Forte, veemente e sempre envolto em seu poncho vermelho, Leonidas Iza Salazar forjou sua liderança entre os indígenas no Equador através do fogo dos protestos. Nas últimas semanas, esteve na capital Quito, à frente de uma mobilização que encurralou o presidente conservador Guillermo Lasso. Presidente da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), organização à frente dos protestos, o líder de poucos sorrisos já comandara uma revolta contra o governo da época em 2019.
Em junho, deste ano, Iza voltou às ruas para uma nova briga: ou Lasso aliviava o custo de vida - que afeta severamente as comunidades rurais - ou ele e os seus apoiadores continuariam em Quito, que ficou semi-paralisada pelos protestos entre os dias 13 e 30 do último mês.
"Se (o Executivo) não resolver este problema, rios de gente continuarão a chegar à capital", desafiou o líder dos 14 mil homens e mulheres que protestavam com lanças e paus e se mostraram capazes de abalar um governo.
A prisão de Iza, logo após o início dos protestos de junho, alimentou as manifestações no país. O líder a descreveu como um "sequestro político".
Após mais de duas semanas de pressão, os indígenas suspenderam os protestos na última quinta-feira, 30, depois de acordo com governo no Equador, que se comprometeu a reduzir os preços dos combustíveis. O pacto, alcançado com a mediação da Igreja Católica, prevê uma redução total de 15 centavos por galão no preço do diesel e da gasolina.
O documento, que inclui "o fim das mobilizações e o retorno gradual (dos manifestantes) aos territórios", foi assinado por Iza e pelo ministro do Governo (Casa Civil), Francisco Jiménez.
"Iremos suspender os protestos. Com certeza estamos cansados, então chegou a hora de voltar para casa", declarou Iza diante de cerca de 4 mil indígenas que ocuparam a Casa da Cultura, um lugar simbólico para eles em Quito.
Iza, de 39 anos, é uma quíchua do povo panzaleo, assentado nas províncias de Cotopaxi e Tungurahua, no coração dos Andes equatorianos. O poncho vermelho, uma trança até as costas e seu verbo de fogo o distingue entre os indígenas.
Teimoso e, às vezes, radical, Iza é um anarquista aos olhos do governo, mas seu povo o vê como um representante fiel e carismático de suas causas. "Qualquer governo terá que lidar com a posição do movimento indígena e dos setores populares", disse Iza antes da eleição de Lasso em 2021.
Andrés Tapia, que o conhece há 20 anos, o descreve como um líder "determinado" em suas ideias e gentil com seus amigos. "Sempre teve um caráter muito firme", comenta Tapia, que trabalhou com Iza em seus primeiros dias como ativista. O ex-porta-voz da Conaie Apaawki Castro concorda e acrescenta: quer "que tudo saia milimetricamente calculado". Seu lado sensível aparece quando canta e toca instrumentos de sopro.
Iza quer recuperar para os indígenas o poder de outros tempos quando, com suas revoltas populares, derrubavam presidentes. Único de oito irmãos que estudou na universidade, dirigiu o Movimento Indígena e Camponês de Cotopaxi (MICC). Em 2021 tornou-se presidente da Conaie.
Sua participação nos protestos de 2019 foi fundamental. Esse "outubro negro" - como chamam as classes média e alta de Quito - foi parar no livro "Estallido", que Iza escreveu com Tapia e Andrés Madrid. O relato, que descreve a revolta como "épica", resume os sentimentos do líder: "Comunismo indo-americano ou barbárie".
Nascido na comunidade de San Ignacio, em Cotopaxi (sul), Iza garante que deve seu espírito guerreiro à mãe. "Minha mãe Rosa Elvira (Salazar) tinha um espírito rebelde. Ela sempre esteva nos processos comunitários, nas mobilizações, cozinhando nas mobilizações", contou em entrevista divulgada pelo MICC, na qual aparece alimentando um bezerro.
Iza defende a produção agrícola em detrimento da exploração mineral. "Se conseguíssemos reorganizar a capacidade produtiva nacional, poderíamos alimentar parte do mundo", sustenta.
Em 2021, concorreu à indicação indígena para as eleições presidenciais daquele ano. E, embora tenha perdido para Yaku Pérez, - que ficou em terceiro no primeiro turno com 19,4% dos votos - conseguiu entrar totalmente no radar da política equatoriana.
Ao deixar Quito na última semana, o líder foi saudado como herói, segundo vídeos divulgados pela Conaie. Enquanto isso, os indígenas dissolveram os protestos e deixavam a cidade pacificamente em ônibus e caminhões, agitando bandeiras do Equador e dos povos originários.
O Executivo deve levantar o estado de exceção, que habilitou a presença de militares nas ruas de quatro províncias devido a "atos violentos" e ao desabastecimento devido aos protestos. A Conaie, que participou de revoltas que derrubaram três presidentes entre 1997 e 2005, disse no Twitter que em 90 dias irá avaliar o cumprimento dos acordos, que serão acompanhados por meio de uma "mesa de diálogo".
Os protestos, com bloqueios de estradas e manifestações que levaram a confrontos com a força pública, deixam seis mortos, mais de 600 feridos, entre agentes e manifestantes, e cerca de 150 detidos. O Equador estimou perdas de cerca de US$ 50 milhões por dia de manifestações, que também ameaçaram interromper a produção de petróleo.
Presidente
Guillermo Lasso aplicou na sexta-feira, 1º, a redução de 15 centavos no preço dos combustíveis, cumprindo um dos acordos com o movimento indígena
Indígenas
A Conaie liderou 18 dias de bloqueios de rodovias e marchas nas quais ocorreram confrontos com as forças de segurança em Quito e em várias cidades
Eleições
Nas eleições de 2021, Leonidas Iza concorreu para ser o indicado indígena para a disputa, mas o escolhido foi outra liderança, Yaku Pérez
Legislativo
Em meio aos protestos, Lasso teve de enfrentar um processo de impeachment no Legislativo. A oposição, porém, não conseguiu reunir votos suficientes para destituir o presidente