Logo O POVO+
Edilberto Pontes Lima: O desafio de manutenção das cidades
Comentar
Opinião

Edilberto Pontes Lima: O desafio de manutenção das cidades

As administrações públicas costumam apontar a culpa para a população - "vandalismo", "falta de cuidado" -, mas a raiz verdadeira do problema está na ausência de uma política pública séria de manutenção
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Comentar
Edilberto Carlos Pontes Lima, conselheiro do TCE Ceará (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Edilberto Carlos Pontes Lima, conselheiro do TCE Ceará

As cidades brasileiras convivem com um paradoxo: capacidade de construir relativamente alta e baixíssimo esforço de manutenção do que foi construído. Inauguram-se praças, calçadões, parques, equipamentos culturais. Quando novo, os equipamentos são fotogênicos, vibrantes. Mas poucos meses depois a cena muda: piso quebrado, iluminação apagada, jardins secos, quadras destruídas, fontes desligadas.

As administrações públicas costumam apontar a culpa para a população - "vandalismo", "falta de cuidado" -, mas a raiz do problema está na ausência de uma política pública séria de manutenção.
Construir tem incentivos claros: há linhas de financiamentos e até emendas parlamentares. A obra rende visibilidade imediata, placa, cerimônia e postagem. Já a manutenção depende do orçamento corrente, não rende fotos e tampouco inaugurações. É um trabalho quase "invisível".

O exemplo das árvores revela o drama urbano. Plantar uma muda custa pouco; mantê-la viva exige rotina: água, adubo, poda. Quem já não presenciou árvores morrendo por falta de irrigação? Até na beira-mar de Fortaleza vivenciamos esse triste cenário. Não é vandalismo: árvores secas simbolizam o modelo vigente: inaugurar muito, cuidar pouco.

Esse problema também afeta a autoestima das cidades. Espaços públicos malconservados criam sensação de abandono, desencorajam o uso coletivo e enfraquecem a vitalidade urbana. Quando a população percebe que o poder público não cuida, passa a cuidar menos.

A deterioração, nesse sentido, se retroalimenta: o ambiente comunica desinteresse, e o desinteresse produz mais degradação. A solução não é trivial, mas passa por quatro frentes: orçamento protegido para manutenção; planejamento baseado no ciclo de vida das obras; contratos de manutenção focados em desempenho - árvores saudáveis, iluminação funcionando, piso íntegro -, e não apenas quantidade de serviços; e governança clara, com cada praça ou parque tendo um responsável definido.

Uma cidade não se mede pela obra do dia da inauguração, mas pelo estado dessa obra depois de alguns anos. Construir é importante, mas manter é civilizatório. O futuro urbano depende de trocar o "urbanismo da foto" pelo "urbanismo da permanência". Uma cidade que cuida permanece; uma cidade que abandona depois da inauguração volta sempre à estaca zero.

O que você achou desse conteúdo?