Quando Lukresya Nascimento, Shábilla Moura e Fran Costa se reúnem no auditório do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Fortaleza, o trio está prestes a iniciar a mesa de abertura do Coletivo Transpassando. O evento aconteceu nesta segunda-feira, 5.
O grupo de combate à transfobia completará oficialmente dez anos em agosto, mas sua aula magna já aponta as memórias que cada voluntária leva da participação no programa de extensão. Em seus pensamentos iniciais sobre os desafios e mudanças notados durante a década de atuação, um nome vem à mente: Dandara.
Em 15 de fevereiro de 2017, Dandara dos Santos foi assassinada na capital cearense. O crime gerou repercussão internacional nas redes sociais quando os registros do espancamento foram compartilhados.
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Observando o cenário das políticas públicas, a mestre em Desenvolvimento do Meio Ambiente Fran Costa afirma que os projetos em prol da comunidade trans e travesti já existiam em 2015, mas a morte de Dandara fez com que “saíssem da gaveta”.
“Eu acho que o divisor de águas foi a morte da Dandara. Obviamente que isso (políticas públicas) aconteceu sob uma pressão social, né? Os movimentos trans e travestis ocuparam vários espaços, inclusive nós, do Coletivo Transpassando”, reflete.
“A gente viveu perdas dentro do Coletivo, inclusive envolvendo mortes das nossas. Então, nós também atravessamos um processo de luto, né? Mas temos transformado esse luto em luta, de fato”, completa.
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A declaração de Fran é retomada pela maquiadora profissional Shábilla Moura ao relembrar sua trajetória e evolução no coletivo. “Vivemos um ciclo de luta e luto constante. E o luto faz com que a gente se mobilize e fortaleça a nossa luta”, diz.
“Eu sou da primeira turma, a Lukresya também. Eu fui, acho, que a primeira aluna a passar no vestibular pelo coletivo, pelo cursinho do Transpassando”, recorda. “Naquela época, a gente quase não tinha pessoas trans na universidade”.
“Eu lembro que, quando eu passei a primeira vez, virou notícia. Existiam tão poucas ainda… E hoje existem muitas, elas já ocupam esse espaço”, declara com orgulho.
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Por outro lado, uma década de fortalecimento pelo coletivo também impulsiona novos desafios. “Hoje a luta é para que a gente consiga viver nesse espaço, conviver nesse espaço e permanecer nele. Eu acho que a permanência, ela é o desafio, né?”, indica Shábilla.
A produtora cultural e arte-pesquisadora Lukresya Nascimento ressalta que, durante o crescimento do coletivo, a cobrança de projetos sociais e ações sociais também deve focar em oferecer o “básico”.
“Se você vai fazer alguma ação, alguma formação, que é voltada para esse público específico, que já é de vulnerabilidade social, socioeconômica, você precisa pensar no básico”, afirma. “Essas pessoas precisam de um custeio de transporte, precisam de uma alimentação”.
“Não adianta você dizer: ‘Ah, eu vou fazer um curso de formação, eu vou dar um curso básico, eu vou preparar para o mercado de trabalho’, se essas pessoas às vezes não têm nenhuma alimentação”, finaliza.
dandara
Em 15/2/17, Dandara dos Santos foi assassinada em Fortaleza. O crime gerou repercussão internacional