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Rodrigo Chaves de Mello: O ataque em Sobral e o fracasso coletivo
Opinião

Rodrigo Chaves de Mello: O ataque em Sobral e o fracasso coletivo

O eventual envolvimento das vítimas com facções não apaga o fato elementar: os disparos foram direcionados a uma escola em Sobral - algo até então inédito no repertório do crime organizado. A escola é tida como um espaço inviolável.
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Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso (Foto: Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso)
Foto: Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso

Sobral, manhã de 25 de setembro. Enquanto estudantes aproveitam o intervalo, dois homens estacionam em uma rua perpendicular, caminham até o gradil da Escola Estadual Luiz Felipe, disparam dezenas de vezes e fogem. A ação durou poucos segundos e deixou três adolescentes feridos e dois mortos.

Em poucas horas, o episódio escalou da cobertura local aos principais noticiários nacionais. Enquanto redações relembravam tragédias como Realengo (2011), Suzano (2019) e Aracruz (2022), especialistas improvisavam explicações entre bullying, redes sociais e discursos de ódio. Mas a água não tardou a fervura.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou ter encontrado drogas e uma balança de precisão entre os pertences de uma das vítimas. A senha foi dada. Mesmo sem investigação formalizada, as autoridades justificaram o injustificável.

Bastou para que a comoção cedesse lugar ao punitivismo tupiniquim - curiosa disposição nacional de culpar a vítima por seu destino e absolver as instituições. Traçada a linha abissal que separa, no Brasil, as vidas que merecem ou não ser vividas, a inversão de expectativas revelou, mais uma vez, nossa incapacidade de enfrentar a dimensão coletiva da tragédia social.

O eventual envolvimento das vítimas com facções não apaga o fato elementar: os disparos foram direcionados a uma escola - algo até então inédito no repertório do crime organizado. Mesmo em cidades marcadas pela violência, a escola é tida como um espaço inviolável. Se esse dique foi rompido, é porque falhamos social e politicamente em tantas frentes que talvez estejamos nos aproximando de um ponto de não retorno.

Se for esse o caso, o ataque em Sobral exige respostas urgentes. Quais políticas públicas de emprego, cultura, lazer e renda estão falhando a cada jovem perdido no moinho satânico de uma indústria criminosa bilionária? Ao atingir os estudantes, aqueles disparos miraram também o futuro do país. Responsabilizar as vítimas por uma tragédia dessa magnitude não nos levará a lugar algum - apenas nos manterá anestesiados, confortáveis em nosso punitivismo recreativo, enquanto o tecido social apodrece à vista de todos.

 

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