Há poucos dias, um dos maiores bancos privados do Brasil anunciou o lançamento de aplicativo (plataforma digital) com Inteligência Artificial Generativa (GenAI) voltado ao atendimento de micro e pequenos empreendedores (aqueles com faturamento anual entre R$ 200 mil e R$ 3 milhões). Calcado na lógica do autosserviço, o intuito é substituir gerentes por IA nas tarefas de análise de dados de transações, fluxo de caixa e crédito e recomendações sobre custos.
O caso não surpreende quem, mesmo que minimamente, tem acompanhado os impactos dos avanços tecnológicos sobre o mercado de trabalho. Parece se tratar apenas de mais um setor em que a automação tem chegado para ocupar lugar de seres humanos (trabalhadores). Não é, com certeza, o primeiro. Tampouco há de ser o último. Nem há como defender rendição ao atraso tecnológico sob pretexto de preservação de profissões que sobrevivem sabe-se lá até quando.
Mas, também não é motivo para naturalizar o fato a ponto de crer que nada pode ou deva ser feito para minimizar os impactos do uso cada vez mais intenso das tecnologias no lugar da força de trabalho humana. Seria como decretar, simplesmente, nossa própria inutilidade e o valor social do trabalho (reconhecido como fundamento da República pelo artigo 1º, inciso IV, da Constituição de 1988). Engana-se quem disser que ela foi incapaz de prever essa realidade quando foi promulgada.
Para quem não sabe (ou não lembra), o artigo 7º da Constituição traz, no inciso XXVII, entre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais "que visem à melhoria de sua condição social", a "proteção em face da automação, na forma da lei". Eis aqui a questão: no próximo dia 5 de outubro, a Lei Maior completará 37 anos e o mesmo tempo alcançará a espera pela lei prevista para regulamentar os mecanismos pelos quais o País pretende proteger seus trabalhadores ante à automação, admitindo, portanto, desde então, que seria este um caminho sem volta.
Ou seja, em vez da descabida discussão sobre anistia, espera-se do Congresso Nacional muito mais saber de que modo o País (não apenas o governo, óbvio) deve responder às demandas decorrentes da automação no mercado de trabalho. Com mais investimentos na (re)qualificação dos trabalhadores dos setores mais atingidos? Que políticas públicas devem ser adotadas com este fim? Quais as responsabilidades das próprias empresas (tendo em vista a função social que a elas a Constituição também reservou) neste processo?
O tempo urge. E os trabalhadores substituídos (e outros tantos próximos de serem afetados) pelas novas tecnologias ainda estão entregues à própria sorte, porque, neste campo, a única lei aplicável até aqui é a do "salve-se quem puder".