Desde o último domingo, 20, e pelas próximas semanas, os holofotes do planeta estarão direcionados para uma pequena península no Golfo Pérsico, o Catar. Sede da 22ª edição da Copa do Mundo de futebol masculino, o país recebe os jogos do torneio assim como as críticas do Ocidente pelos traços ditatoriais com o qual esta monarquia do Oriente Médio restringe liberdades dentro de suas fronteiras.
Comandado de forma absolutista pela família Al-Thani, o Catar tem uma área territorial menor que a de Sergipe, o menor dentre os estados brasileiros. O país surgiu oficialmente como Estado nacional independente há pouco mais de 50 anos, apenas em 1971, quando deixou de ser um protetorado britânico. Embora tenha uma área pequena, é o terceiro em reservas de gás natural no mundo, atrás apenas da Rússia e do Irã. Além disso, o petróleo é outra fonte da riqueza catariana.
A ditadura no Catar não permite partidos políticos, não tem um processo eleitoral democrático e consolidado e é gerenciado por um líder que recebe o título de “emir”. Esse posto é atualmente ocupado pelo emir Tamim ben Hamad Al-Thani, que substituiu o pai em 2013.
A casa Thani governa o território desde 1825 e obedece a lei islâmica (sharia) que engloba aspectos socioculturais e econômicos. Algumas das normas envolvem a proibição ao consumo de bebidas alcoólicas, a criminalização do adultério e da homossexualidade, a necessidade de vestimentas específicas, além da falta de liberdades para mulheres.
Antônio José Barbosa, pesquisador em História Contemporânea da Ásia e docente aposentado da Universidade de Brasília (UnB), destaca o problema em relação à situação das mulheres.
“Para nós, no Ocidente, é inaceitável (...) acontece no Catar algo que é muito comum em países islâmicos. De uma forma geral, a posição da mulher é de subalternidade absoluta. Mas está havendo reação. Agora, por exemplo, temos visto manifestações de mulheres iranianas a partir da morte de uma jovem que estava sob a guarda do Estado e ela provavelmente foi torturada e morta”, disse em entrevista à Agência Brasil.
Sobre a realização de um evento global como a Copa do Mundo por uma ditadura, Iago Caubi, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial (Gis-UFRJ) considera que a escolha ocorreu puramente pela questão financeira. “Em relação a direitos humanos e outras pautas, já se sabia que o Catar tinha bem delimitado o funcionamento das suas leis e do seu estado. A Fifa já sabia disso, a Europa já sabia disso", considera.
O especialista aponta como o pequeno país utiliza da sua localização estratégica e das suas riquezas para minimizar as críticas e ganhar relevância. O próprio envolvimento com o futebol faz parte de uma estratégia mais ampla do Catar para gerar visibilidade.
“Eles tem um fundo soberano, o Qatar Investments Authority (QAI), aplicado em diversos setores pelo mundo e usado como forma de fortalecer o nome do Catar no cenário internacional e como uma forma de defesa também. Isso é o soft power, porque é uma forma de se colocar no debate, mesmo sem ter grandes forças militares”, explica.
Estima-se que o QAI tenha cerca de US$ 450 bilhões em recursos. O Catar já possuía investimentos massivos no futebol antes da Copa, sendo mais famoso o Paris Saint-Germain, que tem estrelas do porte de Neymar, Kylian Mbappé e Lionel Messi.
O clube francês é bancado e administrado por meio da Qatar Sports Investments (QSI), grupo que controla o clube e que comprou 21% das ações do Braga, de Portugal, em mais um passo rumo a consolidação da influência da marca catariana no esporte. A Copa deste ano é a cereja desse bolo.
Investir no esporte com intuito de gerar reconhecimento tem nome. Chamada de "sportswashing", ou “lavagem esportiva” em tradução literal, a prática ocorre quando um governo usa o esporte para minimizar críticas e criar uma imagem positiva para o mundo. “Quando olhamos o mapa, mal percebemos o Catar, mas ele é extremamente rico, importante energeticamente e possui uma influência na sua região”, comenta Caubi.
Exemplo prático do soft power catariano é que a principal base militar dos Estados Unidos no Oriente Médio (Al-Udeid), está localizada na península. Em suma, isso garante a manutenção de uma boa relação entre a monarquia e o governo americano, ao passo em que torna improvável qualquer tipo de ação militar contra o Catar por parte de outras potências regionais que o rondam e rivalizam entre si, como a Arábia Saudita e o Irã.
Embora seja uma das frentes, o esporte é apenas mais um dos instrumentos para o país limpar sua imagem. A emissora de TV e agência de notícias Al Jazeera e a companhia aérea Qatar Airways dentre outras peças ajudam o Catar se transformar num player regional de relevância global.