De paletó, boina e as medalhas que recebera ao longo da carreira, Geraldo Rodrigues de Oliveira recepcionou, ontem os convidados de seu aniversário de 103 anos. Ele é um dos dois cearenses vivos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que combateram na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. A data natalícia ocorre um dia após celebrar os 80 anos da maior vitória do Brasil na Itália: a Batalha de Monte Castelo.
"Eu me sinto muito bem, graças a Deus, de comemorar meu aniversário. Coragem e satisfação", resumiu o anfitrião. Ao contar sobre a guerra, Geraldo relembrou a vez em que viu o corpo do ditador Benito Mussolini, depois de fuzilado por antifascistas, exposto em praça pública. "Estava lá pendurado feito um boi. Eu cheguei a pegar nos cabelos dele".
Entre familiares e amigos de Geraldo, estava a banda do Comando da 10ª Região Militar do Exército, baseado em Fortaleza. Quando questionado se o grupo poderia tocar o hino da FEB, Geraldo permitiu, mas também pediu para que tocassem um forró pé-de-serra. O desejo foi atendido, bem como o parabéns cantado.
Para o comandante da 10ª Região, general de divisão Cristiano Pinto Sampaio, "qualquer evento, atividade, homenagem é muito pouco perto da grandeza do feito dos pracinhas febianos".
"Imagina uma pessoa que estava na guerra, sabendo que o seu aniversário seria no outro dia e você tendo que ir para a guerra, escalar um monte, se deparar com um exército poderoso. Eu não tenho dúvida que o valor dos nossos pracinhas é de uma grandeza imensurável, porque eles é que foram para a guerra, que estiveram na frente de combate, que enfrentaram o frio, os tiros, os fogos de artilharia", pondera.
No salão de festas do prédio onde Geraldo mora, localizado no Centro da capital cearense, o pracinha febiano riu e celebrou ao lado de três dos cinco filhos: o servidor público Washington Rodrigues, 70, que mora em Fortaleza; a juíza da Carolina Bertrand, 51; e a psicóloga Gabriela Bertrand, 49, que vieram de Maceió (AL) para celebração. A outra filha mora no exterior; e outro, em São Paulo.
"Desde pequena sempre tive orgulho do meu pai. Talvez, eu não tivesse a ideia da dimensão, da importância que ele exerceu na sociedade como ex-veterano de guerra, mas sempre foi uma satisfação celebrar a história dele", relata Gabriela.
A psicóloga também pontua que antes o pai participava dos desfiles do 7 de setembro e de todos os eventos relativos a FEB e relembra que Geraldo viveu 40 anos ao lado da esposa, Maria Regina Bertrand Oliveira, que morreu em 2010, aos 79 anos, devido a um câncer.
"Não havia uma espontaneidade para falar sobre a guerra em si, mas uma das coisas que ele gostava de mencionar era que meu avó paterno dizia para ele: 'você vai e volta'. Eu acho que isso fez diferença no sentido de ele ter esperança de que ele não morreria na guerra e daria testemunho disso", complementa a filha.
Foram 25.334 brasileiros para a Segunda Guerra Mundial comandados pelo marechal João Baptista Mascarenhas de Morais. Desses, 15 mil eram combatentes. Os demais eram desde engenheiros até 75 enfermeiras.
De cearenses, foram 377. O número passa de 400 se considerados aqueles que ficaram no litoral. Após atualização de dados feita pela 10ª Região Militar, constatou-se que dois pracinhas cearenses estão vivos. São eles o tenente Geraldo e o sargento José Barbosa Sobrinho, de 107 anos.
A informação foi confirmada pelo major Gustavo Augusto de Araújo Chaves Pereira, historiador do Exército, assessor cultural da 10ª Região e um dos autores do livro Reminiscências da História do Ceará na Segunda Guerra Mundial.
A então recém-criada Força Aérea Brasileira (FAB) também participou, enviando um esquadrão de reconhecimento aéreo e o 1º Grupo de Aviação de Caça. Cerca de 2.700 homens foram feridos em combate.
A FEB sofreu 467 baixas, sendo seis de cearenses: os sargentos Hermínio Aurélio Sampaio, Francisco Firmino Pinho, Edson Sales de Oliveira e Francisco de Castro e os soldados José Custódio Sampaio e Cloves da Cunha Pais de Castro.
De Crateús, distante 355 quilômetros da Capital, o primeiro morreu na batalha de Monte Castelo e batiza uma famosa via de Fortaleza: a avenida Sargento Hermínio. Foi um dos cerca de 40 brasileiros que morreram na tomada de Monte Castelo.
Foram enviados cinco escalões ao todo, com aproximadamente cinco mil pracinhas cada. Ao desembarcarem em solo italiano, os grupos passavam pelo último estágio de treinamento para, em seguida, entrarem em combate. De acordo com o Major Gustavo, os cearenses começaram a chegar a partir do terceiro e quarto escalões, entre os meses de outubro e novembro.