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Monte Castelo: 80 anos da maior vitória do Brasil na 2ª Guerra, com presença cearense
Reportagem Especial

Monte Castelo: 80 anos da maior vitória do Brasil na 2ª Guerra, com presença cearense

Enfrentar e vencer o frio é o ponto de destaque do desempenho brasileiro no conflito, além de desbravar o terreno desconhecido e montanhoso do Monte Castelo

Monte Castelo: 80 anos da maior vitória do Brasil na 2ª Guerra, com presença cearense

Enfrentar e vencer o frio é o ponto de destaque do desempenho brasileiro no conflito, além de desbravar o terreno desconhecido e montanhoso do Monte Castelo
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Há 80 anos o Brasil mergulhava naquele que viria a ser o maior triunfo da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial: a tomada de Monte Castelo, na Itália. Iniciada em 24 de novembro de 1944, a batalha contou com cinco ataques. Desses, os quatro primeiros foram mal-sucedidos por conta, principalmente, do frio severo que assolava a localidade e prejudicava a visualização para artilharia aérea e veículos blindados. A tomada de Monte Castelo ocorreu em 21 de fevereiro de 1945.

Enfrentar e vencer o frio é o ponto de destaque do desempenho brasileiro no conflito, além de desbravar o terreno desconhecido e montanhoso do Monte Castelo. Segundo o historiador do Exército e chefe do Centro de Cultura Regional Militar da 10ª Região, baseado no Ceará, major Gustavo Augusto de Araújo Chaves Pereira, essa foi a batalha mais difícil e emblemática enfrentada pela FEB.

Pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) apontando para o Monte Castelo, na Itália(Foto: Arquivo/Exército Brasileiro)
Foto: Arquivo/Exército Brasileiro Pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) apontando para o Monte Castelo, na Itália

"Ela representa todo o aspecto de perseverança do soldado brasileiro, do preparo, da resiliência, da adaptabilidade ao clima. Se for analisar bem, das quatro tentativas infrutíferas, todas foram baseadas em problemas adversos em termos de meteorologia. Frio, inverno, chuva, lama. Esse aspecto foi algo sobrenatural", destaca o major Gustavo Augusto .

Ele também relata outra dificuldade na campanha de Monte Castelo: a situação íngreme do terreno. "Eles tinham que escalar no rastejo. Corriam, deitavam, rastejavam, porque, se ficavam em pé, a metralha comia”, contextualiza ele, que também é um dos autores do livro Reminiscências da História do Ceará na Segunda Guerra Mundial.

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Os pracinhas brasileiros combateram ao lado dos Aliados, composto por Reino Unido, Estados Unidos, França e União Soviética. O intuito era destruir a "linha gótica", uma das estratégias de defesa alemã, e derrotar o nazifascismo. Do lado adversário, além do inverno impiedoso, armas modernas e potentes e soldados experientes davam vantagem ao Eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão.

A linha gótica "A Linha Gótica representou uma das últimas e grandes defesas elaborada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial. A série de linhas de defesa nazi-fascistas no norte da Itália, conhecida como Linha Gótica, tinha finalidade principal de retardar, e se possível bloquear, os avanços aliados na Campanha da Itália. (Fonte: Wikipédia)"  se estendia por aproximadamente 280 quilômetros, partindo do Mar Tirreno, no norte italiano, e avançando para o oeste, nas áreas de Carrara e La Spezia. A partir daí, atravessava a cordilheira dos Apeninos e terminava na região costeira do Mar Adriático. Nos Apeninos, os brasileiros enfrentaram as maiores dificuldades tanto pela resistência das forças do Eixo quanto pelas pneumonias e pleurisias causadas pelo frio intenso.

Campanha brasileira em Monte Castelo. Infomapa a partir de mapa da Academia de História Militar Terrestre do Brasil(Foto: Luciana Pimenta/O POVO )
Foto: Luciana Pimenta/O POVO Campanha brasileira em Monte Castelo. Infomapa a partir de mapa da Academia de História Militar Terrestre do Brasil

O Monte Castelo, que anos depois viria a dar nome a um bairro de Fortaleza, era considerado fundamental para a ocupação do norte italiano. O professor Vinícius Duarte, vinculado à Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação, em Itapipoca (Crede 2), conta que a intenção era derrotar a última força de defesa do Eixo na Itália.

