Uma semana se passou desde que os Estados Unidos viraram do avesso após o segurança negro George Floyd, 46, ser assassinado pela polícia de Minneapolis (Minnesota). Desde então, os protestos antirracistas e a violência eclodiram por diversas comunidades, com perfis demográficos e socioeconômicos distintos. Tudo em ano de eleições presidenciais e durante uma pandemia que já matou mais de 103 mil pessoas no país.
Ainda é cedo para avaliar o impacto total das manifestações em questões estruturais do país, mas alguns já são perceptíveis. Ontem o presidente Donald Trump discursou ameaçando enviar militares a cidades onde manifestações e confrontos estejam ocorrendo (ver gráfico). A escalada da violência tem agravado a situação em diversas localidades, que também temem ver enfrentamento entre grupos opositores.
Aos olhos dos manifestantes, o interesse de autoridades pela resolução do caso é posto em xeque a cada dia. Ontem, o advogado da família de Floyd disse que autópsia independente aponta para morte por "asfixia devido à compressão do pescoço e das costas". Diferente de um laudo preliminar, que dizia não encontrar nada que levasse ao diagnóstico de morte por asfixia.
O agora ex-policial Dereck Chauvin, homem que asfixiou Floyd com o joelho, será acusado de homicídio, mas isso não significa que será condenado. Os sindicatos policiais nos EUA são grupos conservadores com capacidade de exercer forte pressão no Congresso, em juízes e promotores. Além de terem ligação com a classe política, o que muitas vezes faz, direta ou indiretamente, com que agentes não sejam condenados.
Lucas Leite, doutor em Relações Internacionais pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), destaca o contexto de exacerbação que gera as manifestações que não são vistas com tanta força desde 1968, ano da morte de Martin Luther King e quando a luta por direitos civis viveu seu auge. "O que temos é uma perfilação que a polícia em geral adota para perseguir e esse perfil em geral é o do negro. Mas vários fatores contribuem, como a pandemia, por exemplo, que afeta muito mais a população negra economicamente", afirma.
Ele avalia que uma solução seria possível a partir de uma resposta mais firme das instituições. "Se o Congresso ou a Suprema Corte se posicionarem, com atitudes, a respeito da violência policial contra pessoas negras algo poderia mudar", pontua.
Se restava dúvida de que a pauta eleitoral está em evidência, ela foi encerrada ontem à tarde, quando Terrence Floyd, irmão da vítima, foi ao local onde George foi assassinado e, emocionado, discursou. "Vamos parar de pensar que nossa voz não importa e votar. Não vote apenas para presidente, vote nas preliminares. Eduque-se. Não espere que outra pessoa diga a você quem é quem. Eduque-se e saiba em quem você está votando. É assim que vamos atingi-los", afirmou Terrence.
Acesse a cobertura completa do Coronavírus >
Para Leonardo Trevisan professor de Relações Internacionais da ESPM, as pesquisas eleitorais ganham ainda mais importância agora. "O pré-candidato democrata, Joe Biden, aparece com vantagem em estados chave. Ele lidera pesquisas por dez pontos percentuais nos swinging states (estados onde a disputa entre republicanos e democratas sempre é aberta), fundamentais para a vitória de Trump em 2016, o que pode complicar a campanha de reeleição" afirma.
Ele ressalta que os conflitos ocorrem no contexto de problemas agravados pela pandemia. "O desemprego atingiu fortemente as principais regiões metropolitanas do país. Junho pode marcar a maior taxa de desocupação desde a crise de 1929, quando o índice atingiu 25%. Um estopim como esse ganha muito mais significado pelo momento no qual acontece", finaliza.