Nos últimos meses, o tema da adultização das infâncias tem tomado conta das conversas. Desde que uma denúncia feita por um youtuber ganhou repercussão nacional, o assunto passou a ser discutido nas escolas, universidades, grupos de mães e nas redes sociais. Mas, entre tantas vozes e opiniões, há uma forma de adultização que quase ninguém comenta: aquela que acontece no cotidiano, silenciosa e naturalizada, a ponto de se tornar invisível.
Essa adultização velada surge quando, sem perceber, tratamos as crianças como pequenos adultos. Exigimos delas comportamentos, atitudes e uma maturidade emocional que nem nós, adultos, conseguimos sustentar. Queremos que compreendam, controlem-se, esperem, reajam com calma, sejam "boazinhas" o tempo todo.
Na escola, isso se revela quando cobramos atenção e silêncio de corpos que precisam do movimento para se constituir, para aprender para descobrir o mundo. Em casa, quando dizemos "engole o choro" ou "você já é uma mocinha". Na sociedade, quando a infância é pressionada pela lógica da produtividade, apressando conhecimentos que ainda não são compatíveis com a faixa etária das crianças e menosprezando o brincar como linguagem infantil.
A infância não é um ensaio para a vida. A infância é a própria vida. A criança não será um sujeito. Ela o é no presente. Ela está sendo no hoje, no agora. É o tempo de experimentar, errar, aprender, construir vínculos e descobrir o mundo com curiosidade e encantamento.
Quando apressamos esse tempo, roubamos da criança o direito de viver sua própria história. Quando exigimos dela além do que ela pode nos oferecer estamos dizendo inconscientemente que ela não é capaz e esse sentimento de incapacidade interfere diretamente na construção da autoestima e autoafirmação.
A adultização está no modo como negamos às crianças o direito de viver a infância em sua plenitude. Permitir que a criança seja criança é, portanto, um ato de coragem e humanidade. É escolher desacelerar o passo, acolher o choro, respeitar o tempo e reconhecer que crescer não é uma corrida. E creio que seja hora de olharmos para isso com a seriedade e a ternura que o tema exige.