"A 'linha gótica' era uma tática das tropas alemãs para não perder a Itália para os Aliados. A batalha de Monte Castelo foi a maior operação brasileira no território italiano, demonstrando uma força que ninguém acreditava que os brasileiros tinham, por isso essa batalha é muito importante para a história militar brasileira. A partir dessa vitória, as tropas do Eixo não tinham mais forças para resistir e foram caindo na Itália, justamente por conta da presença das tropas formadas por brasileiros e americanos", conta o historiador.

 

 

Combatentes: mais de 400 cearenses foram para a Itália

Foram 25.334 brasileiros para a Segunda Guerra Mundial comandados pelo marechal João Baptista Mascarenhas de Morais. Desses, 15 mil eram combatentes. Os demais eram desde engenheiros até as
75 enfermeiras. De cearenses, foram 377. De acordo com o Major Gustavo, o número passa de 400 se considerados aqueles que ficaram no litoral.

A então recém-criada Força Aérea Brasileira (FEB) também participou, enviando um esquadrão de reconhecimento aéreo e o 1º Grupo de Aviação de Caça. Cerca de 2.700 homens foram feridos em combate.

A FEB sofreu 467 baixas, sendo seis de cearenses: os sargentos Hermínio Aurélio Sampaio, Francisco Firmino Pinho, Edson Sales de Oliveira e Francisco de Castro e os soldados José Custódio Sampaio e Cloves da Cunha Pais de Castro. De Crateús, distante 355 quilômetros da Capital, o primeiro morreu na batalha de Monte Castelo e batiza uma famosa via de Fortaleza: a avenida Sargento Hermínio. Foi um dos cerca de 40 brasileiros que morreram na tomada de Monte Castelo.

Foram enviados cinco escalões ao todo, com aproximadamente cinco mil pracinhas cada. Ao desembarcarem em solo italiano, os grupos passavam pelo último estágio de treinamento para, em seguida, entrarem em combate. De acordo com o Major Gustavo, os cearenses começaram a chegar a partir do terceiro e quarto escalões, entre os meses de outubro e novembro.

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Geraldo Rodrigues de Oliveira é um dos pracinhas que embarcaram no último escalão. Em conversa com O POVO, em novembro de 2024, com a memória de quem tem 102 anos de idade, ele relembrou momentos vividos como febiano. “Eu sinto uma coisa: A guerra, além de ser cruel, é muito perigosa. Você pode ir e não voltar. Na minha companhia, foram 20 e voltaram só 12. Oito ficaram enterrados”.

A recordação do Tenente Oliveira passa inúmeras vezes pela construção de duas casamatas. Em uma delas, ele viu, apavorado, adversários em campo.

“Monte Castelo era o morro mais combinado. Minha companhia ficava ao lado do Monte Castelo, tinha uma rodovia que passava ao meio. Aí eu tive que fazer duas casamatas. Resultado: fiz uma porque fui escalado e fiz uma pelo colega meu. Casamata você passa dois metros enterrado no chão. É cruel. Caiu um pé de cedro em cima da minha casamata. Eu via quando os alemães pulavam o muro e eu não podia fazer nada. O coração na boca. Eu fiquei muito apavorado, mas tive que assistir e suportar”.

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O POVO publicou especial Memórias da Guerra: O olhar de quem lutou em 2009

Este especial conta a história de sete cearenses que participaram da Segunda Guerra Mundial, seja indo à Europa para entrar em campo de batalha seja guardando o litoral. O material foi feito e publicado pelo O POVO em 2009.

"Espalham-se, página a página, depoimentos diversos entre eles. Divertidos, alguns, inacreditáveis, outros, mas, como ponto comum, todos extraídos de relatos carregados de emoção e reveladores de memórias privilegiadas. De quem assistiu, participou, ajudou a fazer a história", versa trecho do editorial intitulado A Resistência dos Heróis.

