Eu estava enganado. Pensei que tínhamos virado uma página, pensei que as falas, eventos pomposos, assinaturas de cartas de compromissos, discursos emocionados sobre justiça climática, a pose de defensores da causa animal, a inserção da palavra clima na secretaria de Meio Ambiente significavam alguma coisa. Não achei que significava muito, mas que significava alguma coisa. Pelo menos o suficiente para não acharem razoável devastar 40 hectares de floresta de mata atlântica preservada na capital do Ceará, Fortaleza.
Há incontáveis décadas a floresta estava lá, com sua fauna e flora exuberantes, percebidas de olhos fechados na paisagem sonora, com uma orquestra de cantos de pássaros que celebravam o nascer do sol todos os dias, sem saberem o que estava por vir.
Certamente as iguanas, raposas, guaxinins e gambás, achavam que ali, pelo menos naquele pedacinho, seriam poupados. Os soins, inocentes, não sabiam que brincavam ali pela última vez. Tudo foi perdido em poucos dias. Sem misericórdia.
A ganância sem fronteiras da Fraport aliou-se às facilidades da Semace, devastou a mata, sumiu com a fauna e com os serviços ambientais que beneficiavam as comunidades, drenagem e conforto térmico, mas revelou algo.
A mata removida descortinou um enorme espelho dágua, manancial esquecido que fora mapeado em 1995 e seguia exibindo água em abundância, mesmo no período seco. Essa Área de Preservação Permanente, calo na bota alemã, impede que a área seja construída, trata-se de área protegida pelo Código Florestal, já ilegalmente devastada.
A derrubada relâmpago da floresta não seguiu a lei. Sem estudo fitossociológico, não poderiam dizer que a floresta era inicial, mas disseram. Falaram que as árvores imensas com décadas de vida eram arbustos e herbáceas. Claro, porque a floresta madura seria imune ao corte, como prevê a Lei da Mata Atlântica e o Decreto que a regulamentou. Além de Semace, Fraport e Elmano, a palavra que salta quando assistimos, boquiabertos, essa cena infernal é outra: fraude.