Assusta e encanta a capacidade humana de escolher ou rejeitar o lógico, o que se vê e se entende. Crises profundas, graves confrontos e mudanças intensas são momentos fecundos de elaboração do conhecimento, de desafios epistemológicos: as coisas, as gentes e as ideias movem-se em múltiplas direções; se alteram sensações e noções de próximo-distante, lento-rápido, passado-futuro, particular-universal, verdadeiro-falso. A atualidade política global mostra que atravessamos um desses momentos!
Palestinos e Saarauis persistem colonizados por Israel e Marrocos; sudaneses seguem famintos e em guerra civil; no Afeganistão e Mianmar, mulheres e meninas feridas após os devastadores terremotos aguardam pelo atendimento de profissionais do sexo feminino; migrantes continuam a morrer nos mares e desertos em busca de uma vida melhor; refugiados que buscam abrigo em países vizinhos ou nas antigas metrópoles tem seus direitos negados e recebem tratamento degradante... A lista de violações é infindável!
O governo dos EUA persegue, prende e deporta milhares de residentes na maioria de origem latino-americana sem respaldo legal e afunda barcos no Caribe sob pretexto de combate ao narcotráfico. Recentemente, em discurso para centenas de oficiais das Forças Armadas enfatizou sua política de guerra sem fim: combater o inimigo interno e controlar a ferro e fogo os massivos protestos em Los Angeles, Chicago, Portland, San Franscisco, Nova Iorque. Assim, conclui que as cidades americanas devem ser utilizadas como campos de treinamento para os militares, tornando seus cidadãos em cobaias.
É nesse contexto opressor que aflora atualíssima a obra do George Orwell: "1984" No livro, datado de 1949, a expressão "dois e dois são cinco" foi magistralmente empregada como metáfora política para denunciar a manipulação da verdade por regimes totalitários. No documentário "Orwell: 2 2=5", premiado no festival de Cannes e recém-lançado nos EUA, o diretor haitiano Raoul Peck combina imagens de arquivo, trechos da vida do escritor inglês e filmagens contemporâneas, destacando a relevância de sua produção literária para nosso cotidiano. Aos 72 anos e com uma rica experiência pessoal, Peck faz um alerta às sociedades para temas como a vigilância de comportamento e o controle da linguagem, que podem levar a aceitação forçada de falsidades.
No Brasil, a expressão foi popularizada na música "Como dois e dois", composta por Caetano Veloso, em 1971, quando o então jovem cantor se encontrava no exílio em Londres, devido à cruel repressão que se abateu sobre a nação brasileira no longo período da ditadura militar. O refrão "tudo certo, tudo certo como dois e dois são cinco" simboliza o inconformismo com a tirania e remete a uma visão de mundo que desafia a lógica tradicional.
São tempos de criar espaços de transformação, ruptura e resistência!