Nos últimos 15 anos, o Chile teve apenas dois presidentes se alternando no poder. Michelle Bachelet (centro-esquerda) gerenciou o país em duas ocasiões (2006-2010 e 2014-2018) e Sebastián Piñera (centro-direita), que presidiu o Chile de 2010 a 2014 e é o atual chefe de Estado. No próximo domingo, 21, o cenário mudará.
Os chilenos vão às urnas para escolher um inédito presidente após um par de anos de turbulência com crise política e institucional e revoltas sociais que provocaram o início de profundas mudanças internas no país andino.
Com o desgaste da gestão Piñera, que culminou num processo de impeachment aprovado na Câmara e rejeitado pelo Senado esta semana, e com a ex-presidente Bachelet anunciando que não concorreria, as portas se abriram para novos e velhos candidatos com roupagens e projetos variados. No pleito de domingo, cerca de 15 milhões de pessoas estão aptas a votar na eleição que renovará parte do Congresso e os conselhos regionais.
Segundo as pesquisas, dos sete candidatos ao La Moneda (palácio presidencial) a polarização gira em torno dos nomes da extrema direita e da esquerda, José Antonio Kast e Gabriel Boric, respectivamente. Outros postulantes não conseguiram decolar, de acordo com os levantamentos de intenção de voto.
O instituto Criteria aponta vantagem de 24% a 23% para Kast, enquanto o Data Influye indicou, em outubro, 32% a 27% para Boric. Os números podem variar até a hora do voto, já que cerca de metade dos eleitores diz estar indecisa e ao menos 15% que decidirão o candidato no dia do pleito.
A atual polarização é também um fruto dos conflitos que o Chile experiencia desde 2019, quando eclodiram protestos sociais que culminaram na elaboração de uma nova Constituição.
Enquanto Kast soube capitalizar eleitores que perderam a crença na gestão Piñera, Boric é visto como a principal opção de oposição ao atual governo de direita. Kast esteve entre os que votaram contra a nova constituinte. Já Boric foi a favor da elaboração do documento.
Kast é considerado um pinochetista de carteirinha. Recentemente ele afirmou que não considera o regime de Augusto Pinochet (1973-1990) uma ditadura e fez comparações com outros regimes autoritários na América Latina, como Cuba, Nicarágua e Venezuela para justificar a afirmação.
Dados oficiais do Chile mostram que pelo menos 3,2 mil pessoas foram assassinadas e mais de 40 mil torturadas no período em que o país esteve sob o comando dos militares.
A volta de um pinochetista à disputa real pela presidência é produto da atual crise política chilena, segundo analistas. O próprio Kast recebeu apenas 7% dos votos na eleição presidencial de 2017.
O cientista político Fábio Gentile avalia que a extrema direita chilena cresceu porque movimentos como esse ganham projeção “nas grandes crises, com escândalos de corrupção, impeachment e conflitos políticos''.
“Eles representam um abrigo confortável para diferentes setores com narrativas contra a corrupção e contra direitos sociais e de gênero sob argumento de proteger a família”.
Cleyton Monte, professor vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídias (Lepem-UFC), explica que o Chile não vive apenas uma crise conjuntural, mas a crise política de um modelo de governança.
“É um modelo gestado no período da ditadura de Pinochet que conseguiu, mesmo após o seu fim, continuar presente nas estruturas de governo, na representação parlamentar e na atual Constituição. Em resumo, na vida das pessoas”.
Na outra ponta, Gabriel Boric, deputado da esquerda, é o candidato mais jovem da história das eleições presidenciais aos 35 anos. Com pautas de reformas sociais e defesa de direitos dos trabalhadores, ele assinou o acordo para a reforma constitucional dizendo esperar que a nova Carta Magna acabe com a concentração de poder do atual sistema e que se for eleito presidente espera encerrar o mandato com “menos poder do que quando começou".
O vencedor da eleição estará no poder quando a nova Constituição for apresentada. Por isso, Monte lembra que caberá ao novo gestor a tarefa de convocar um plebiscito para analisar o documento que deve ter o texto finalizado até julho de 2022.
“Acredito que ainda haverá um período de transição, o próximo presidente ainda vai enfrentar conflitos porque a questão não é apenas a apresentação da nova Constituição, mas sua implementação”, projeta, citando a fragmentação de forças e a polarização como obstáculos a serem superados.