Quando menino, lembro-me das conversas entre parentes na tentativa de conseguir uma representação comercial. Ser representante comercial era sinal de prestígio e era uma maneira de ganhar dinheiro, melhorar a renda e, quem sabe, até "ficar rico". Por outro lado, as empresas, quanto mais representantes comerciais tivessem mais elas se consolidavam no mercado, mais ela prosperavam. Era uma relação de troca mútua: a empresa se expandia e lucrava com a força de trabalho local, enquanto o representante comercial também. Ambos prosperavam, uma mão lavava a outra.
Adulto, passei a ouvir outro tipo de representação: a representação popular. Nessa lógica, os representantes do povo - vereadores, deputados estaduais e deputados federais - seriam os responsáveis por lutar pelos interesses dos seus representados.
Assim como nas representações comerciais, quanto mais representantes, mais força teria o representado. Quanto mais deputados uma região tivesse, mais voz e poder de decisão ela teria nas casas legislativas. Logo, o povo deveria desejar e valorizar esse aumento de representantes, pois seriam eles os instrumentos para o atendimento de suas demandas e promover o bem-estar coletivo.
Eis que surge o paradoxo. A Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram o aumento do número de deputados federais de 513 para 531, acarretando aumento de deputados estaduais tambem. E qual sido a reação popular? Refuta, não quer, não aceita! O povo, paradoxalmente, não quer que aumente o número de seus representantes. Como pode?
Como entender que uma sociedade que precisa de soluções, que exige serviços públicos de qualidade, que clama por melhorias em saúde, educação e segurança, se oponha a ter mais representantes para defender seus interesses?
A resposta é dura, mas simples: essas representações não representam. O povo não se sente representado. Não sente suas demandas serem atendidas, suas dores serem sanadas. Ter mais deputados, para muitos, não é solução, é problema, é mais gastos sem retorno. E para consolidar ainda mais essa rejeição, junto a esse aumento de deputados federais, não aprovaram a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais e rejeitaram o aumento de IOF, que atingiria apenas o andar superior da elite econômica do país.
É bom lembrar que o problema não está na democracia, mas na qualidade da nossa representação. E quem escolhe esses representantes? O próprio povo.
Portanto, enquanto o cidadão não compreender o valor e o peso do voto, continuaremos nesse ciclo vicioso. Aumentar o número de cadeiras não fará diferença se elas continuarem ocupadas por quem não tem compromisso com os representados. E assim seguirá o paradoxo de querermos soluções e rejeitarmos os solucionadores.