Aos 24 anos, o jornalista Antônio Rogério Bié, graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro da Assessoria de Comunicação da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), foi um dos brasileiros a alcançar uma bolsa de mestrado nos Estados Unidos para a Universidade do Estado do Arizona.
Criado em uma comunidade de assentamento da reforma agrária na zona rural de Santa Quitéria, a cerca de 223 quilômetros de Fortaleza, o jovem passou a vida escolar na rede pública. Em seu terceiro ano do Ensino Médio, participou de uma iniciativa da embaixada norte-americana, o Programa Jovens Embaixadores.
Ao O POVO, Bié relatou parte de sua trajetória na educação e destacou alguns pontos de seu processo seletivo para o mestrado.
O POVO - Quais critérios considerou durante o processo de escolha da universidade e do programa de mestrado nos EUA?
Rogério Bié - Para aplicar para as universidades, eu recebi o apoio de um programa chamado oportunidades acadêmicas, que é da rede Education USA. Esse programa tem como foco ajudar estudantes que têm esse sonho de aplicar para universidades nos Estados Unidos, estudar lá, porém não conseguem arcar com os custos e têm potencial.
Ele funciona tanto para graduação como para pós-graduação, e ano passado eu fui um dos dez selecionados dentre mais de 360 candidatos para turma de mestrado e doutorado. Um dos focos do programa é que a gente consiga ser aprovado em uma universidade com bolsa 100%, né? Então, os meus critérios para escolha da universidade, primeiro é que fossem universidades que tivessem essa possibilidade de conseguir bolsa 100%, que fosse na área que eu estava procurando tanto.
Como estudante de Jornalismo, tive a experiência bastante focada em usar cidadania digital, a educação midiática e, principalmente, o audiovisual como ferramentas de emancipação social, focado em amplificar as vozes de comunidades tradicionalmente marginalizadas. E eu queria seguir muito nessa área, então apliquei bastante para programas focados em jornalismo, audiovisual, mídias emergentes, documentário.
E, claro, que eu tivesse essa possibilidade de trazer minha bagagem como estudante internacional.
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O POVO - Quais foram as etapas do processo seletivo que considerou especialmente desafiadoras?
Rogério Bié - De maneira geral, foi um processo bastante longo e complexo, que exigiu muita resiliência e disciplina, principalmente porque eu tive que considerar a preparação em todas as etapas, com um trabalho em tempo integral, e com as outras fases da minha vida.
O processo no total durou quase dois anos, eu diria, mas as etapas em si… Tem a etapa de preparação da documentação acadêmica, né? A tradução de documentos, a preparação para as provas de inglês. No meu caso, eu fiz o TOEFL, o GRE e o Duolingo English Test. Essa etapa, especificamente, foi bem desafiadora.
Eu dediquei muito tempo para ela, acordando de madrugada para fazer simulado. Todo o tempo que eu tinha de intervalo, eu estava estudando, seja no no ônibus, ou, então, no caminho para o trabalho: qualquer brechinha de tempo que eu tinha, eu estava estudando.
Tem a fase de pesquisar as universidades, que também leva muito tempo e dedicação, porque são mais quatro mil instituições no total. Como eu tinha esse foco de bolsa 100%, a pesquisa tinha que ser ainda mais focada.
É muito tempo pesquisando universidade, as especificidades, falando com professor, marcando entrevista, vendo os locais que poderiam se tornar minha casa. E tem a fase de escrita das redações, que também é bastante desafiadora.
Algumas universidades pediram vídeo. É um processo que tem a preparação também do currículo, do portfólio. Então, é um conjunto de etapas que vão se juntando ao longo do ano.
O POVO - Sua experiência na rede pública de ensino e na Seduc influenciou de alguma forma sua aplicação?
Rogério Bié - Eu estudei a vida toda na escola pública, e foi através das oportunidades que eu encontrei na escola e na educação que eu me entendi enquanto um cidadão, um jovem capaz de transformar a realidade ao meu redor.
Eu venho de um assentamento rural do MST, lá na zona rural de Santa Quitéria. Sou o terceiro do total de seis irmãos e meus pais são agricultores que não chegaram a terminar o ensino fundamental. Mas não foi por causa disso que eles deixaram de ser as grandes referências na minha vida; pelo contrário: eles sempre incentivaram, tanto eu, como os meus irmãos, a buscar na educação o caminho para essa mobilidade social.
Então, principalmente quando eu entrei no ensino médio, estudei na escola profissionalizante da minha cidade, a EEP Monsenhor Lumens Freire de Santa Quitéria, e encontrei um mundo de oportunidades que nem imaginava (...).
Eu destaco muito o programa de Jovens Embaixadores, uma iniciativa da Embaixada dos Estados Unidos que seleciona estudantes da rede pública brasileira que têm esse lado da liderança e atuação comunitária bem fortalecido para um intercâmbio nos Estados Unidos. E conhecer esse programa, lá no primeiro ano do ensino médio, foi uma virada de chave muito importante para me motivar a continuar aprendendo inglês.
(...) Em janeiro de 2019, eu viajei para os Estados Unidos, participando do Jovens Embaixadores. Vivi uma experiência incrível, bastante focada na liderança e na troca cultural, e foi aí que nasceu também essa vontade de estudar lá futuramente.