 

 

A FEB fez a cobra fumar

Emblema adotado pela Força Expedicionária Brasileira (FEB)
Emblema adotado pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) Crédito: Reprodução/Museu do Expedicionário

A Força Expedicionária Brasileira (FEB) adotou o lema “A cobra está fumando” ao enviar as tropas à Itália, em julho de 1944. A expressão surgiu em resposta ao desdém que predominava na época, cujo ceticismo reverberava que “era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra”.

Há quem dê a autoria dessa crítica a Adolf Hitler, assim como também ao presidente-ditador Getúlio Vargas, ou mesmo à opinião pública. Fato é que a terminologia dava o tom de chacota à possibilidade de o Brasil desembarcar em solo italiano, ao lado dos Aliados, para o combate.

"Até porque ficamos quase dois anos somente prestando apoio logístico, com bases militares americanas, principalmente a base aérea no Pici, em Fortaleza, e em Natal, no Rio Grande do Norte. Quando a FEB partiu para Itália, levando mais de 25 mil militares, eles iam cantando e esbravejando 'A cobra vai fumar' ou 'a cobra já está fumando', então foi uma resposta bem humorada à crítica de quem dizia o contrário", aponta o historiador Vinícius Duarte.

Conforme Pixote Cruz, professor da rede estadual de ensino de Brejo Santo, a expressão, com significado de “algo difícil de ser realizado”, foi bastante usado na época que Vargas declarou que o País teria uma ação mais forte após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Os soldados febianos, então, adotaram como emblema o desenho de uma cobra fumando.

"A cobra está fumando"(Foto: Arquivo/Exército Brasileiro)
Foto: Arquivo/Exército Brasileiro "A cobra está fumando"

“No distintivo da FEB, temos uma cobra fumando. Ele foi criado pelos pracinhas brasileiros em resposta aos que duvidaram da participação das tropas na guerra. Ele é carregado de ironia à descrença da opinião pública, visto que transmite a ideia de ‘botar pra quebrar’ – outra expressão popular brasileira cujo significado faz referência ‘ao agir ou decidir de forma energética, com grande força e vontade’”, contextualiza o historiador.

Os brasileiros, após se estabelecerem na Itália, aguardaram cerca de dois meses até que o primeiro disparo fosse dado. Foi, então, que a FEB começou a acumular feitos, como os documentados pelo O POVO: 21 batalhas vitoriosas, mais de 20 mil combatentes inimigos presos, entre eles dois oficiais-generais, e elogios do Exército americano.

A missão brasileira só se encerraria em 19 de setembro de 1945, após as forças brasileiras exerceram o papel de tropas de ocupação, a fim de evitar novos ataques, com o cessar-fogo do dia 2 de maio daquele ano. O Brasil foi o único país da América Latina a lutar na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

 

 

Homenagens à batalha: bairro e avenida

O bairro Monte Castelo, anteriormente conhecido como João Lopes devido à presença de um açude na região com esse nome, teve seu nome modificado após a Segunda Guerra Mundial, em 1945. A mudança foi uma iniciativa da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) e do prefeito Raimundo Araripe, que escolheram a nova denominação em homenagem a uma das vitórias mais significativas do Brasil no conflito: a Batalha de Monte Castelo.

Avenida Sargento Hermínio, homenagem a combatente que morreu na batalha do Monte Castelo, na Itália. O bairro foi batizado com o nome do local da batalha(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Avenida Sargento Hermínio, homenagem a combatente que morreu na batalha do Monte Castelo, na Itália. O bairro foi batizado com o nome do local da batalha

Além desse bairro, a avenida Sargento Hermínio foi batizada com esse nome em tributo ao 2º sargento Hermínio Aurélio Sampaio, natural de Crateús, que se tornou um dos heróis brasileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ele morreu aos 36 anos de idade durante a Batalha de Monte Castelo, na Itália.

Já a Avenida dos Expedicionários, que atravessa diversos bairros de Fortaleza, incluindo Montese — outro bairro cujo nome homenageia outra vitória da FEB na Segunda Guerra Mundial —, e passa próximo ao 23º Batalhão de Caçadores do Exército (23º BC), também presta homenagem aos integrantes da FEB. O nome da via reconhece o triunfo dos pracinhas que contribuíram para a vitória dos Aliados contra o nazifascismo na Itália.

 

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