovar e educar, mas [também] tem um poder mais profundo no ser: de uma ideia, um sentimento entrar em alguém que você não conhece e poder [despertar] o elevar, o inspirar e o fazer valer e acontecer, como eu costumo dizer. O poder da arte é incalculável.

O POVO - Além da estátua de Santo Antônio em Caridade, quais foram outros projetos significativos em sua carreira como escultor? Existe algum que gostaria de destacar?

Franzé - Eu tenho como marca registrada, até mesmo porque foi feito em uma época muito boa da minha vida, que é o altar da Igreja Matriz da minha cidade, Aurora. Tem uma Santa Ceia, inspirada em Leonardo da Vinci, mas procurei dar meu diferencial e referencial. Tenho obras no Pará, no Rio, aqui no interior [do Ceará] tenho muitas: em Umirim, Tururu, Pentecoste, Paracuru etc.

Serviço

Para encomendar alguma escultura, o interessado pode entrar em contato através do Whatsapp (85) 9 9167-8025 ou pelo telefone (85) 9190-9024, para ligações. Ele também está disponível no Facebook e no Instagram.

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