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Talvez convenha dizer que isso de distribuir coroa para quem mais se destaca num campo é vício de modernidade. A Bola de Ouro, da France Football, fechava os olhos enquanto Pelé inventava a expressão tricampeão. Ignorou também Vinícius Júnior, ainda que com menos desculpas geográficas.
Eis que para evitar a facilidade de rejeitar a importância do trono quando quem nele senta nos desagrada, reconheço a justiça tardia contida no afã popular pelo reconhecimento de Vini Jr. Ele é a primeira estrela global do esporte mais popular do mundo a reconhecer o holofote individual como canhão de luz coletiva contra o racismo.
O Brasil se revolta com a injustiça de ele não levar todos os prêmios possíveis — apesar das válidas justificativas esportivas para Rodri ser escolhido melhor do mundo pela revista francesa.
Ao reconhecer que Vini recebe menos reconhecimento do que merece, o brasileiro médio reconhece a sombra que se escondeu na sociedade daqui. Séculos de escravidão, seguido de séculos de racismo.
O papel do atacante talentoso, debochado e preto retinto é didático. Escancara preconceitos ao se recusar a calar-se. O desacerbado ufanismo do brasileiro médio passou a aceitar um discurso que outrora seria rejeitado como "lacrador", como "mimimi". Foi o drible mais habilidoso que Vini já fez.
Reconhecido melhor do mundo, agora pela Fifa, ele seguirá tentando botar espelho ante os olhos de sociedades racistas, como a nossa, como a europeia. É a primeira vitória na luta esportiva — o palco secundário da guerra do Vini. Mais vale um racista reabilitado, que reconhece os próprios erros, crimes e pecados, que um trono esvaziado de discursos.
Que o craque nunca esqueça que a batalha dele é maior que troféus.