A certeza é uma necessidade, algo que nos dá conforto, que nos permite sentir estabilidade e equilíbrio diante de uma existência que é caótica e instável. No entanto, o pensamento humano se engrandece quando é capaz de duvidar. Foi essa a lição de René Descartes, ao afirmar que o simples ato de duvidar já é uma forma de pensar.
Para Descartes a dúvida, longe de ser um gesto de fraqueza, é o fundamento do conhecimento honesto, pois abre espaço para a revisão e a escuta. Esta perspectiva nos permite inclusive duvidar das ideias de seu formulador, como fez o neurocientista António Damásio, ao demonstrar o erro de Descartes em separar corpo e mente, não percebendo que a consciência nasce da interação entre razão, sentimento e emoção; corpo e pensamento.
A física quântica, por sua vez, confirma que a realidade não é fixa, mas um campo de possibilidades em constante transformação. No universo quântico, o simples ato de observar altera o resultado, pois o olhar é parte do que acontece. Assim também é o pensamento humano: o que conhecemos depende de como nos dispomos a enxergar.
Habermas, ao refletir sobre o agir comunicativo, pondera que o diálogo racional é o instrumento que substitui o dogma pela compreensão e a convicção pela busca compartilhada de sentido.
Os embates atuais são motivados muito mais por convicções que por argumentos. Diante da complexidade da realidade, perdemos a paciência para construir argumentos, pois é algo que demanda tempo, e nos entregamos inteiramente às convicções.
Ter convicções é uma parte fundamental da experiência humana, elas nos ajudam a moldar nossos caráter e personalidade. O problema está em quando apenas as convicções orientam tudo o que fazemos e pesamos, posto que é terreno da certeza, onde não há lugar para dúvida. Duvidar, questionar, são ações imprescindíveis ao desenvolvimento de uma competente e saudável compreensão da realidade em que vivemos, de nós mesmos e dos outros (aqueles que pensam diferente).
Observo com preocupação que o debate político e social brasileiro está hoje tomado por convicções e pouco aberto à construção de argumentos (reflexões baseadas em dados). A ideia de absoluto, de essência, esteio das convicções, orienta caminhos que, como evidenciam a História e a Psicanálise, não raro nos levam a adoecimentos individuais e sociais.
Como nos alerta Byung-Chul Han (autor de "Sociedade do Cansaço"), a pressa inerente à compreensão do mundo pela convicção nos impede de termos tempo para reflexão profunda, para o pensamento crítico. Vivemos um tempo de imediatismos que é preocupante, pois a pressa em, por um único caminho, resolver tudo, pode nos levar a perder tudo, incluindo a nós mesmos.