O esporte era apenas uma forma de manter a saúde em dia. Diante das cirurgias que precisava fazer com frequência na infância, em decorrência de uma condição congênita, Emylle Torres, 24 anos, praticava atividades para manter o corpo em movimento, mas nunca considerou a possibilidade de ser atleta. Quando criança, era mais fácil imaginar-se como uma super-heroína do que formular uma resposta concreta à clássica pergunta "o que você quer ser quando crescer?".
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Na Barra do Ceará, onde reside até hoje, Emylle praticava natação e, vencida pela insistência do professor, começou a jogar bocha - esporte de precisão que envolve o lançamento de bolas. Antes de tornar-se paratleta, Emylle virou personagem de tirinha: a direta, sarcástica e bem-humorada protagonista de "Emylle Sobre Rodas". O projeto, que começou despretensioso, ganhou espaço no O POVO todas as quintas-feiras e é ilustrado pela quadrinista Milene Correia.
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O POVO - Emylle, hoje, você é atleta e protagoniza uma tirinha no O POVO. Mas, quando criança, qual era o teu sonho?
Emylle Torres - No nosso tempo de criança era outra realidade, né? Era outra visão de mundo. A gente não tinha tanto essa perspectiva de um futuro em que nós, pessoas com deficiência, pudéssemos alcançar algo. Porque era o que o mundo mostrava pra gente, né? Que a gente não ia conseguir alguma coisa, sabe? Só de ver como era a realidade, tipo, em escola, que a gente tinha que se virar do jeito que dava, que nem era acessível, nem era adaptada. Era um local que eu que tinha que me enfiar, que tinha que aceitar. Foi assim em todas as escolas que eu estudei, até na faculdade. Não era um lugar que você chegava e dizia "nossa, dá pra eu fazer parte disso". Então, eu acho que eu cresci sem ter muito essa perspectiva, sabe? Só na vida adulta que eu fui vendo que, nossa, dá pra fazer qualquer coisa.
OP - A tirinha "Emylle sobre rodas", publicada no Vida&Arte toda quinta-feira, envolve o tema do capacitismo. O que motivou a tirinha?
Emylle - Foi uma coisa que eu fui percebendo ao longo do projeto. Ao longo de entrevistas que me chamaram pra fazer, palestras e tal, fui percebendo o objetivo das tirinhas com esse tema no processo. Porque, de início, foi algo natural. Realmente é a reação que eu tenho, de fato, nas situações que acontecem no dia a dia. De responder com uma ironia... Porque eu acho que já não cabe mais a mim ter que ensinar o que pode e o que não pode. Porque, 2025, a maioria das pessoas já tem acesso à informação. E eu acredito muito que a pessoa só continua ignorante se ela quiser.
OP - E quando o atletismo surgiu?
Emylle - Eu fazia natação e meu professor falou que tinha esse treino (bocha). Ele disse que eu poderia me dar bem. E de primeira eu não fui, porque estavam acontecendo coisas na minha vida. E aí foi a insistência dele, né? Só no final de 2022, que eu fui aparecer em um treino e aí eu conheci o esporte. E conheci o pessoal também. Hoje em dia a gente treina junto, joga junto. Já mergulhei de cara porque eu entrei no esporte e, em fevereiro, eu tive a seletiva. Em maio, eu tava em João Pessoa competindo.
OP - Como foi a sensação da competição?
Emylle - Foi uma loucura porque foi a primeira que eu tive, né? A primeira competição que eu participei foi em outro estado. Era tudo novo e eu ainda tava vivendo essas questões pessoais que tavam me afetando. Eu tive muita ansiedade. Na semana da competição, eu tive febre, vomitava. Eu tive sintoma físico pela ansiedade. Mas eu consegui, por incrível que pareça, ficar no pódio. Consegui ficar em terceiro lugar. E consegui me classificar pro Campeonato Brasileiro.
OP - Qual foi a competição mais marcante?
Emylle - A competição de julho. Foi em Recife, um campeonato regional. Eu peguei o bronze também. E eu consegui mesmo estar bem mentalmente pra viver uma competição. E essa eu também classifiquei. E aí eu vou jogar em São Paulo em dezembro.
OP - Em relação à longevidade, você consegue ter uma perspectiva no atletismo?
Emylle - Pelo jeito que tá indo, eu acho que sim. Tudo é uma via de mão dupla, né? A gente tem que ter bons resultados nas competições pra conseguir bolsas melhores, um valor mais alto pra conseguir investir na gente pra futuras competições. A gente faz rifa pra todo mundo conseguir viajar. É um perrengue, mas é um perrengue que dá pra ir.
OP - O que você sonha para o futuro?
Emylle - Investir no esporte. Porque dá pra ver que tem caminho, que dá pra chegar bem longe. E eu tenho trabalho com a tirinha, tem os livros que a gente tá desenvolvendo. Eu brinco até com a Milene (quadrinista) que enquanto eu estiver viva, eu vou ter conteúdo pro "Emylle Sobre Rodas".